domingo, 31 de maio de 2015


O Alzheimer descrito pelo próprio paciente


Arthur Rivin (Foi clínico-geral e é professor emérito na universidade da Califórnia)

Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer.

Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando pacientes com Alzheimer durante anos. Mas demorei para suspeitar da minha própria aflição.

Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela começou, há 10 anos, quando estava com 76. Eu presidia a um programa mensal de palestras sobre ética médica e conhecia a maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao material que já estava preparado para fazer as apresentações. Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos são comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.

Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais tarde tive dois pequenos derrames cerebrais. O meu neurologista atribuiu os meus problemas a esses derrames, mas a minha mente continuou a deteriorar-se. O golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa no hospital onde trabalhava. Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.

A minha mulher insistiu para eu consultar um médico. O meu médico de clínica-geral realizou uma série de testes de memória no seu consultório e pediu depois uma tomografia PET, que diagnostica a doença com 95% de precisão. Comecei a ser medicado com Aricept, que tem muitos efeitos colaterais. Ressenti-me de dois deles: diarreia e perda de apetite.

O meu médico insistiu para eu continuar. Os efeitos colaterais desapareceram e comecei a tomar mais um medicamento, Namenda. Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem efeito nenhum. Fui um dos raros felizardos.

Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal.

Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos, no início do século 20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de material desconhecido.

Hoje sabemos que esse material é a acumulação de uma proteína chamada beta-amiloide. A hipótese principal para o mecanismo da doença de Alzheimer é que essa proteína se acumula nas células do cérebro, provocando uma degeneração dos neurónios. Hoje, há alguns produtos farmacêuticos para limpar essa proteína das células.

No entanto, as placas de amiloide podem ser detectadas apenas numa autópsia, de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram plenamente a doença. Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.

Mas há muitas coisas que aprendemos. A partir da minha melhora, passei a fazer uma lista de insights que gostaria de compartilhar com outras pessoas que enfrentam problemas de memória: tenha sempre consigo um caderninho de notas e escreva o que deseja lembrar mais tarde.

Quando não conseguir lembrar-se de um nome, peça para que a pessoa o repita e então escreva. Leia livros. Faça caminhadas. Dedique-se ao desenho e à pintura.

Pratique jardinagem. Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas novas. Organize o seu dia. Adopte uma dieta saudável, que inclua peixe duas vezes por semana, frutas, legumes, vegetais e ácidos gordos (Ómega 3).

Não se afaste dos amigos e da sua família. É um conselho que aprendi com muito sacrifício. Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha doença em segredo e isso significou afastar-me das pessoas que eu amava. Mas agora sinto-me gratificado ao ver como as pessoas são tolerantes e como desejam ajudar.

A doença afecta 1 em cada 8 pessoas com mais de 65 anos e quase metade dos que têm mais de 85. A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA duplique até 2030.

Sei que, como qualquer outro ser humano, um dia vou morrer. Assim, certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações por escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver probabilidade de recuperação. Procurei assegurar que aqueles que amo saibam da minha vontade. Quando não souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver incapacitado, sem nenhuma probabilidade de melhora, quero apenas consolo e cuidados paliativos.