sexta-feira, 13 de março de 2015


Há lugar para gente normal na política?


Helena Matos, Observador, 8 de Março de 2015

Que os partidos tenham à sua frente «gente normal» parece-me bem mais tranquilizador do que aqueles momentos em que estão entregues a pessoas que pairam acima das circunstâncias prosaicas da vida.

Conta-se, não sei se com fundamento ou sem ele, que a vida política de Cavaco Silva esteve para acabar quando a sua mulher percebeu que um jornalista andara a fazer perguntas aos operários de uma pequena obra que decorria na casa do então primeiro-ministro. Aquilo a que estamos agora a assistir é à aplicação aos actuais líderes do PSD e do PS do escrutínio dos detalhes do quotidiano a que até agora praticamente só se sujeitara de forma tão sistemática Cavaco Silva.

Enquanto escrevo, as dívidas de Passos Coelho à Segurança Social fazem manchete. Entretanto no blogue Portugal Profundo publica-se uma investigação sobre o local de residência de António Costa em 2013 e 2014. Mais ou menos em simultâneo assistimos também ao ressuscitar dos problemas do apuramento dos montantes de contribuição autárquica pagos por Costa no século passado e a uma onda de indignação com o facto de Passos ter sido alvo de processos de execução fiscal.

Lendo e ouvindo as notícias sobres estes casos (e presumo que nas próximas semanas outros surgirão a um ritmo pendular) deparo com incumprimentos, imprevidência e naturalmente com o reverso do mundo kafkiano constituído pela nossa administração – ou seja aquele volúvel «vamos a um suponhamos» na hora de calcular os montantes de IMI e segurança social e em que mesmo depois de tudo pago parece que continuamos sempre em falta – mas não encontro tentativa alguma de usar em benefício próprio o poder que se deteve ou detém. E aqui chego à dúvida que dá título a este texto: há lugar para gente normal na política? Ou seja, gente com família, flutuações nos rendimentos, documentos mal preenchidos, multas…? Não sei, e é aí que para mim está parte da questão.

Na política, como em tudo, as pessoas com vidas perfeitas causam-me grandes reservas. Em primeiro lugar porque para se ter uma vida perfeita do ponto de vista político é cada vez mais necessário ter sido sempre funcionário público (ou do partido), de preferência com direito a um serviço de secretariado, para culpar pelos eventuais erros e atrasos, e motorista a quem imputar os excessos de velocidade e estacionamentos em locais indevidos. Ora essa vida perfeita é de temer num político: coisas tão corriqueiras quanto o sistema para pagamento das SCUTS ou as inúmeras obrigações fiscais e administrativas a que estão sujeitos empresas e cidadãos só podem ter saído da cabeça de quem está de má fé ou de quem vive no universo protegido e artificial que se sustenta do Estado e a quem tudo parece legítimo na hora de lhe arranjar mais sustento e poder.

Quem vive fora desse casulo estatal confronta-se com os tectos para os recibos verdes, os meandros dos actos únicos, as facturas de que teve de pagar IVA mas que nunca lhe foram pagas, as multas porque não entregou a tempo o anexo X do modelo Z ou trocou o PEC com o PPC, a saber Pagamento Especial por Conta e Pagamento por Conta, duas denominações que só fazem sentido para o seu criador… Caso o político em causa tenha sido empresário a possibilidade de aparecer um papelinho entregue fora de prazo aumenta exponencialmente. A transformação da classe política numa espécie de casta superior dos quadros do universo Estado, quando não numa promoção para quadros partidários, não é alheia a esta quase impossibilidade técnica de quem está fora do casulo passar no escrutínio.

Em segundo lugar a perfeição causa-me dúvidas porque frequentemente não passa de uma ficção e uma ficção criada por quem tem poder para seu próprio benefício. Querem que recorde a perfeição mais que perfeita encarnada por Ricardo Salgado? E o curriculum ganhador de Sócrates? E já esqueceram a bajulação de que estes homens foram alvo por gente que andava de dedo em riste a acusar os outros? Em geral os maiores problemas escondem-se atrás das maiores perfeições. Mais perverso ainda, o problema dos perfeitos é que ao serem descobertas as suas imperfeições, para não lhes chamar outra coisa, continuam a manter contra a evidência dos factos, as suas narrativas perfeitas de vidas perfeitas e de decisões perfeitas. Não é por acaso que ouvir Bava e Ricardo Salgado na AR ou ler as declarações indignadas de Sócrates com a situação fiscal de Passos Coelho nos põe simultaneamente entre o riso e o choro. Afinal já não se trata de mentir ou falar verdade mas sim de manter para lá do razoável uma narrativa de que já sobra apenas aquele patético protagonista.

Que os partidos tenham à sua frente «gente normal» parece-me bem mais tranquilizador do que aqueles momentos em que estão entregues a pessoas que pairam acima das circunstâncias prosaicas da vida. Mas não se pode também subestimar a vulnerabilidade que tal representa face aos corruptos – que imediatamente nivelam tudo pelo seu nível, invariavelmente baixo – e aos radicais. O radicalismo cresce também porque os radicais conseguem alimentar no eleitorado a ideia de que todos, à excepção deles, são corruptos.

Não sei se ainda vamos a tempo mas parece-me essencial que nesta campanha eleitoral que já anda por aí se recupere a normalidade, ou seja, que líderes normais discutam os problemas das pessoas normais. O culto da excepcionalidade arrebata muita gente mas é meio caminho andado para o desastre.





quinta-feira, 12 de março de 2015


Jogo de futebol


Inês Teotónio Pereira


Saí dali a pensar como seria o País se nas escolas houvesse este empenho dos pais

O assunto é sério: é dia de jogo. As equipas alinham-se no relvado, a cantoria do hino é dispensada, mas os cumprimentos aos adversários são solenes. Os pais acomodam-se na bancada de pedra e não tiram os olhos dos filhos. O árbitro apita e o desafio de 40 minutos começa. O meu filho tenta chutar a bola mas dá um pontapé no ar. Rio-me, mas os outros pais lançam-me um olhar de desprezo pela minha insensibilidade. Ok. Isto é a sério. Encolho-me timidamente. A barafunda no campo é enorme. Os jogadores correm todos atrás da bola sem ordem e o mister grita que é preciso manter as posições. Dificilmente se percebe quem está à defesa ou ao ataque. Às ordens do mister a equipa disciplina-se mas a bola insiste em sair das quatro linhas. As crianças não levantam cabeça nem se incomodam com a chuva que cai com intensidade. Os pais muito menos. De repente um miúdo pequenino sai do meio da confusão com a bola nos pés e corre em direcção à baliza contrária. Os pais entram em delírio: «Leva! Leva!» A criança obedece e leva o esférico até ao outro lado do campo. Está isolada, só tem um guarda-redes minúsculo pela frente, mas falha a baliza. Os pais disfarçam a desilusão e a mãe do pequenote atira em jeito de brincadeira: «Hoje não jantas!» Rimo-nos todos. A criança ignora a gracinha. Ainda está zero a zero e o mister não mexe na equipa. A bancada agita-se. É preciso fazer qualquer coisa porque os adversários «têm qualidade técnica» e assim perdemos. Correcto. Os pais têm sempre razão e percebe-se pelos festejos que é marcado um golo lá ao fundo.

Acabam as risadas e começa a análise. Ouve-se que a equipa adversária é «interessante» e que o mister não responde à exigência do desafio. «Muda a defesa, pá!» «Não vês que os miúdos estão cansados?!» Os miúdos, esses, nem olham para os pais. Têm os olhos no esférico e o coração aos saltos. No meio do campo um rapaz cai. Queixa--se da perna. As atenções passam do mister para o árbitro. Por enquanto nada de palavrões, ele é apenas acusado de «palhaço» e de «cego». É livre a nosso favor. O rapaz arrisca a baliza e marca golo. Não se percebe como, porque a bola passou por meia dúzia de crianças que a desviam na tentativa de defender mas acabam por confundir o pobre guarda-redes. O autor do primeiro golo dá um salto estilo CR7 e é abraçado pelos colegas. Acendem-se cigarros na bancada e as mães gritam palavras de encorajamento.

O meu filho corre atrás da bola sem sucesso até que por mero acaso ela lhe cai aos pés. O meu coração pára. Os pais gritam o seu nome: «Leva! Leva!» Levanto-me com orgulho. É agora. Passa um, passa outro, está quase a chegar à baliza quando tropeça e deixa a bola fugir. Ops… Sento-me. Os outros pais também. Finalmente intervalo com empate. Trocam-se os campos e o mister mexe na equipa. Na bancada analisa-se detalhadamente a primeira parte do jogo entre uma e outra cerveja. Os jogadores partem ao ataque. Os golos sucedem-se de um lado e de outro. Perco-lhes a conta e deixo de perceber quem está a ganhar. A gritaria sobe de tom, os insultos de intensidade e a semelhança entre aquele grupo de pais e qualquer outra claque profissional não é coincidência. No fim do jogo percebo que perdemos. «Isto não pode continuar! Ou o gajo percebe que tem de escolher os melhores quando são jogos a sério ou não estamos aqui a fazer nada! Por isso é que este país não anda para frente: não se levam as coisas a sério!»

De seguida vamos todos para a porta dos balneários esperar pelos filhos. Do mister não há sinal e do árbitro muito menos. Um a um os jogadores vão saindo radiantes por terem passado uma manhã a jogar à boa. Não se fala mais do jogo. A multidão dispersa com a garantia de que para a semana há mais. Ponho o braço à volta do meu filho e pergunto-lhe se gostou. «Sim, sim! Mas fomos roubados!»

Saí dali com pena do mister e do árbitro. Nenhum deles tem um sindicato que os proteja ao estilo da FENPROF, nem os filhos uma associação que os defenda dos pais. Saí dali a pensar como seria o País se nas escolas houvesse este empenho dos pais. Sim, como seria o País se a escola fosse levada tão a sério como são levados os jogos de futebol de fim-de-semana? Para a semana há mais.





quarta-feira, 11 de março de 2015


Escândalo em Inglaterra:

11 bebés e uma mãe morreram
por «falhas graves» do hospital


Andreia Félix CoelhoJornal Sol, 4 de Março de 2015

A imprensa britânica divulgou as conclusões de um inquérito ao escândalo que está a abalar o sistema nacional de saúde britânico. O caso Morecambe Bay chocou os ingleses depois de surgirem suspeitas de que dezenas de bebés e mães morreram num hospital por complicações que seriam facilmente tratáveis. A investigação independente a estas mortes conclui agora que existiu «uma série de falhas a todos os níveis» no Hospital Furness General em Barrow, Cumbria, unidade que se revelou «seriamente disfuncional».

Com base neste relatório, o secretário de Estado da Saúde, Jeremy Hunt, já veio pedir desculpa às famílias afectadas e garantiu que a tutela vai «lançar uma longa e implacável busca pela verdade».

A investigação analisou mais de 50 mortes ocorridas entre 2004 e 2013, um número estranhamente elevado que fez soar os alarmes e motivou o inquérito. De todos estes casos, os especialistas concluíram que 11 recém-nascidos e uma mãe morreram por falta de cuidados adequados.

Entre as várias falhas contam-se falta de comunicação entre enfermeiras parteiras e médicos. Estas enfermeiras têm obrigação de monitorizar as mães antes e durante o trabalho de parto, assim como os bebés, prevenindo qualquer complicação. Ao mínimo sinal de que o parto se pode complicar, devem chamar imediatamente um médico obstetra e/ou um neonatologista. Mas isto não acontecia.

As enfermeiras auto-intitulavam-se «As Mosqueteiras» agindo na lógica de «uma por todas e todas por uma» e conspiravam para encobrir os erros umas das outras. Este grupo de mulheres dominava todas as enfermeiras do hospital. Preconizadoras do parto natural «a qualquer custo», introduziram no hospital uma «cultura de ‘eles e nós’», adiando ao máximo os pedidos de auxílio aos obstetras e pediatras. A este comportamento das profissionais de saúde somou-se a falta de pessoal clínico para o número de mulheres e crianças a assistir. Os médicos eram também coniventes com esta situação e ajudaram também a «abafar» vários casos que correram mal.



Os investigadores detectaram ainda relatórios e troca de emails com as famílias das vítimas em que fica claro que os responsáveis da unidade de saúde encobriram as falhas, destruindo mesmo notas médicas e continuando a gerir o hospital com os problemas já detectados.

Mas a investigação aponta também o dedo ao sistema nacional de saúde e fala em «muitas oportunidades perdidas» pelas instituições inspectoras de ter detectado os problemas. Acusa mesmo a Inspecção-Geral, a autoridade regional e mais quatro institutos de negligência, já que deveriam ter levado a cabo investigações mais profundas perante uma taxa de mortalidade tão elevada comparativamente com outras maternidades.

Com base neste relatório, o secretário de Estado da Saúde, Jeremy Hunt, já veio pedir desculpa às famílias afectadas e garantiu que a tutela vai «lançar uma longa e implacável busca pela verdade».

Este escândalo vem relançar o debate sobre a possibilidade de escolha no parto. Os sucessivos governos britânicos têm-se mostrado apoiantes das teorias de que as mulheres devem poder escolher entre ter os bebés em casa, numa clínica de enfermeiras parteiras ou no hospital.  No ano passado, as autoridades de saúde recomendaram mesmo as clínicas de parteiras para a maioria das mulheres terem os seus bebés. Mas, motivados por este escândalo, os especialistas que são contra esta visão, vêm novamente alertar para os riscos de fazer partos fora do contexto hospitalar.





terça-feira, 10 de março de 2015


A perspectiva cristã sobre o pai

O pai e o mundo moderno


Evelyn Mayer

«Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?» Mt 7,11

Quando nos interrogamos sobre o papel de pai no mundo moderno, as respostas que nos dão são as de que este papel mudou: hoje, o pai saiu do papel de «opressor, tirano e totalitário» para um baby-sitter moderno. Dezenas, diria até centenas de matérias, vídeos, reportagens e afins mostram – orgulhosos! – os homens que decidiram realizarem-se (cof!) no papel de «donos de casa». São tão generosos, tão homens-beto que, a fim de demonstrarem a sua sensibilidade à realização da esposa, ficam em casa e viram «Amélia».

Mal sabem estes pais (e mães) que colaboram absurda e ingenuamente para este programa ideológico e partidário feminista vigente nos nossos tempos. Com a ascensão do feminismo, colocar a mulher como dona de casa é mantê-la em submissão ao esposo. Ser submissa é viver sob a opressão machista. Qual a forma «lógica» em «oprimir» o homem, fazendo-o sentir física, emocional e socialmente o que as mulheres sentiram durante séculos? Predestiná-los ao serviço doméstico. E, assim, os filhos crescem sem compreenderem o que, de facto, representam pai e mãe na sociedade, bem como eles mesmos.

Quer dizer então, Evelyn, que você é contra o facto de homem fazer o trabalho doméstico? Não. O meu marido, por exemplo, ensinou-me a fazer grandes coisas acerca disso.  Mas, depois de ter ensinado, renunciou, porque compreendeu que eu agora já sei… Entretanto, quando ele verifica que estou apressada e/ou sobrecarregada, prontifica-se em auxiliar-me sem que eu lhe peça. Quanto a isso, sou favorável. Contudo, jamais aceitaria que o meu esposo viesse a desempenhar o trabalho doméstico. E o motivo é simples: não foi para isso que ele foi criado. Os homens, por mais caprichosos que sejam (e o são!) não têm a delicadeza das esposas em pensar nos detalhes mínimos para a casa: enxoval, louça, decoração, flores... Evidenciar isso não é desmerecer os homens. Pelo contrário: é dizer que os homens têm papéis diferentes das mulheres. Do mesmo modo, não sou favorável que a mulher deva assumir uma profissão de auto-risco, que exija dela uma força descomunal apenas para provar que pode fazer tudo semelhante ao homem. Porque motivo? Competição?! Que absurdo! Qual a necessidade de perder toda a feminilidade para mostrar-se «tanto como» competente ao homem? Sendo o homem mais forte por natureza, que seja ele a fazer o que a natureza lhe incubiu. Enquanto isso, nós – mulheres – lhes satisfazemos e completamos com a doçura que nos cabe. E, desculpem-me as feministas, mas não encontro nisso machismo, mas sim, realidade. Verdade!

Numa sociedade como a nossa, é um facto que a mulher está praticamente impedida do trabalho doméstico. Com uma renda apertada, pouco tempo e/ou com condições para formar-se, o homem tem necessitado do apoio da sua companheira para que os filhos tenham comida à mesa. A mulher tem saído de casa mais do que deveria. Não acredito que isso seja culpa dela ou dele (somente), mas sim, de uma sociedade que se descristianizou. Retirando Deus do centro do universo, racionalizando todo e qualquer pensamento e paradigma (leia-se «tabu»), a nossa sociedade passou a ver cada ser humano como um ser «unissexualizado». Logo, homens e mulheres devem ter direitos e deveres como se, naturalmente falando, fossem iguais, o que não acontece.

Não é de hoje que a mulher trabalha para auxiliar o marido nas rendas da casa. A mulher citada em Provérbios 31, 10-31, mostra que, além de cuidar do marido e da casa, ela faz trabalhos artesanais para auxiliá-lo na renda. E a alegria desta mulher está em saber que o coração do seu marido a ela está confiado (cf. PV 31,11). E isso só foi possível porque esta é temente ao Senhor. Temer ao Senhor, algo quase que inexistente nos nossos dias.

Cabe a nós, cristãos, lembrar que neste dia dos pais devemos exaltar o real papel do homem na família: chefe. Devemos, como aqueles que desejam imitar Cristo, fazer valer o modelo de família que, antes, nos exortou Paulo: «as mulheres sejam submissas aos seus maridos, como ao Senhor, pois o marido é o chefe da mulher, como Cristo é o chefe da Igreja, o seu corpo, da qual ele é o Salvador [...] Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para santificá-la, purificando-a pela água do baptismo e pela palavra [...] Em resumo, o que importa é que cada um ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido.» (Efésios 5, 22-23; 25-26; 33).Ora, dar ao homem o papel de chefe não é dar-lhe o bastão de prepotente, mas de zelador. Note que Paulo compara a vocação de esposo à de Cristo, evidenciando quão duríssimo é ser esposo aquilo que espera o Senhor. Zelar pela esposa, santificá-la, fazer da sua casa um lar que bendiga ao Senhor (cf. Js 24, 15) é algo possível àquele que em Deus confia.

Cabe a nós, também, esposas, observar se não estamos «castrando» os nossos maridos. Com o advento feminista, muitas de nós procuramos tanto nos auto-realizarmos (como se o facto de sermos donas de casa, esposas e mães fosse um sacrilégio) que acabamos por impedir, e até mesmo castrar os nossos esposos. Não lhes damos mais o direito de advogar em nosso favor, não lhes pedimos conselhos tanto quanto deveríamos fazer, colocamos as nossas vontades e direitos acima das deles que estes acabam perdidos quanto ao seu papel neste núcleo familiar. Submissão não é viver à sombra, mas auxiliar os maridos que nos guiam para Deus. É fazer com que o marido brilhe e o brilho dele seja também o da mulher, que o apoia, que o consola e serve de suporte para toda a vida. Nenhuma mulher que faça valer o seu papel de esposa se sente triste, como pintam as «feminazis». Todas elas sabem que honrar o seu esposo é papel primordial no caminho da salvação. Sabem que, honrando os seus maridos, os seus filhos terão alegria ao ver que o pai é o reflexo de Deus, da esperança nas suas vidas.

Que São José, pai adoptivo de Jesus e benditíssimo esposo da Virgem Santíssima possa abençoar todos os pais neste dia. Que ele também ensine os homens e as mulheres do nosso tempo a viver o sagrado sacramento do matrimónio como nos ensinou São Paulo, pois é isto que de nós espera o Senhor.






Vivemos tempos de hipocondria?



Revista do Expresso, 7 de Março de 2015

Gary S. Chapman / Getty images

Texto Luciana Leiderfarb infografia Ana Serra

«Este é o reflexo de uma sociedade com falta de pudor no exagero do tratamento, que é altamente tecnológica e que não quer morrer», diz Manuel Sobrinho Simões

Diz o ditado que quem procura, encontra. E quem procura utilizando os mais inovadores meios de rastreio, encontra quase sempre. A mesma classe médica que advogou o diagnóstico precoce alerta para os perigos de sobrediagnosticar.

O diagnóstico precoce foi, nas últimas décadas, responsável pelo decréscimo da mortalidade em doenças potencialmente letais, como o cancro. E todos já ouvimos, alguma vez, o discurso médico a apregoar os seus benefícios. Por «todos», leia-se os cidadãos de uma sociedade obcecada pela doença, com acesso aos mais inovadores meios de diagnóstico, viciada em check-ups e no consumo da saúde, no fundo, na procura do que está errado mesmo quando nada aparenta estar. Sim, há doenças que mais vale encontrar o mais cedo possível. Mas não cedo demais.

O alerta vem da própria classe médica, que tem vindo a chamar a atenção para os perigos do sobrediagnóstico (overdiagnosis). O termo, de utilização recente, denuncia o diagnóstico em indivíduos saudáveis de doenças que nunca iriam desenvolver sintomas ou serem letais. É usada sobretudo pelos especialistas em cancro, referindo-se a lesões pré-cancerosas e microscópicas que são encontradas por acaso («acidentalomas»), graças aos avanços da imagiologia médica, mas cuja evolução pode não se verificar. Porém, uma vez que se deu por eles, o comportamento médico mais comum é rotulá-los de «cancro» e desencadear toda uma série de tratamentos caros e agressivos a que o paciente poderia ser poupado.

«Quando ouvem a palavra ‘cancro’, os pacientes assumem que irá progredir e causar a morte. Mas deparamo-nos com demasiados cancros de evolução lenta, que não deveriam sequer ser encontrados», diz Laura Esserman, que dirige um painel de médicos do Instituto Nacional de Cancro (INC) norte-americano a estudar o assunto, citada pelo «Wall Street Journal». Este grupo defende uma mudança de atitude na pesquisa sobre o cancro que começa pela linguagem, propondo que, em vez de cancros ou carcinomas, as lesões pré-malignas sejam identificadas como «lesões indolentes de origem epitelial», ou IDLE.

Estudos recentes demonstram que 30% dos cancros da mama, 60% da próstata e 90% da tiroide são de improvável evolução. A estes últimos dedicou-se Manuel Sobrinho Simões, tendo no ano 2003 coassinado, no «International Journal of Surgical Pathology», um texto conhecido como «Porto Proposal» que, já então, advogava uma alteração no léxico médico que tornasse os microcarcinomas em simples microtumores. Para o investigador, «não se devem fazer biopsias a lesões abaixo de 1 cm. Porque se meter uma agulha, na maioria dos casos vou encontrar microcarcinomas e as pessoas, nesses casos, querem ser tratadas.» E porque é aconselhável não o serem? «Há lesões pequenas que, deixadas à sua história natural, não se vão desenvolver. A epidemia de cancro que presenciamos é fruto da longevidade mas também do desenvolvimento dos meios de diagnóstico, que permitem ver lesões cada vez mais pequenas.»


Em 2014, um artigo do «New England Journal of Medicine» destacava uma pesquisa sobre a Coreia do Sul, onde um aumento exponencial de cancros da tiroide nas mulheres coincidiu com o uso generalizado de aparelhos de imagiologia de última geração. Por outro lado, verificava-se um ligeiro aumento da mortalidade. Isto levou médicos como H. Gilbert Welch a concluir que se o recurso à TAC e à ressonância magnética ajuda a detectar cancros em estádios precoces, não faz a mortalidade por cancro decrescer. Este internista norte-americano, autor do livro «Overdiagnosed — Making People Sick in the Porsuit of Health», diz que é preciso «procurar de forma menos impetuosa cancros diminutos e fazer um esforço em diferenciar quais cancros irão trazer consequências ou não».

É o que está a ser feito por Harold E. Varmus, prémio Nobel da Medicina em 1989 e actual director do INC, que conduz uma investigação centrada «não tanto nas formas de detectar prematuramente o cancro», mas «nos factores que podem determinar quão agressivo este irá ser». Porém, enquanto não houver resultados, outras instituições relevantes como a American Cancer Society mantêm uma posição cautelosa. «Entre 10% e 30% das mulheres com cancro de mama ficariam bem se apenas as observássemos continuadamente. Mas não posso olhar nos olhos delas e dizer: «Você está entre as 10% a 30% que não deveria ser tratada», contrapôs o seu presidente, Otis Brawley.

Sobrinho Simões concorda com o melindroso da questão. E refere que outras doenças, como a hipertensão, a asma e a depressão, estão também a ser sobrediagnosticadas. Será o reflexo de uma sociedade hipocondríaca? «Isto é uma discussão das sociedades afluentes ocidentais, que se podem dar ao luxo de pôr em causa o valor quase milagroso do diagnóstico precoce. E é certamente o reflexo de uma sociedade com falta de pudor no exagero do tratamento, que é altamente tecnológica e que não quer morrer.»





domingo, 8 de março de 2015


A minha abordagem à ideologia de género


João Pedro Cabral Valente

Em primeiro lugar quero desde já esclarecer que sou um básico.

Não sou um intelectual, um artista, um filósofo. Digamos que o meu pensamento está ao nível de um chofer de praça médio (sem ofensa aos chofers de praça, bem entendido).

Mas às vezes dá-me para matutar em certas coisas, que hei-de eu fazer?

A última foi aquilo da ideologia do género. Se bem percebi, as crianças nascem sem um sexo predefinido e mais tarde hão-de fazer uma escolha.

Ora isto anda-me cá a queimar os neurónios. Então se o Joãozinho nasce com um pirilau e a Ritinha com um pipi porque raio ele há-de escolher ser uma Ritinha ou vice-versa?

Quando eu andei na Escola, bem sei que já foi há muito tempo, ensinaram-me que o primeiro instinto de qualquer animal, cão, gato, aranha ou homem, é o da conservação da espécie, ou seja: um animal faz tudo para que a espécie sobreviva e se propague. Só depois vem o instinto da conservação do próprio.

Tenho visto naqueles documentários da televisão as mães leoas a atacarem hordas de hienas para salvarem as crias pondo em risco a própria vida. Para elas é mais importante defender a prole do que a elas próprias. E as avezinhas que voam quilómetros e quilómetros para procurarem comida para os filhotes e a defendê-los dos predadores. E o mesmo com todos os animais, pequenos ou grandes. Toda a gente sabe que não é boa ideia chegarmo-nos a uma cria quando a mãe está por perto. Era muito mais fácil e menos perigoso para as mães (e pais em certas espécies) porem-nos no mundo e dizerem: agora desenrascam-se. Mas não, até algumas espécies de salmão vêm do oceano salgado, sobem com enorme esforço rios de água doce para irem desovar onde nasceram. E a seguir morrem. O importante está feito, continuar a espécie!

No meu fraco entendimento, também acho fácil perceber porque é que os machos procuram em primeiro lugar as fêmeas que lhes parecem capazes de gerar melhores crias e as fêmeas entregam-se aos machos mais fortes, mais saudáveis, mais belos ou vistosos e com mais poder. O resultado desse cruzamento vão ser crias com maior probabilidade de sobreviver e vingar na vida. Mais uma vez o instinto da conservação da espécie.

E eu, cá para mim, o ser humano é um bicho, um animal, pronto (sem ofensa). Qual é o homem que não gostava de ter uma Angelina Jolie a jeito? Ou a mulher que virava a cara ao Brad Pitt? Ambos são belos, fortes, poderosos, à partida bons reprodutores. As suas três «crias» biológicas têm todo o potencial para continuarem a espécie humana nas melhores condições.

Bom, voltando ao Joãozinho e à Ritinha. Se os seus atributos sexuais ficam definidos no momento em que foram gerados (aquela coisa dos cromossomas X e Y), por que raio haviam eles de resolver mais tarde que querem ser uma Joãozinha ou um Ritinho? É o instinto de conservação da espécie? Claro que não.

À excepção de casos patológicos raros e complicados, o que acontece é um desvio comportamental, ou seja: uma alteração a esse instinto de conservação da espécie na sua componente reprodutiva que pode ser resultado de grande variedade de razões: pais ou mães excessivamente dominadores ou pelo contrário ausentes ou desinteressados, outros traumas sofridos desde a mais tenra infância, violência doméstica, abandono, aquilo que agora se chama bullying e que no meu tempo se chamava levar pancada dos colegas e ser alvo da chacota da escola (refúgio de relações desiguais de poder), dificuldade de abordagem ao sexo oposto, pressão social de grupos com o mesmo tipo de problemas, no caso de adultos relações heterossexuais fracassadas e traumatizantes, enfim: há um grande número de razões que, à medida que as pessoas crescem, se combinam, adicionam e se misturam com outras vivências e sentimentos, dando origem a esses desvios.

Este assunto veio-me à ideia depois de ter lido um artigo segundo o qual, só na cidade de Paderborn, na Alemanha, um conjunto de pais já tinha passado, no total, 210 dias presos, ou porque não tinham deixado os filhos irem às aulas de educação sexual, ou porque as próprias crianças se recusavam a ir, aulas nas quais entre outras coisas, se ensina a tal «ideologia do género».

Não julguem que sou homofóbico (acho este termo ridículo). Tenho alguns bons amigos e muitos conhecidos que são homossexuais, que estimo como a todos os que não o são. Não os acho culpados de nada. Quando muito serão vítimas.

Mas confesso que me assusta quando, como se não bastasse já a comunicação social, os estados, por meio das escolas, quererem formatar a cabeça das crianças, não só em assuntos tão sensíveis como este, mas também noutros como por exemplo na História ou nas Ciências.

Para mim que, repito, sou básico, a família é o núcleo da sociedade. A família é que deve educar e a escola limitar-se a ensinar. Uma sociedade sã e livre não resulta com certeza daquilo que os governos querem fazer de nós mas antes começa por uma família sã e equilibrada que ama, cuida e acompanha o crescimento e desenvolvimento dos seus filhos.