sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
«Quem quer salvar a minha vida?»
Leucemia:
Menino de seis anos procura dador
de medula óssea compatível
Afonso, de seis anos, sonha em voltar a marcar golos pelo Benfica, mas dador que o pode salvar teima em não aparecer.
O Afonso tem seis anos. É uma criança bonita, forte, inteligente e está à procura de um dador de medula óssea compatível que o possa salvar. Tem um tipo de leucemia raro. Com a violência da quimioterapia está a ficar com os níveis de defesa a zero, mas continua a sonhar que vai voltar a marcar golos pelo Benfica, agarrado à vida com todas as suas forças. O apelo soa como um grito de esperança: 'Quem quer salvar a minha vida?'
O Afonso era um craque a jogar futebol. Destacava-se pela garra, por nunca desistir. Era um dos melhores jogadores do Benfica de Macau, marcava golos memoráveis, era o orgulho da família. No Verão passado foi treinar às escolinhas no Benfica de Lisboa e foi imediatamente convidado a ficar.
Vivo e inteligente, o Afonso possui um lado artístico, uma apetência para a representação, uma imaginação ilimitada. Vive num mundo fantasioso no qual invariavelmente representa uma personagem invencível. O Afonso começou a dizer que tinha dores nas costas, deixou de querer ir ao futebol. No início acharam que estava a imitar o pai, o piloto de automóveis André Couto – vencedor do Grande Prémio de Macau de F3 em 2000 – que devido aos múltiplos acidentes se queixa do mesmo problema. Como o André é o ídolo do Afonso, a família desvalorizou as queixas. Até que chegou a febre. Como já eram queixas a mais levaram-no ao hospital, em Banguecoque, na Tailândia, onde lhe diagnosticaram uma infecção na coluna e um tumor incomum. Os pais levaram o Afonso para Macau e no dia seguinte foram para um dos melhores hospitais de Hong Kong.
O médico descansou--os, sugeriu que a criança ficasse internada a fazer antibiótico intravenoso, que não havia nada de grave. A mãe do Afonso, Graça Saraiva, sobrinha do historiador José Hermano Saraiva, teve medo que o diagnóstico não estivesse correcto e decidiu viajar para Portugal. No dia em que chegaram foi-lhe apresentado o pior dos cenários: o Afonso tinha leucemia. Graça Saraiva diz que nunca mais se esquecerá desse dia em que chorou copiosamente. No mesmo dia, André Couto, que estava de partida de Macau para o Japão para fazer testes, recebe a notícia. Chorou. A família tentou confortá-lo, dando--lhe exemplos de crianças que tinham passado por situações semelhantes e que tinham conseguido ultrapassar o problema, como a Patrícia Rosário, que teve um linfoma aos quatro anos e que mora no mesmo prédio. Se a Patrícia conseguiu o Afonso também vai conseguir, disseram-lhe.
O Afonso é uma criança muito forte. Nunca chora, nem mesmo quando leva as injecções. Quando vê alguma criança a chorar diz: 'Olha que grande maricas'. Vira as costas e segue de cabeça levantada. Os seus níveis de defesa estão a ficar a zero. Mas ele, na pura inocência dos seus seis anos, continua a afirmar: 'Nós somos da família dos invencíveis'.
SAIBA MAIS SOBRE MEDULA ÓSSEA
Popularmente conhecido como ‘tutano’, é um tecido gorduroso que se encontra na parte interna dos ossos. Contém as células-mãe que dão origem aos globos vermelhos que transportam o oxigénio até às células, às plaquetas responsáveis pela coagulação do sangue e aos glóbulos brancos que geram a defesa do organismo.
35% são, com base nas leis da genética, as probabilidades de um indivíduo encontrar um dador ideal entre irmãos (mesmo pai e mesma mãe). A compatibilidade é determinada pelos genes existentes no cromossoma 6.
1995
Foi o ano da criação do Registo Nacional de Dadores Voluntários de Medula Óssea com o objectivo de responder a doentes que necessitam de um transplante e não têm dador familiar compatível.
TRANSPLANTE
O tratamento com transplante consiste na substituição da medula doente ou deficitária por células normais de medula óssea com o objectivo de reconstituir uma nova medula capaz de produzir em quantidade e qualidade os elementos do sangue.
'DAR UM POUCO DE VIDA A QUEM PRECISA'
'O Afonso é um caso. É o caso do meu sobrinho, o caso que me sensibilizou para esta questão. Mas é por todos os Afonsos deste Mundo que todas as pessoas que se sentem saudáveis se devem dirigir a um centro de doação e dar um bocadinho de vida a quem precisa', apela Margarida Saraiva que, desde que foi diagnosticada a doença do sobrinho, não faz mais nada a não ser angariar dadores de medula óssea.
Responde a mais de cem pessoas por dia para esclarecer sobre o processo de doação, está a contribuir para um site em várias línguas com a referência mundial dos locais onde se pode doar (www.salvaroafonso.com): 'A ansiedade que isto gera tem a ver com a urgência do transplante do Afonso, do facto de ser a única esperança da sua vida. Custa-me dormir, não consigo pensar em mais nada. É por isso que pergunto a todas as pessoas que têm dúvidas em ser ou não dadores: e se fosse o teu filho, o teu pai ou a tua mãe?' A sensação de Margarida é de injustiça: 'O meu sobrinho é tão pequenino. Porque tem de passar por uma dor tão grande? Às vezes preferia ser eu'. Mas o que mais choca a tia de Afonso é a indiferença das pessoas. 'Chega a ser ofensivo. Falo com muita gente que não está minimamente sensibilizada para a situação, que tratam com displicência e indiferença', desabafa Margarida, lembrando que são vidas que estão em causa.
ONDA DE SOLIDARIEDADE CONSEGUE
1337 NOVOS DADORES NUM SÓ DIA
Um dador é sempre um dador universal. Vai para um banco internacional e no caso de compatibilidade será chamado pelo centro onde foi efectuado o registo, cabendo a última decisão ao doador. Normalmente encontram-se dadores nos EUA e na Alemanha, mas até agora nada aconteceu. No registo nacional de cordões umbilicais e no registo nacional de dadores adultos não houve ninguém compatível com o Afonso. Enquanto se procede à pesquisa a nível internacional, por cá desenvolvem-se cada vez mais acções de recolha. Em Espinho, uma das tias do Afonso organizou uma acção que num só dia teve 1337 novos dadores. Em Faro, registaram-se mais 370 e no Estádio da Luz 200.
RECOLHA JÁ NÃO IMPLICA ANESTESIA
Muitas pessoas têm medo de ser dadores de medula óssea porque pensam que o processo é doloroso. Contudo, para se fazer o registo inicial bastam 5 mililitros de sangue. Já a colheita da medula – que antigamente se fazia por punção do osso da bacia, com anestesia geral – faz-se por via intravenosa: é introduzido um cateter num braço, o sangue passa por uma máquina que retira as células necessárias para o transplante e o resto do sangue volta a entrar num novo cateter no outro braço.
OUTROS CASOS
Marta Ramos, 5 anos
Marta realizou um transplante de medula óssea a 23 de Setembro de 2009. Está a evoluir bem, continuando a ir ao IPO de Lisboa para receber medicação.
Carmen Pinheiro, 4 anos
Carmen encontrou um dador nos EUA no início de Fevereiro deste ano. Resta esperar que o estado de saúde da menina, de 4 anos, reuna as condições para o transplante.
Teresa Brissos, 18 anos
Teresa Brissos, a jovem de Beja, que luta contra uma leucemia aguda desde 2008 continua em tratamento. Quando está em casa tem aulas por videoconferência.
Matias, 6 anos
Em Abril do ano passado, os médicos diagnosticaram uma leucemia linfoblástica aguda ao Matias. Desde então realizam-se várias recolhas de medula para encontrar um dador.
DISCURSO DIRECTO
'QUEREMOS CHEGAR AOS 200 MIL DADORES', Helder Trindade, Director do Centro de Histocompatibilidade
Correio da Manhã – Em 2009 quantos portugueses se inscreveram como dadores de medula óssea?
Helder Trindade – Há um total de 182 445 dadores na nossa base de dados, o que representa um acréscimo de 28 % face aos 142 691 registados até Dezembro de 2008.A maioria (88 249) é do Sul.
– Qual a dimensão a nível mundiais da nossa base de dados?
– O nosso país terá a quarta maior base do Mundo, tendo em conta o número de dadores por cada milhão de habitantes, entre Estados com um população superior a 5 milhões. Na União Europeia, está à nossa frente a Alemanha. No resto do Mundo estão os EUA e Israel.
– Quantos dadores portugueses efectuaram doações para o estrangeiro em 2009?
– Realizaram-se em Portugal 55 colheitas, 37 das quais foram para o estrangeiro.
– Quais os maiores desafios para o centro de Histocompatibilidade este ano?
– Penso que iremos atingir as 200 mil pessoas registadas na nossa base de dados, o que representa mais oportunidades para os que sofrem de leucemia.
(Texto de José Manuel Simões, em Macau e João Saramago, no Correio da Manhã)
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
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