Maria João Marques
Somos, machos e fêmeas, biologicamente diferentes. Os
cérebros funcionam de forma distinta, as hormonas não coincidem, os órgãos do
corpo não são iguais. Quem ignora isto ou é lírico ou é ignorante.
Há uns anos, quando o meu filho mais velho fazia os seus
teatros para a plateia familiar, contendo desde avós a irmão mais novo bebé,
eu, no papel de apresentadora, era incitada pelo artista circunstancial a
expressar-me da seguinte forma: «senhoras e senhores, meninas e meninos,
bebezinhas e bebezinhos, apresento-vos etc.». Ofereço-vos isto como prova A de
não ser uma cidadã decente e respeitável. Na verdade, sou uma mãe desnaturada,
que impõe a todas as minhas relações familiares (incluindo aos meus filhos)
esse pesado jugo de se identificarem com um dos dois sexos biologicamente
existentes. Foi uma pena não ter existido nenhum benemérito que se infiltrasse
nos teatros familiares e me denunciasse à Segurança Social.
Admito, claro, que uma pessoa adulta possa entender não
se definir pelo seu sexo e prefira não ter tal identificação nos seus
documentos. Evidentemente: cada um veste-se de calças ou saias, mascara-se de
spiderman, caranguejo ou centopeia, usa maquilhagem ou não, cabelo curto ou
comprido, apresenta-se socialmente com o nome próprio, muda de nome, escolhe um
pseudónimo como «lake» ou «pouf», enfim, cada um tem o direito alienável de se
apresentar como bem entende perante o mundo. A minha tolerância é tão extensa
que nem desrespeito senhoras que se vestem da cor mais enfadonha de todas, azul
marinho.
Como os adultos têm todo o direito de decidir o que fazer
à sua identidade sexual – conceito diferente de orientação sexual (homo ou
hétero), que um homem gay provavelmente tem a sua identidade sexual masculina
claríssima, e o simétrico para as lésbicas – não tenho de opinar se recusam
identificar-se com um sexo em que não se sentem incluídos. Por isso, a decisão
do prestimoso estado americano de Oregon – que já
tem felizes residentes cuja carta de condução indica sexo neutro –
não me repugna. Não é uma causa que me entusiasme, mas cada qual escolhe como
gastar o tempo. Desde que um adulto se responsabilize pelos constrangimentos
que essa falta de identificação sexual lhe traz – por exemplo, falta de alguns
cuidados de saúde diferentes entre os sexos – e que respeite as outras pessoas,
nada tenho a opor.
Em suma: um adulto apresenta-se como entende e
identifica-se como lhe aprouver. Mas se impõe aos outros as suas escolhas, o
meu mau feitio entra em acção. Não tenho de deixar de ver reconhecida a minha
identificação sexual como mulher – de que gosto – para não ferir
suscetibilidades dos não-binários, indecisos, trans, dos sexualmente fluídos,
ou o que seja. Como as luminárias do metro de Londres decidiram ao abandonarem
o inofensivo «ladies
and gentlemen». Também não quero ter homens
que se sentem mulheres usando as casas de banho femininas – tenho direito à
minha privacidade e, até, à segurança. Menos ainda aceito prescindir, e pelas
mesmas razões, de casas de banho femininas para passarem a unissexo. Ou, se
calhar, melhor, a multissexo (os sexos são como os sistemas planetários, há
muitos para descobrir no universo). Recuso que as empresas privadas sejam, para
afagar o ego a diletantes, legislativamente obrigadas a oferecerem casas de
banho para os sexos que se inventarem.
Piora quando envolve crianças, como o
bebé do Canadá de sexo «U». Se um adulto pode decidir para si o que
entender desde que não atropele direitos alheios, é, para mim, uma violentação
não informar uma criança de parte fulcral da sua identidade: o sexo. Porque a
verdade é que somos, machos e fêmeas, biologicamente diferentes. Os cérebros
funcionam de forma diferente, produzimos hormonas não coincidentes, os órgãos
do nosso corpo não são iguais, as nossas funções fisiológicas ocorrem de modos
diversos. Quem pretende que tudo isto é irrelevante, ou é lírico ou é
ignorante.
Faz parte do crescimento querermos saber quem somos.
Gostamos de conhecer as nossas raízes, as histórias de vida dos nossos pais, de
quem herdámos a cor dos olhos e o formato do queixo. É um cliché – mas
verdadeiro – afirmar, para um país, que só se entende o presente se se conhecer
o passado. As questões identitárias são, por estes dias, galopantes. Os negros.
Os sino-americanos. Os gays. Os sobreviventes de abusos e violência sexual. A
geração marcada por um evento histórico incontornável (estive alguns anos a
estudar e escrever sobre a geração que viveu a revolução cultural chinesa na
adolescência). Enfim, tudo é importante para construirmos a nossa identidade.
Menos – não se está a ver? – sabermos qual o nosso sexo.
Aos pais de uma criança compete dar balizas para os
filhos se construírem. Passar os valores dentro dos quais gostaríamos que
vivessem (no meu caso, por exemplo, não dou como comportamento aprovado a
participação em genocídios). E, obviamente, informá-los do seu sexo e o que é o
seu sexo. Para, também, mais tarde livremente se definirem como dentro do seu
sexo ou por oposição ao seu sexo.
O que se vai conseguir com estas maluquices de privação de identificação sexual das crianças? Além de anos em consultas de psicologia e psiquiatria, temo pela frequência da actividade sexual das próximas gerações. É que a maioria de nós gosta de ter sexo ou só com homens ou só com mulheres. De repente, vivermos num mundo onde não conseguimos distinguir se o outro é do sexo que preferimos, não me parece conducente a muitas concretizações sexuais. Quem sabe tornar-nos-emos no Japão, onde um terço da população adulta não tem vida sexual nem pensa ter. Então boa vida de abstinência. Tudo em nome das palermices progressistas.
O que se vai conseguir com estas maluquices de privação de identificação sexual das crianças? Além de anos em consultas de psicologia e psiquiatria, temo pela frequência da actividade sexual das próximas gerações. É que a maioria de nós gosta de ter sexo ou só com homens ou só com mulheres. De repente, vivermos num mundo onde não conseguimos distinguir se o outro é do sexo que preferimos, não me parece conducente a muitas concretizações sexuais. Quem sabe tornar-nos-emos no Japão, onde um terço da população adulta não tem vida sexual nem pensa ter. Então boa vida de abstinência. Tudo em nome das palermices progressistas.