sábado, 2 de agosto de 2014


Clientes do BES formam a ABESD

– Associação de Defesa dos Clientes Bancários



No dia 24 de Julho de 2014 foi formada a ABESD – Associação de Defesa dos Clientes Bancários, uma associação que teve a sua génese nos clientes do BES. Tratar-se-á de uma verdadeira associação ou de uma cobertura para uns advogados explorarem a oportunidade proporcionada por Ricardo Salgado? Contudo, a ser uma verdadeira associação, é para ricos, como se deduz do valor da jóia: nada menos do que mil euros...

De qualquer modo, aqui fica a informação.

A ABESD tem uma página na internet ( http://abesd.org ) e um email de contacto ( secretariado@abesd.org ).

Segundo um dos fundadores citado pelo Negócios: «Esta nova associação surge da necessidade e vontade de vários clientes lesados pela actuação do Banco Espírito Santo em institucionalizar um movimento de clientes, que surgiu espontaneamente nas últimas semanas, com vista a apurar as obrigações e direitos nesta problemática do Grupo BES-GES, que também nos afecta».

Além do sítio na internet estão a divulgar um email de contacto para poder facilitar a interacção com os interessados: secretariado@abesd.org.






Será que se aumenta a natalidade por decreto-lei?


Pedro Afonso

O Estado deve criar um sistema fiscal verdadeiramente «amigo da família».

É conhecido por todos que Portugal tem um grave problema de natalidade. Com cerca de 1,2 filhos por casal, o nosso país apresenta uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, colocando problemas de sustentabilidade a vários níveis na sociedade. O PSD, que já deveria ter consciência desta realidade há mais tempo, decidiu finalmente nomear uma comissão para estudar o assunto e que propôs recentemente um conjunto de medidas legislativas de modo a incentivar o aumento da natalidade.

Já se adivinhavam quais seriam algumas dessas  medidas propostas: maior justiça fiscal face ao número de filhos, alargar o acesso a creches e aumentar as actividades de tempos livres (ATL), flexibilizar os horários laborais para os pais, etc.  Apesar do sinal positivo de algumas destas propostas, a pergunta que se coloca é a seguinte: Será que é possível aumentar a natalidade por decreto-lei?

Como psiquiatra, profissionalmente contacto diariamente com dezenas de pessoas de diversas idades e em fases diferentes do ciclo da vida. Quando pergunto a um jovem que tem uma relação amorosa estável se está a pensar casar, a resposta que ouço como mais frequência é: «para quê?» Depois, se questiono se existem planos para terem filhos, muitas vezes o rosto desse jovem transfigura-se, adoptando uma expressão de perplexidade e de indignação, face ao despropósito daquela pergunta. A resposta habitual é um «não» peremptório.

Se for feito um inquérito aos casais jovens sobre quais os motivos que os levam a ter poucos filhos, a principal razão evocada será invariavelmente a falta de dinheiro. Mas como é que se explica que há vários anos (já com abundantes opções contraceptivas disponíveis), o rendimento per capita dos portugueses era mais baixo e ainda assim os casais tinham mais filhos? O problema da baixa natalidade não é totalmente explicado pela falta de condições económicas, mas acima de tudo pela mudança das prioridades nas opções de vida das pessoas; ou seja, por uma profunda mudança de atitudes e valores.

Há algumas semanas, a revista Sábado fez capa com o título: Há cada vez mais casais «felizes» que têm mais dinheiro e tempo para tudo... Não têm crianças por opção e são cada vez mais em Portugal». O título era reforçado pela imagem de dois jovens  fisicamente atraentes, deitados na relva e com sorrisos abertos. Este é um excelente resumo do modelo de sociedade que foi sendo criado nos últimos anos entre nós; este é um modelo actual de felicidade no qual os filhos não fazem parte.

Vivemos numa sociedade de consumo, materialista, individualista, que não compreende a renúncia e que tem alguma aversão ao compromisso, pois considera-o incompatível com a liberdade. Sabemos que ter filhos é, na verdade, um compromisso que obriga a muitas renúncias e sacrifícios que se vão tornando cada vez mais difíceis na actual sociedade de hiperconsumo. Perante estas prioridades, facilmente se compreende que seja difícil, senão mesmo impossível, conciliá-las com o nascimento de filhos.

Do meu ponto de vista, o problema da natalidade não se resolve por decreto-lei. Trata-se antes de um problema social com raízes mais profundas, relacionadas com uma sociedade emersa na cultura do efémero, hedonista e desvinculada da família como instituição social que garante a coesão social e a renovação da sociedade. Seja como for, o Estado deve ter dois papéis importantes: ser um «facilitador», e não um obstáculo para todos aqueles que querem ter filhos, e ser um defensor da justiça fiscal, criando um sistema fiscal verdadeiramente «amigo da família».

É provável que a natalidade só aumente significativamente daqui a umas décadas, quando as revistas mostrarem nas suas capas que afinal aquele casal sem filhos, outrora feliz, há muito que está separado. Ambos estão envelhecidos, talvez medicados com antidepressivos, e dominados por um enorme sentimento de solidão.





segunda-feira, 28 de julho de 2014

Direito de ter filhos


Inês Teotónio Pereira

Um filho é, antes de mais, uma vida. Uma vida própria. E não se aluga nada para gerar vidas humanas, e muito menos barrigas

Vivemos na era dos direitos. Todos reclamamos direitos, e bem, mas falamos baixinho de deveres ou de obrigações. Temos direito à educação, à saúde, à liberdade, ao bem-estar, à segurança, à vida e até a sermos felizes. A bitola está tão alta que se torna, na maior parte das vezes, inalcançável – mesmo que se paguem todos os impostos. Mas o objectivo está bem definido, e a palavra «direito» muito bem esmifrada. O século XX trouxe-nos esta oferta generosa de direitos pela primeira vez na história da humanidade: nunca houve tantos direitos como hoje. Bem haja o século XX!

Estando todos estes direitos definidos, e muito bem, chegámos agora a uma nova fase de direitos, e bem mais ambiciosa. O princípio é o mesmo: queremos ser felizes e temos direito a tudo o que nos possa trazer felicidade. E chegamos assim aos filhos. Os filhos entraram na categoria dos direitos, como a habitação ou a educação. Os filhos, tal como todos os outros direitos, trazem-nos felicidade e, se queremos, devemos ter o direito de os ter. Custe o que custar e a quem custar, porque não é justo que haja alguém que não possa ser pai ou mãe.

As barrigas de aluguer, o novo tema fracturante que estava de molho à espera de ser debatido, é o próximo da lista e vem responder a este direito. O que se reclama é a possibilidade de se alugar a barriga de alguém que esteja de tal forma frágil e vulnerável que se dispõe a alugar a própria barriga para gerar uma vida alheia. E pronto, temos filho. Um filho que é ao mesmo tempo de três pessoas, mas que será só de duas. Um filho que cresce sabendo que não foi gerado pela mãe que conhece, mas por outra que alugou a barriga para o gerar. Um filho que é resultado da reclamação de um direito dos pais de serem pais. Um filho que é, na verdade, um capricho que se cumpre para alcançar uma ideia de felicidade.

Mas a verdade é que ninguém tem direito de ter filhos. Os filhos não são ordenados ao fim do mês, uma taxa moderadora que temos o direito de não pagar, ou um rim que alguém nos cede para podermos viver. Um filho é, antes de mais, uma vida. Uma vida própria. E não se aluga nada para gerar vidas humanas, muito menos barrigas. O único direito que existe é o direito de os filhos terem pais. Os pais, esses, não têm direitos, mas sim o privilégio de ter filhos. Um privilégio que nos obriga a prescindir de direitos, de egoísmos, que nos faz renunciar ao bem-estar e que nos vincula para sempre ao dever de cuidar e de proteger outra vida.

Quem quer ter um filho a todo o custo, apenas pelo desejo ou pelo direito de ser pai, relativiza os direitos do filho que nasce de uma barriga de aluguer e a felicidade da pessoa que a alugou. Ser pai ou mãe não é uma questão de justiça, mas ignorar tudo isto é uma verdadeira injustiça. Um filho tem direito a ser muito mais do que um capricho e tem direito de crescer e desenvolver-se dentro da sua mãe, e não de outra pessoa que nunca vai conhecer e a quem nunca irá chamar mãe. Quando se tem filhos, percebe-se que a nossa felicidade não depende deles, mas sim da felicidade deles. Alugar uma barriga para ter um filho e, com isso, achar que se comprou a felicidade é meio caminho andado para a infelicidade de muita gente e, em primeiro lugar, do próprio filho. E estes, sim, não pediram mesmo para nascer.