Joel Costa, autor do programa «Questões de Moral», da Antena 2 da rádio, resolveu ler as normas provenientes do Ministério da Educação que legitimam a Educação sexual como objecto de educação escolar, desde o primeiro ano do Ensino Básico. O resultado dessa análise acutilante, que, como é estilo do radialista, se revereste de um humor fino, pode ser ouvido aqui ou lido a seguir. O texto, que tomámos a liberdade de transcrever, será longo, mas a sua essência valerá o esforço do leitor.
O sexo, enfim, deixou de ser aquilo que todos nós até ao início do presente ano lectivo pensávamos que fosse um facto privado, uma questão pessoal. Não, passaria, passará… não sei… a ser um problema de saúde pública. Um problema de saúde pública tratado nas escolas normais, em aulas de educação sexual presumivelmente dadas por especialistas na matéria. Eis, portanto, o bom Portugal, sempre na vanguarda do progresso, inclusive na educação como, de resto, todos sabemos. Estamos tão avançados nossos níveis educacionais que a juntar cargas horárias dos alunos tinha de vir outra disciplina essencial para o crescimento do estado para a dívida para a competitividade externa e externa.
Com a educação sexual a estes níveis, governamentalizada, há agora sim, as exportações vão crescer, e sem dúvida que o futuro do sexo português está garantido, será até produto de exportação, agora por falar disso, de exportação para os mercados nórdicos, sei lá… esses coitados que não percebe nada disso, o que dá a medida da larga visão estratégica do governo.
Muitos pais recusavam a assistência dos filhos às aulas de educação sexual e, a meu ver, bem, não percebem o que terá o estado a ver com a sexualidade dos filhos. Mas se os pais não quisessem os filhos nas aulas de Educação sexual teriam de bem fundamentar a recusa e o problema seria saber que fundamentações seriam consideradas pelos burocratas: “Não quero, porque não”, seria razão atendível pelas autoridades sexuais?
Como digo, houve pais que recusaram para os filhos o ensino sexual dado pelo estado nas escolas. Houve até uma plataforma de resistência nacional para isso, foi obra. E o problema para justificar as faltas a educação sexual é que a matéria poderia vir a ser dada não numa disciplina específica, mas de modo transversal, incluída em várias disciplinas.
Não sei como estão as coisas, claro, não sou um entendido, nem um expert nem nada, nem sequer um interessado, não sei como está a ser feito, mas estou a imaginar uma professora de Matemática, uma daquelas antipáticas, como eram no meu tempo, a ensinar sexo aos alunos, ou mesmo uma simpática professora de português a incluir no léxico expressões relacionadas com o sexo (…) e até se pode recorrer ao latim.
E professores houve que se propuseram ensinar sexo, ou sexualidades, aos próprios pais, o zelo legislativo de gabinete e a ânsia governamental de normalização burocrática e de correcção política pode ter destas… sei lá… aberrações e chegar a extremos ridículos.
As dúvidas dos pais quanto à propriedade destas aulas eram perfilhadas por alguns professores. O assunto apresentava logo à partida dificuldades e espinhosas ambiguidades, a abordagem para começar. Mas alguém resolvera tranquilamente a questão… não, não, não, não se vai ensinar sexo não se falará do acto sexual, vai-se educar sexualmente, que uma coisa muito diferente e que deve dispensar muito bem qualquer referência ao acto sexual.
A educação sexual seria não dirigida para o sexo em si, mas para os afectos. Podiam ter-lhe dado outro nome, mas fiquei a saber que, por directiva ministerial, os afectos do meu filho não serão livres e espontâneos terão de ser educados pelo estado, orientados pelo estado, a espontaneidade afectiva com quem os alunos sentirem afinidades, não será, pelos vistos, recomendável, nem politicamente correcta sem exame prévio, pode até ser obrigatório um certificado oficial.
Os professores, alguns, admitiam aulas sobre o aparelho reprodutor, que não é sexo, evidentemente, é biologia, é medicina, é enfermagem, ciências da natureza (…). Sexo julgava eu que era outra coisa, julgo…, mas também como nunca tive aulas saber a matéria e nunca ninguém me ensinou sexualidade admito que não percebo muito do assunto.
Um "profe" perguntava como iriam os profes ocupar as muitas horas (…), com trabalhos práticos? E eu pergunto o que são trabalhos práticos em sexo. O "profe" em questão também aventava a possibilidade dos trabalhos de grupo, seria sexo em grupo? Lá sofisticado era, se fosse… e avançado. O "profe" citado, certamente por escorreito exercício de humor, perguntava se nas muitas horas de aulas… cabiam os trabalhos manuais. Bem, quanto a trabalhos manuais em educação sexual, naquelas idades, digo eu, que não tenho dúvidas nenhumas, que os alunos se mostrarão estudiosos e diligentes. E como somos um país tecnologicamente em dia, avança ainda aquele profe com a possibilidade de utilização de meios audiovisuais que explicassem visualmente como se praticavam os diferentes tipos de sexo, que ele discrimina, incluindo sexo sado-masoquista (…). Uma grande pouca vergonha, digo eu… maliciosamente.
Outro "profe" infere da obrigatoriedade da educação sexual a matriz ideológica que se contém na sexualidade. Por mim, não percebo lá muito bem porque é que um "profe" fascista não há-de perceber mais de sexo do que um comunista ou vice-versa, ou porque não um professor liberal mais sexualmente expressivo e didáctico do que ou professor socialista, ou vice-versa, claro está.
Ou essa ideologia a que o profe se referia seria ideologia sexual? O que será ideologia sexual? Sei lá, não sei. Mas palpito, que como na politica seja uns inclinarem-se mais para a esquerda, outros inclinarem-se mais para a direita, uns a inclinarem-se mais umas práticas e outros mais para outras (…).
Também não sabia, mas lendo umas coisas na internet fiquei a saber que somos o país com maior taxa de infectados (…) por doenças sexualmente transmissíveis e que continuamos a ter uma taxa altíssima de mães adolescentes e daqui pode decorrer forçadamente, admito, que os nossos jovens não percebem nada de sexo, que os adolescentes não fazem ideia do que seja educação sexual.
Bem, pelo que precisamente se invoca, eles percebem até muito, e se não sabem a teoria, sabem a prática e os resultados estão à vista, tristemente, mas estão: as infecções, as mães adolescentes. Isto significa que as adolescentes mães e os adolescentes pais não sabem o que estão a fazer? (…). Sexo mal gerido, sexo mal dirigido, dir-me-ão. Então, quando um jovem e uma jovem estão juntos, livres, cheios de amor, exaustos de carícias e beijos e com uma cama por perto, na melhor das hipóteses, para onde haverão eles de dirigir os respectivos ímpetos (…) como saberão gerir melhor a tensão que têm no corpo e, atenção, no espírito?
Leio e aprendo coisas assombrosas sobre este tema da educação sexual, a auto-estima que nestas idades é fundamental para os alunos se iniciarem no sexo. E eu sem querer “bancar” o subversivo, peço imensa desculpa de me rir destas coisas e poder ofender quem leva isto a sério, e não como iniciativa de governo para ficar bem na fotografia da modernidade, para efeitos, obviamente, eleitorais. Auto-estima, é claro que ela é precisa seja para o que for e não vejo que seja especialmente necessária para se iniciar no sexo. Mas o que é trazido a terreiro por este professor que leio, é que a auto-estima permite um sexo por opção própria e não influenciado por parceiros (…). Mas desde quando é que o impulso sexual não foi induzido também pelo parceiro?E desde quando, ainda que induzido pelo parceiro, o ser-se desejado para fazer sexo com o parceiro indutor não é um elemento a favorecer a auto-estima, desde quando, por essa causa, o sexo não foi uma opção própria?
Mas o governo não poupou alunos, professores e pais às suas burocráticas directivas orientadoras, até em matéria sexual. E aqui está um caso em que sou um empedernido liberal, porque aprova o estado social e desaprovo de todo o estado sexual, ou o sexo estatalmente instituído.
Só me perguntei na altura como se iriam ver os jovens de hoje na realidade adulta do sexo de amanhã depois de terem beneficiado das orientações do governo na matéria. Teremos no futuro também uma burocratização da vida sexual?
Os pais temiam os catecismos, os moralismos, logo a hipocrisia, os tabus, as abstinências, os recalcamentos, e pronto, as consequentes taras. Sexo, pergunta-se, educação sexual, ou auto-didactismo tradicional? Os serviços do Ministério da Educação tinham certezas absolutas: era preciso esclarecer tudo sobre a educação sexual, a vida sexual e coisas assim. Os serviços do Ministério andavam apreensivos com os fantasmas, queriam uma juventude a viver a sua sexualidade e os seus afectos de modo lúcido, explicável, saudável, incluindo aqueles afectos que se inclinam para pessoas do mesmo sexo. Ora, sobre isto alguns profes, ainda que favoráveis à educação sexual, achavam que as políticas governamentais haviam sido, nesta matéria, influenciadas por lobbies… não me custa nada a crer.
Educação sexual, pensando no caso: fazer sexo deve ser o cúmulo da má educação, é má educação até aludir a ele em sociedade: sexo não pode ser feito em público, pois não, à vista de toda a gente, pois não; é uma prática que não admite transparências, onde tudo pode ser proibido ou permitido, é coisa que se faz às escondidas de todos, em privado (…) ou então pode ser feito onde calhar, arriscando-se sanções, maus olhados, má fama… Neste mundo do politicamente correcto, do socialmente correcto, o sexo deve ser a maior das incorrecções, sim, porque como digo, só se faz às escondidas. E, então, como ensinar a correcção e a educação do sexo se a própria prática dele é uma incorrecção, uma pequena violência confortável, o sexo é uma indecência, ou pelo menos assim a sociedade o julgou. O sexo é interdito nos cinemas, quer na plateia, quer nos intervalos, quer no ecrã é quando é permito no ecrã, os filmes (identificados, são para adultos) e taxados pelo estado. Educando o sexo, vai educar o que ele mesmo proíbe, ou que simplesmente condena como imoral (…).
Mas, pelos vistos os governos entendem que há uma correcção para o cúmulo da incorrecção que é o sexo; que há uma educação para o cúmulo da má educação que é o sexo, ao ponto de o quererem ensinar e educar nas escolas. Não, não será o sexo que se pretende ensinar e educar nas escolas: é educação sexual, educação… mas para quê, se eu não posso mostrar à sociedade os refinamentos da minha educação sexual? (…) Sempre ouvi dizer, embora como eufemismo, que praticar o sexo é fazer amor, mas então como se pode administrar boa educação sexual se não se explicar muito bem, por miúdos, aos alunos, em que consiste realmente o amor e os respectivos nobres sentimentos?
Mas ninguém soube explicar como deve ser o amor, não sei se o governo ou o ministério têm algumas directivas sobre o assunto, sobre o sentimento amoroso. Só me admira que não tenham, que não legislem sobre o amor. É grave lacuna na fachada do furor legislativo nacional, porque haveria alguma correcção a ensinar respeitante ao amor, ao amar correctamente, educadamente… caso de saúde pública, quanto mais não seja porque muitas tragédias pessoais já aconteceram por causa do amor.
Sexo: causa ou consequência (…) do amor? Mas se ao dar educação sexual ao povo adolescente, o ministério não ensinar o que é verdadeiramente o amor, do qual o sexo, de uma maneira geral, correcta, educada deve ser a consequência, se o ministério não ensinar o que é amor e como se vive educadamente um grande amor irão ensinar bem a consequência disso ou seja, fazer bom sexo? Então vai ensinar o quê?
O ministério através dos seus doutos professores, seguramente especializados em matéria sexual, vai ensinar os jovens a pôr um preservativo, bom senhores, isso não é educação sexual isso serão primeiros socorros, quando o jovem tiver de se desembaraçar numa emergência (…). Ensinar a jovem a tomar a pílula, educação sexual, não me parece, será farmacologia, educação cívica, higiene, ou outra coisa parecida.
Mas depois, em vez de amor e de magníficos sentimentos a serem complementados com o sexo, vem a burocracia ministerial e lê-se no normativo sobre a (…) educação sexual, a impor umas quantas coisas (…): “o aumento e a consolidação de conhecimentos sobre”, por exemplo, “as dimensões anatomo-fisiologicas”… não esperava indecências destas numa norma governamental (…). “É preciso aumentar e consolidar conhecimentos acerca de regras de higiene corporal”, tem a ver com sexo e tem a ver com a condução de camiões TIR, sei lá… tem ver com tudo. “Da diversidade dos comportamentos sexuais ao longo da vida” (…), pois é: é o “ao longo da vida” que dá cabo de nós, aí é que está, e nos ensina melhor… acerca dos mecanismos de reprodução.
Acerca do planeamento familiar, dos métodos contraceptivos, das infecções, sua prevenção e tratamento. Acho que hoje já ninguém ignora com quem é arriscado fazer sexo, e não será caso para dar uma aula… bom… aumentar e consolidar conhecimentos, também acerca das ideias e dos valores com que as diferentes sociedades encaram a sexualidade (…). “Aumentar e consolidar conhecimentos sobre os vários tipos de abuso sexual e das estratégias do agressor” uff!... Abuso e estratégias do agressor, enfim… educação sexual num país e numa sociedade em que nos últimos anos, como o caso Casa Pia acabava de tomar conhecimento de uma infinidade sórdida de pormenores acerca de pedofilia e de agressões e em que os alegados acusados e já condenados era tudo gente bem-educada e culta ou, pelos vistos, mal-educada sexualmente (…). Valha-me Deus!
As normas ministeriais impõem ainda o desenvolvimento de competência para uma data de coisas, eu sei lá: “expressar sentimentos e opiniões” (…). É verdade, há muita gente incompetente a expressar sentimentos e opiniões e também há os demasiado competentes quando expressam, e bem, sentimentos falsos, para tomar decisões e aceitar decisões dos outros, ora uma lição de democracia, em suma, não de sexualidade, mas está bem, passo… Não me apetece ler mais normas governativas, parecem-me mais burocracias jurídico-institucional do que regra para lidar com assuntos humanos complexos.
Porque depois será preciso competência para reconhecer situações de abuso sexual. Ensinar a reconhecer rapazes e raparigas (…) o que é um abuso sexual!? Estas normas puseram-me a alma num inferno, ao fazerem dos alunos perfeitos atrasados mentais a quem têm de ser ensinadas matérias com que eles contactam todos os dias, ou pessoalmente ou por meio dos média.
Houve professores a pensar que no campo da educação sexual deve ser deixado espaço aos pais, os pais deveriam falar com os filhos… sim… em princípio acharia mais natural que assim fosse, mas depois somos esmagados pelo argumento da indisponibilidade de tempo dos pais e pelo eventual talento, dos pais o ensino de matéria tão delicada e tão mal-educada, mas mesmos que os pais tivessem tempo e talento coloquemo-nos, por um momento, no lugar deles (…). A preparação sexual dos pais seria aquela de toda a gente: a que a vida lhe dera (…). “Mas eu sei lá o que hei-de dizer ao rapaz? E, tu sabes o que vais dizer à miúda? Vês? A mim nem pai, nem mãe, nem avô, nem avó, nem tio, nem tia me explicou coisas que eram consideradas poucas-vergonhas e que não eram para falar diante dos gaiatos, não é?”. “Mas, os tempos são outros, diria a mãe”. “Pois, mas é com essa que me entalas (…) se tudo isso estivesse informatizado…”
(HELENA DAMIÃO)