Inês Teotónio Pereira, ionline, 31 de Outubro de 2015
Não tinha eu começado a jantar e já a minha página de Facebook, redes sociais e sites sinalizavam pessoas a cuspirem ódio, insultos e javardices.
«Nogenta» (o gê não é gralha), «fascista», «imbecil», «vómito», «cabra», «anormal», «gaja que devia estar na cozinha», «vê lá onde andas com os teus filhos...», «alguém devia tirar os filhos a esta gaja», «esta devia ser esmurrada no meio da rua», «dePUTAda», etc. E assim vai a extrema-esquerda.
Mas comecemos pelo princípio. Fui à Voz do Operário ao lançamento da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa e quando cheguei a casa resolvi escrever a seguinte piadinha na minha página de Facebook: «Só o Prof. Marcelo para me levar a um sítio com operário no nome». Ou seja, e passo a explicar a piadinha, operário é um termo usado e abusado pela esquerda radical autoproclamada dona e defensora da classe operária.
Ora, sendo o prof. Marcelo de direita (digo eu), foi engraçado ter escolhido esta prestigiada instituição – com «operário» no nome – para lançar a candidatura. Fazendo uma interpretação alargada da minha ida, também é engraçado, sendo eu de direita, ter ido a um sítio com «operário» no nome – ligado à esquerda, portanto. Uma piadinha inocente – pois não ataco nem desprezo ninguém; no máximo sem graça, confesso – por ser inteligível a muitos, nomeadamente aos autoproclamados defensores da classe operária.
Ora, não tinha eu começado a jantar e já a minha página de Facebook, redes sociais e sites sinalizavam pessoas a cuspirem ódio, insultos e javardices. Até deputados da nação da extrema-esquerda, como Miguel Tiago, do PCP, alinharam e alimentaram no Facebook o massacre a um direito constitucional que me assiste, que é o do bom nome. Alguns atreveram-se até a publicar fotografias dos meus filhos e a divagar sobre a minha família.
A javardice e a ordinarice chegou a tal ponto que até o representante da nação resolveu exercer autocensura e eliminar a javardice que provocou na sua própria página. Em nome da democracia, da decência? Tenho dúvidas.
Vai daí, dediquei várias horas do meu sábado a bloquear pessoas no Facebook, a denunciar insultos na internet e fiquei, confesso, sem vontade de voltar a escrever. «Tu vê lá... Tens filhos e esta gente é maluca,» avisaram-me amigos. «Não podes sujeitar os teus filhos a lerem coisas destas sobre a mãe, tens de ter cuidado.» A intimidação resultou. Retirei a piadinha do Facebook, bloqueei maníacos e fiquei na dúvida se voltaria a escrever mais uma linha onde quer que fosse.
Portugal é um país de brandos costumes, dizem. Mas não é.
No meu
caso, a coisa agrava-se e é flagrante. E não é pela minha influência (duvido
que a tenha); o meu problema é fútil, tem a ver com um cliché que a
extrema-esquerda odeia. E a ela basta-lhe o cliché. Ou seja, esta gente
tolerava-me se eu fosse de direita mas ateia; permitiam a minha existência se
eu renunciasse ao apelido do meu paizinho ou do meu marido; não me insultavam
tanto se eu fosse, apesar de tudo, a favor da adopção por casais homossexuais,
por exemplo. Mas não sou, desculpem. É tudo mau, portanto: católica, de
direita, «parideira fascista» (outro mimo pelo número de filhos que tenho) e,
ainda por cima, não renuncio a apelidos. Ou seja, o ódio que desperto tem
fundamento na estupidez.
Tudo
isto é grave porque revela que a liberdade de expressão e de opinião não é, e
cada vez é menos, uma evidência: a sua tolerância depende do titular e o seu
exercício é limitado pela intimidação. É apenas um direito condicionado à
coragem de o exercer. No meu caso, os meus filhos são o meu principal
argumento: é exercendo a minha liberdade que lhes ensino o seu real sentido.
Com mais ou menos coragem, com mais ou menos insultos.