Gonçalo Portocarrero de Almada
Em «Antinatural,
felizmente» (Sol, 21-6-2013), a Dra Isabel Moreira defende que o Direito não se
deve vergar às leis da natureza, reduto do obscurantismo, do antifemininismo e
da homofobia. Na sua abalizada opinião, foi o Direito natural que travou o
avanço da ciência e da legislação, «justificando a diferenciação entre negros e
brancos, que não podiam casar-se, porque era contra a lei da natureza». Exige
por isso que se passe «para a lei o que a ciência permite», nomeadamente no que
respeita à procriação medicamente assistida, que reconhece ser «contra as leis
da natureza», mas «ainda bem, ou mais valia deitar fora a ciência e o Direito».
Tudo isto para concluir, como não podia deixar de ser, na bondade da
co-adopção.
Não
interessam à discussão jurídica as já habituais acusações de intolerância,
obscurantismo, antifemininismo e homofobia, com que são geralmente acarinhados
os opositores às reivindicações do lóbi LGBT. Mas é estranho que a referida
constitucionalista, numa derrapagem científica que indicia alguma insuficiência
antropológica, se insurja contra a «diferenciação entre negros e brancos» que,
salvo melhor opinião, é evidente para qualquer mortal que não seja daltónico.
Que a proibição dos casamentos inter-raciais fosse ditada pelas odiosas leis da
natureza é inverosímil, porque é precisamente a comum natureza de todos os
seres humanos, qualquer que seja a sua raça, o fundamento do direito natural ao
casamento. Aliás, o racismo é profundamente antinatural, felizmente.
Entende
também que as leis da natureza são um óbice para o desenvolvimento
civilizacional e que o Direito não deve ter outro limite que não seja o
científico e tecnológico: deve-se poder fazer tudo o que a ciência e a técnica
já permitem. Ora, se se pode fazer tudo o que é factível, legitimam-se, por
essa via, todos os abusos que se praticaram, com chancela pseudo-científica,
nos campos de concentração nazis e não só.
Também
pretende justificar a norma a partir de uma constatação empírica: a lei não
pode deixar de admitir que uniões de pessoas homossexuais tenham menores a seu
cargo porque, de facto, já há algumas que os têm. São também realidade,
infelizmente, muitos casos de pedofilia, de abusos de menores, de incestos, de
violações, de violência doméstica, etc. Mas o Direito não os deve justificar,
nem consentir, nem ignorar, mas punir, precisamente em nome da dignidade humana
que a lei natural a todos, sem excepção, reconhece.
Ao
contrário do que se pretende fazer crer, a lei natural não é a força bruta e
cega da natureza irracional: não é a razão da força, mas a força da razão. É
natural que um animal irracional actue apenas em função dos seus instintos, mas
já não seria natural que um ser racional procedesse do mesmo modo: que um cão
satisfaça as suas necessidades primárias na via pública é natural, mas já não o
seria para um cidadão.
A
ordem moral, expressa na lei natural, não incapacita nem oprime, antes eleva e
sublima, porque manifesta a excelência da condição humana, na lógica exigência
do bem comum e da justiça social. É por isso que todos os regimes totalitários
são contra os direitos humanos – um outro sinónimo da lei natural – porque o
seu reconhecimento implica um limite objectivo ao exercício despótico do poder.
Releva
alguma incoerência que, quem defende um Direito totalmente autónomo das leis da
natureza, entenda que o casamento é a dois, ou que a adopção é uma relação
intersubjectiva. Com que fundamento? Com efeito, é a lei natural que determina
que o matrimónio se estabelece entre uma mulher e um homem e que qualquer
criança deve ter um pai e uma mãe, originários ou adoptivos. Portanto, excluída
essa razão natural, deveria ser permitido o matrimónio de três, quatro, cinco
ou mais pessoas, eventualmente também jurídicas, sem excluir os animais, com os
quais há já quem tenha uma muito intensa relação amorosa.
O
mesmo se diga em relação à adopção. Por que razão uma sociedade anónima, um
rancho folclórico ou uma fundação não podem adoptar? A exigência legal de que
os adoptantes sejam pessoas singulares não releva uma insuportável submissão do
Direito às abomináveis leis da natureza? Emancipe-se, pois, o Direito dessa
servidão e sejam o casamento e a adopção aquilo que cada qual quiser!
O que
se pretende com o novo regime da co-adopção e outras reformas legislativas do
mesmo teor, não é um Direito mais moderno e mais científico mas, pelo
contrário, um Direito menos justo, porque menos lógico e menos natural. Mais
desumano, infelizmente.