Aceitar as reivindicações da ideologia transgénero requer fechar os
olhos à nossa consciência e escarnecer da «lei escrita no coração» que os nossos corpos testemunham. |
Andrew Walker & Denny Burk, Midiasemmascara,12 de Janeiro de 2017
O objectivo deste ensaio não é abordar todas as facetas do género que Henig explora. Em vez disso, o nosso objectivo é resolver alguns dos erros mais flagrantes no artigo. Muitas das críticas abaixo aplicam-se não apenas ao artigo de Henig, mas também aos problemas filosóficos mais amplos inerentes ao movimento transgénero.
Identidade de Género, Confusão de Categorias
e Inconsistência Moral
Primeiro (e mais problemático): Henig não oferece nenhum argumento substantivo para explicar porque a auto-percepção interna da sua «identidade de género» deve determinar o seu sexo ou ter autoridade maior do que o seu sexo biológico. O ensaio oferece testemunhos de pessoas que dizem que a sua identidade de género está em desacordo com o seu sexo biológico. Mas o testemunho não é suficiente. A afirmação de uma reivindicação não demonstra a autenticidade dessa reivindicação. Os leitores não recebem nenhuma explicação de porque devemos considerar as reivindicações de uma identidade de género como realidade, em vez de ser apenas um sentimento subjectivo ou auto-percepção.
Na verdade, este é o cerne da questão que assola o movimento transgénero. Baseia-se não na evidência, mas na ideologia do individualismo expressivo – a ideia de que a identidade é autodeterminada, que se deve viver essa identidade e que todos devem respeitar e afirmar esta identidade, não importa o que ela seja. O individualismo expressivo não requer nenhum argumento moral ou justificação empírica para as suas reivindicações, não importa quão absurdas ou controvertidas possam ser. O transgenerismo não é uma descoberta científica, mas um compromisso ideológico prévio sobre a flexibilidade do género.
Em segundo lugar, Henig comete uma falácia ao ligar as condições intersexuais ao transgénero. Estas são categorias muito diferentes. «Intersexo» é um termo que descreve uma série de condições que afectam o desenvolvimento do sistema reprodutor humano. Estes «distúrbios do desenvolvimento sexual» resultam em anatomia reprodutiva atípica. Algumas pessoas intersexuais nascem com «genitália ambígua», que tornam a determinação do sexo ao nascer muito difícil.
É precisamente neste ponto que a intersexualidade é muito diferente do transgenerismo. Aqueles que se identificam como transgéneros não estão a lidar com ambiguidade sobre o seu sexo biológico.Transgenerismo refere-se à variedade de formas que algumas pessoas sentem que a sua identidade de género está fora da sincronia com o seu sexo biológico. Assim, identidades transgénero são construídas sobre a suposição de que o sexo biológico é conhecido e claro, o que não é o caso da intersexualidade.
Intersexualidade e transgenerismo são maçãs e laranjas, mas não saberia isso lendo o artigo de Henig. Aqueles que estão a forçar a revolução de género têm um interesse em confundir as categorias. Acreditam que pode ser demonstrado que o sexo biológico é um espectro, em vez de um binário, então podem minar o essencialismo de género. Mas as condições intersexuais não refutam o binário sexual. São desvios da norma binária, não o estabelecimento de uma nova norma. Assim, a experiência fisiológica da intersexualidade está numa categoria diferente das construções psicológicas da disforia de género e do transgenerismo. Henig relaciona essas categorias de forma problemática, de modo a colocar a identidade de género e a anomalia médica numa única categoria.
Nessa mesma linha, Henig cita um estudo que relaciona a não-conformidade de género com o autismo. Qualquer conclusão que este estudo pretenda estabelecer, não valida uma suposta identidade transgénero. No máximo, poderia estabelecer uma correlação entre não-conformidades de género e autismo, mas não uma causalidade, nem uma corroboração da ideologia transgénero. Novamente, aceitar que a identidade de género de alguém está em desacordo com o seu sexo biológico não é nada mais do que ideologia sem qualquer verificação ou dados empíricos para apoiar tal afirmação. É metafisicamente impossível verificar a afirmação de que a identidade de género declarada confirma uma compreensão mais precisa do género do que o sexo biológico.
A última página do artigo de Henig comemora a mutilação de crianças menores com uma foto de uma menina de 17 anos sem camisa, que sofreu recentemente uma mastectomia dupla para «transição» para se tornar um menino. Porque os ideólogos transgéneros consideram prejudicial a tentativa de mudar a mente dessa criança, mas consideram que ela está progredindo ao exibir o seu peito nu e mutilado para uma história de capa? Os ideólogos transgéneros como Henig nunca abordam esta contradição ética no coração do seu paradigma. Porque é aceitável alterar cirurgicamente um corpo para torná-lo de acordo com a sua ideia do próprio self, mas intolerância tentar mudar o seu sentido de self para se adequar ao seu corpo? Se é errado tentar mudar a identidade de género (porque é fixa e não se pode mexer porque é danoso), porque seria moralmente aceitável alterar algo tão fixo como a anatomia do aparelho reprodutor de uma criança? Aqui a inconsistência moral do argumento é flagrante.
Ciência fraca e alegações contraditórias
Terceiro, o artigo refere-se obliquamente à «Teoria Cerebral do Sexo» para apoiar a conclusão mais ampla de que as identidades de género expansivas são imutáveis, objectivas e uma expressão autêntica do verdadeiro sexo de uma pessoa. Henig reconhece, com razão, as deficiências da Teoria Cerebral do Sexo, mas, no final, não oferece qualquer sugestão sobre a legitimidade das reivindicações transgénero à luz da inconclusividade dos estudos científicos sobre esta questão.
É por isso que o seu argumento é, em última análise, pouco convincente e problemático: não há consenso científico sobre o que causa o transgenerismo. As teorias cerebrais do sexo são hipóteses, mas Henig escreve como se a revolução que nós estamos a encontrar agora seja boa e mereça ser considerada inquestionável. Se Henig admitisse a falta de certeza em torno do transgenerismo, poria em dúvida a certeza sobre a qual o artigo (e toda a questão) se baseia. Henig não aborda os seus próprios pressupostos, mas admite que as categorias descritas no artigo se baseiam em teorias, não em factos.
Em quarto lugar, além do artigo de Henig, a cobertura da National Geographic é atormentada por reivindicações contraditórias e incoerentes. «A identidade de género e a orientação sexual não podem ser alteradas, mas a forma como as pessoas identificam a sua identidade de género e orientação sexual pode mudar ao longo do tempo, na medida em que descobrem mais sobre si próprios». A primeira metade desta frase afirma a imutabilidade da identidade de género, mas a segunda metade afirma que a autoconsciência das pessoas sobre essas coisas pode mudar ao longo do tempo.
Não há uma contradição aqui quando definimos os nossos termos? A identidade de género não é uma categoria objectiva, mas sim subjectiva. É como se percebe o seu próprio senso de masculinidade ou feminilidade (Yarhouse, pp. 16-17). Se essa percepção é fixa e imutável (como afirma a primeira metade da frase), então é incoerente dizer que a autopercepção possa mudar ao longo do tempo (como afirma a segunda metade da frase). A autopercepção pode mudar ou não mudar. Não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esta é uma contradição desconcertante contida dentro de uma única frase, mas parece que o autor não percebe.
O que a Justiça Realmente Exige?
Em quinto lugar, toda a questão enquadra a «Revolução
do Género» como a próxima fronteira da justiça social. Isso parece
extraordinariamente míope dado o ritmo acelerado em que a revolução de género
veio para a América. Mas vamos reformular os elementos da discussão que são omitidos
do artigo de Henig e da questão geral:
– Porque é que a sociedade deve aceitar uma
teoria do género que tem tão pouca adjudicação histórica?
– Porque não se faz perguntas sobre se certos
meios são a causa de tais experiências recém-descobertas na história humana?
– Porque não se explora os elementos politizados
do transgenerismo que são apoiados por um movimento agressivo LGBT?
– Porque se omite a história da contestação por
trás deste movimento – que a compreensão da confusão de género como uma
patologia a ser aliviada, ao invés de uma norma a ser abraçada, comum até o
passado recente, agora é estigmatizada, se não até apagada da história?
– Porque é a pressa para aceitar a alegação de
que alguém é um membro do sexo oposto ao biológico ou não possui nenhum género?
– Porque é que a justiça exige a aceitação de
uma medicina que mutila partes funcionantes do corpo em nome da identidade de género?
Henig não reconhece quaisquer vozes dissidentes
que questionam a validade das identidades transgénero. O seu artigo – e a
revista como um todo – dá por certa a ideia de que a compaixão e a justiça são
mediadas apenas através da aceitação das controvertidas teorias nele contidas.
Nós rejeitamos isso.
Finalmente, o artigo não aborda as conclusões
que se seguem das suas premissas.
Numa legenda, lemos:
Henry foi designado homem no nascimento, mas considera-se
«criativo de género». Expressa-se através do seu senso de moda de vestir
singular. Os seus pais inscreveram-o no Bay Area Rainbow Day Camp, onde pode
encontrar o vocabulário para explicar os seus sentimentos. Aos seis anos de
idade, já está muito seguro de quem é.
O título deste artigo é de um radicalismo desenfreado.
Nenhum garoto de seis anos tem a certeza do que ele é. A afirmação radical
não-julgadora não é uma abordagem saudável para os pais ou uma estratégia de
governo viável para a sociedade. Os pais realmente devem suspender toda a forma
de julgamento e curvar-se aos caprichos passageiros dos seus filhos? Esta
sujeição estenderia-se a todos os assuntos?
Num ponto, Henig descreve um indivíduo que está a
procurar por uma identidade na qual «se sinta bem». Isto é assustadoramente
subjectivo e sujeito a auto-reinterpretações sem fim. O que «parece certo» para
uma pessoa não indica o caminho para o que é certo. É também um exemplo de porque
a revolução de género consiste em «cisternas quebradas que não podem conter
água» (Jeremias 2:13). Como ilustra um vídeo muito difundido,
tomar a linguagem de «identidade» e «identificar» ao lado de «género» leva a
afirmações frívolas e ridículas que na nossa consciência sabemos serem falsas.
E, na verdade, isso é o que é mais problemático sobre este artigo: aceitar as
alegações contidas nele exige um fechar os olhos para a nossa consciência.
Requer fazer zombar da «lei escrita no coração» que os nossos corpos dão
testemunho no nosso projecto de design
natural. Como este artigo demonstra, não há limites para a revolução sexual e
de género, apenas o rastro da carnificina humana que resulta da supressão da
verdade.
Henig faz uma admissão surpreendente perto do
final de seu ensaio: «A Biologia tem o hábito de se declarar no final». Sobre
isso, Henig está certo. A humanidade não pode escapar dos limites inscritos na
biologia. É impossível transgredir fronteiras biológicas carimbadas na natureza
humana sem as categorias básicas da existência humana se desmantelarem. Se a
história de National Geographic diz alguma coisa, ela fala de uma sociedade
indo por um caminho de experimentação voluntária que levará à miséria e à
negação do telo humano. Na verdade, esse movimento nascido de academias efémeras
e mitologias esquerdistas não é mais do que uma barbárie revestida de verdade.
Denny Burk é professor de
Estudos Bíblicos na Boyce College e no The Southern Baptist Theological
Seminary. Também é presidente do Conselho para a masculinidade bíblica e
feminilidade.
Andrew T. Walker é o director de
Estudos Políticos da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa e estudante de
doutorado em Ética Cristã na The Southern Baptist Theological Seminary.
Nota do tradutor, Heitor De Paola:
Embora não seja usual por não corresponderem a
palavras dicionarizadas em Português, preferi usar revolução/ideologia transgénero
para substituir transgender
revolution/ideology. Em alguns casos ficou melhor transgeneralidade
ou transgeneralismo.