Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 19 de Junho de 2016
Na sua página do Twitter, a dona Catarina Martins
recomendou um artigo do Público intitulado «Não sou Orlando, sou LGBT». O
artigo, assinado por um «estudante» e «activista» (leia-se um rapaz do BE),
fala em «ataque homo-bi-transfóbico» (caramba!) e termina a convocar as massas
para uma marcha em Lisboa. Ao citá-lo, a dona Catarina Martins repete o cliché
de outros grandes vultos da humanidade, incluindo a excelência que ocupa o
cargo de primeiro-ministro: a matança naquela cidade da Florida reduz-se a um acto
de homofobia, que segundo o dr. Costa «feriu de morte a Liberdade sic».
Apesar de a escrever com maiúscula, o dr. Costa
tipicamente desconhece o significado da palavra. Liberdade é justamente
permitir a existência de opiniões ou sentimentos distintos dos nossos, por
patetas ou grotescos que os consideremos. A homofobia, enquanto pavor da
homossexualidade ou ódio a homossexuais, é uma opinião ou um sentimento,
matérias que só um espírito muito pouco livre pode achar criminosas. Numa
sociedade decente, um indivíduo deve gozar do pleno direito de abominar gays,
ciganos, brancos, banqueiros, esquimós, loiras, drogados, anões, políticos ou
benfiquistas. Não pode é pôr as suas «convicções» (digamos) em prática a ponto
de prejudicar alguém. Isso é que constitui um crime. O resto é, se assim o
entendermos, mera estupidez.
E estúpido também é acreditar nas aflições de tantas
almas perante os «ataques homo-bi-transfóbicos». Sobretudo quando essas almas
defendem em simultâneo o exacto tipo de cultura que, em vez de ridicularizar a
homofobia, incentiva-a. E que, em vez de punir as atrocidades cometidas a
pretexto, legitima-as. Toda a versão «mediática» da discoteca Pulse ignora o
elefante no meio da sala – e que partiu a louça por culpa de Newton e da
gravidade.
A fim de evitar a demência terminal, convém reparar no
elefante: Omar Mateen, o assassino, era muçulmano e afirmou agir em nome do
islão. Os países subjugados ao islão condenam e perseguem legalmente os
homossexuais. Os Estados Unidos, por exemplo, condenam e perseguem legalmente
as criaturas que agridem homossexuais. Não me lembro de nenhuma ocasião em que,
no «confronto de civilizações» ou no que lhe quiserem chamar, a maioria dos
nossos alegados inimigos da discriminação estivesse do lado que costuma
proteger as respectivas vítimas.
Será cisma minha, mas desconfio um bocadinho do
«activista» que, mal termina a marcha contra a homofobia, corre a marchar pela
Palestina (embora, concedo, sejam raríssimos os tiroteios nos clubes gay de
Gaza). Para não fugir demasiado do imaginário, é uma figura tão credível quanto
um entusiasta da Noite de Cristal que se afirmasse amigo dos judeus. Usar quem
morre para alimentar uma «causa» sem nunca valorizar a causa confessa de quem
mata é, no mínimo, um acto de oportunismo velhaco. No máximo, é patrocinar a
chacina. Evidentemente, essa gente não é Orlando nem LGBT: é, como sempre foi,
pela força que representar a maior ameaça ao Ocidente.
E, conforme se constata pelos alvos quotidianos dos
terroristas islâmicos, organizados ou «espontâneos», o Ocidente não se esgota
nos perversos sodomitas. Temos igualmente galdérias que exibem a pele na via
pública, hereges que assistem a concertos de rock, tarados que aguardam aviões
em aeroportos, infiéis que frequentam restaurantes, blasfemos que caminham pela
rua, todos a pedir para que um mártir os rebente. As fobias, ao que se vê, são
inúmeras, e se ousamos atribuir-lhes um padrão comum ganhamos mais uma:
islamofóbicos.