No dia 24 de Julho de 2014 foi formada
a ABESD – Associação de Defesa dos
Clientes Bancários, uma associação que teve a sua génese nos
clientes do BES. Tratar-se-á de uma verdadeira associação ou de uma cobertura
para uns advogados explorarem a oportunidade proporcionada por Ricardo Salgado?
Contudo, a ser uma verdadeira associação, é para ricos, como se deduz do valor
da jóia: nada menos do que mil euros...
De qualquer modo, aqui fica a informação.
A ABESD tem uma página na internet ( http://abesd.org ) e um
email de contacto ( secretariado@abesd.org ).
Segundo um dos fundadores citado pelo Negócios:
«Esta nova associação surge da necessidade e vontade de vários clientes
lesados pela actuação do Banco Espírito Santo em institucionalizar um movimento
de clientes, que surgiu espontaneamente nas últimas semanas, com vista a apurar
as obrigações e direitos nesta problemática do Grupo BES-GES, que também nos
afecta».
Além do sítio na internet estão a divulgar um
email de contacto para poder facilitar a interacção com
os interessados: secretariado@abesd.org.
Pedro Afonso
O Estado deve criar um sistema fiscal verdadeiramente «amigo da família».
É conhecido por todos que Portugal tem um grave problema de natalidade.
Com cerca de 1,2 filhos por casal, o nosso país apresenta uma das mais baixas
taxas de natalidade do mundo, colocando problemas de sustentabilidade a vários
níveis na sociedade. O PSD, que já deveria ter consciência desta realidade há
mais tempo, decidiu finalmente nomear uma comissão para estudar o assunto e que
propôs recentemente um conjunto de medidas legislativas de modo a incentivar o
aumento da natalidade.
Já se adivinhavam quais seriam algumas dessas medidas propostas:
maior justiça fiscal face ao número de filhos, alargar o acesso a creches e
aumentar as actividades de tempos livres (ATL), flexibilizar os
horários laborais para os pais, etc. Apesar do sinal positivo de
algumas destas propostas, a pergunta que se coloca é a seguinte: Será que é
possível aumentar a natalidade por decreto-lei?
Como psiquiatra, profissionalmente contacto diariamente com dezenas de
pessoas de diversas idades e em fases diferentes do ciclo da vida. Quando
pergunto a um jovem que tem uma relação amorosa estável se está a pensar casar,
a resposta que ouço como mais frequência é: «para quê?» Depois, se questiono se
existem planos para terem filhos, muitas vezes o rosto desse jovem
transfigura-se, adoptando uma expressão de perplexidade e de
indignação, face ao despropósito daquela pergunta. A resposta habitual é um «não»
peremptório.
Se for feito um inquérito aos casais jovens sobre quais os motivos que
os levam a ter poucos filhos, a principal razão evocada será invariavelmente a
falta de dinheiro. Mas como é que se explica que há vários anos (já com
abundantes opções contraceptivas disponíveis), o rendimento per
capita dos portugueses era mais baixo e ainda assim os casais tinham mais
filhos? O problema da baixa natalidade não é totalmente explicado pela falta de
condições económicas, mas acima de tudo pela mudança das prioridades nas opções
de vida das pessoas; ou seja, por uma profunda mudança de atitudes e valores.
Há algumas semanas, a revista Sábado fez capa com o título: Há cada vez
mais casais «felizes» que têm mais dinheiro e tempo para tudo... Não têm
crianças por opção e são cada vez mais em Portugal». O título era
reforçado pela imagem de dois jovens fisicamente atraentes, deitados na
relva e com sorrisos abertos. Este é um excelente resumo do modelo de
sociedade que foi sendo criado nos últimos anos entre nós; este é um modelo actual de
felicidade no qual os filhos não fazem parte.
Vivemos numa sociedade de consumo, materialista, individualista, que não
compreende a renúncia e que tem alguma aversão ao compromisso, pois considera-o
incompatível com a liberdade. Sabemos que ter filhos é, na verdade, um
compromisso que obriga a muitas renúncias e sacrifícios que se vão tornando
cada vez mais difíceis na actual sociedade de hiperconsumo. Perante
estas prioridades, facilmente se compreende que seja difícil, senão mesmo
impossível, conciliá-las com o nascimento de filhos.
Do meu ponto de vista, o problema da natalidade não se resolve por
decreto-lei. Trata-se antes de um problema social com raízes mais profundas,
relacionadas com uma sociedade emersa na cultura do efémero, hedonista e
desvinculada da família como instituição social que garante a coesão social e a
renovação da sociedade. Seja como for, o Estado deve ter dois papéis
importantes: ser um «facilitador», e não um obstáculo para todos aqueles que
querem ter filhos, e ser um defensor da justiça fiscal, criando um sistema
fiscal verdadeiramente «amigo da família».
É provável que a natalidade só aumente significativamente daqui a umas
décadas, quando as revistas mostrarem nas suas capas que afinal aquele casal
sem filhos, outrora feliz, há muito que está separado. Ambos estão
envelhecidos, talvez medicados com antidepressivos, e dominados por um enorme
sentimento de solidão.
Inês Teotónio Pereira
Um filho é, antes de mais, uma vida. Uma vida própria. E não se aluga
nada para gerar vidas humanas, e muito menos barrigas
Vivemos na era dos direitos. Todos reclamamos direitos, e bem, mas
falamos baixinho de deveres ou de obrigações. Temos direito à educação, à
saúde, à liberdade, ao bem-estar, à segurança, à vida e até a sermos felizes. A
bitola está tão alta que se torna, na maior parte das vezes, inalcançável –
mesmo que se paguem todos os impostos. Mas o objectivo está bem definido, e a
palavra «direito» muito bem esmifrada. O século XX trouxe-nos esta oferta
generosa de direitos pela primeira vez na história da humanidade: nunca houve
tantos direitos como hoje. Bem haja o século XX!
Estando todos estes direitos definidos, e muito bem, chegámos agora a
uma nova fase de direitos, e bem mais ambiciosa. O princípio é o mesmo:
queremos ser felizes e temos direito a tudo o que nos possa trazer felicidade.
E chegamos assim aos filhos. Os filhos entraram na categoria dos direitos, como
a habitação ou a educação. Os filhos, tal como todos os outros direitos,
trazem-nos felicidade e, se queremos, devemos ter o direito de os ter. Custe o
que custar e a quem custar, porque não é justo que haja alguém que não possa
ser pai ou mãe.
As barrigas de aluguer, o novo tema fracturante que estava de molho à
espera de ser debatido, é o próximo da lista e vem responder a este direito. O
que se reclama é a possibilidade de se alugar a barriga de alguém que esteja de
tal forma frágil e vulnerável que se dispõe a alugar a própria barriga para
gerar uma vida alheia. E pronto, temos filho. Um filho que é ao mesmo tempo de
três pessoas, mas que será só de duas. Um filho que cresce sabendo que não foi
gerado pela mãe que conhece, mas por outra que alugou a barriga para o gerar.
Um filho que é resultado da reclamação de um direito dos pais de serem pais. Um
filho que é, na verdade, um capricho que se cumpre para alcançar uma ideia de
felicidade.
Mas a verdade é que ninguém tem direito de ter filhos. Os filhos não são
ordenados ao fim do mês, uma taxa moderadora que temos o direito de não pagar,
ou um rim que alguém nos cede para podermos viver. Um filho é, antes de mais,
uma vida. Uma vida própria. E não se aluga nada para gerar vidas humanas, muito
menos barrigas. O único direito que existe é o direito de os filhos terem pais.
Os pais, esses, não têm direitos, mas sim o privilégio de ter filhos. Um privilégio
que nos obriga a prescindir de direitos, de egoísmos, que nos faz renunciar ao
bem-estar e que nos vincula para sempre ao dever de cuidar e de proteger outra
vida.
Quem quer ter um filho a todo o custo, apenas pelo desejo ou pelo
direito de ser pai, relativiza os direitos do filho que nasce de uma barriga de
aluguer e a felicidade da pessoa que a alugou. Ser pai ou mãe não é uma questão
de justiça, mas ignorar tudo isto é uma verdadeira injustiça. Um filho tem
direito a ser muito mais do que um capricho e tem direito de crescer e
desenvolver-se dentro da sua mãe, e não de outra pessoa que nunca vai conhecer
e a quem nunca irá chamar mãe. Quando se tem filhos, percebe-se que a nossa
felicidade não depende deles, mas sim da felicidade deles. Alugar uma barriga
para ter um filho e, com isso, achar que se comprou a felicidade é meio caminho
andado para a infelicidade de muita gente e, em primeiro lugar, do próprio
filho. E
estes, sim, não pediram mesmo para nascer.