segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Adolescentes alcoólicos



À noite, na zona de Santos, em Lisboa, as ruas enchem-se de adolescentes e copos. Cerveja, vinho, sangria e misturas. Alguns acabam alcoolizados no hospital. É assim de norte a sul do país: todos os meses há miúdos a chegarem às urgências com intoxicações ou comas alcoólicos. Os mais novos não têm ainda 13 anos.

Catarina Guerreiro, Expresso, 15 de Outubro de 2017

No passeio, puseram-se os dez numa roda. Cada um pegou no pequeno copo com líquido escuro, ergueram-nos ao centro, brindaram à mais nova de entre eles e beberam a mistura num gole. Era o ritual de um grupo de primos e aquele estava a ser o baptismo de J., de 14 anos. Dentro do copo havia C 24, uma mistura de vodca preto e limoncello. Sempre que um deles completa 14 anos é assim: reúnem-se num bar e iniciam-no no mundo dos shots — dose de bebida alcoólica que se consome num só gole. Eram 00h28 da madrugada do último sábado quando J. engoliu em menos de um segundo o seu primeiro shot. Gritaram o nome dela e incentivaram-na. «Bebe, bebe...»

Estavam no Largo de Santos, em Lisboa, onde à noite se juntam muitos adolescentes. A uns metros de distância, a Praceta na Avenida D. Carlos I estava cada vez mais cheia e animada com miúdos, de idades entre os 13 e os 17 anos. Desde as 22h30 que começaram a chegar. Na mão tinham copos de cerveja (uns mais pequenos, outros de meio litro) que compravam nos bares do lado oposto da rua. Alguns seguravam garrafas de vinho e outros ainda garrafas de vidro de um litro de cerveja — «litrosas», como lhes chamam. Apareceram três miúdas com uma garrafa de plástico, de rótulo cor de laranja e imagens de fruta. «É sangria de vodca branco», desvendaram. E continuaram: «Comprámos no indiano a caminho daqui.» A maioria tinha 15 e 16 anos e, por isso, estão totalmente proibidos de comprar álcool pela lei. Mas conseguem sempre: ou não lhes pedem identificação ou tratam de contornar o problema. «Arranjamos forma. Nem que seja pedir a um maior de idade que o faça.»

Um grupo de seis rapazes divertia-se a meter-se com as raparigas. Um deles exibia, orgulhoso, o charuto que trouxera de casa. Outro corria sorridente enquanto ia buscar mais uma cerveja a um dos bares, onde a afluência era tanta que parecia difícil chegar ao balcão. Mas conseguiu. E saiu de lá com a sua quinta cerveja. «Já estou a ficar acelerado», avisava. Uns estavam mais calmos, outros não escondiam que gostam de beber sem limites. «Outro dia, bebi sozinho quase uma garrafa de whisky. Apanhei uma bebedeira e quando cheguei a casa vomitei imenso», contava um dos miúdos, com ar de «menino bem». Os adolescentes estavam em grupos, espalhados pela praceta. Ouviam-se gargalhadas, gritos. «Vou buscar um vodca», anunciava alto uma miúda que não parecia ter mais de 15 anos. O amigo, ao lado, com um jarro de vidro de sangria na mão, começava a dar sinais do que já bebera. Cambaleava e, ao tentar pegar no telemóvel de uma amiga, deixou-o cair ao chão. Já passava da meia-noite e meia. O espaço, com bancos de madeira corridos e umas mesas de madeira com cadeiras, estava cada vez mais concorrido. Parecia o recreio de uma escola secundária. Mas em vez de ser de dia, era de noite; e em vez de livros, traziam nas mãos copos com bebidas alcoólicas. Alguns fumavam. Ali não havia restrições. «Às vezes, há uns que abusam muito e acabam a noite no chão», descrevia A, de 16 anos, que, apontando para a berma da estrada, onde alguns se encontravam sentados, explicava: «Já vi aqui alguns em coma alcoólico.»

O número de adolescentes com excesso de consumo de álcool que dão entrada no Hospital Dona Estefânia, para onde são enviadas as crianças apanhadas naquela zona, confirmam o cenário: todos os meses entram pela porta da urgência pediátrica, pelo menos, cinco adolescentes com intoxicações alcoólicas agudas e alguns em coma alcoólico. Em 2016, o hospital registou 65 casos, e nos dois anos anteriores mais 132 (60 em 2015 e 72 em 2014). A maioria tinha 15 anos, mas dois deles eram crianças de 11 anos. E 39% tinham mais de 2 gramas de álcool por litro de sangue (g/l). O caso mais grave foi o de um adolescente que registou 3,84 g/l e que esteve em coma alcoólico. Há situações ocasionais, mas outras são mais preocupantes e têm de ser seguidas de perto, explica a pedopsiquiatra Neide Urbano, do Hospital Dona Estefânia, a médica que fez o levantamento sobre as ocorrências com esta substância, tema a que se tem dedicado. «O álcool atinge o sistema nervoso central e, em miúdos vulneráveis do ponto de vista da saúde mental, potencia comportamentos como a agressividade, a automutilação, a depressão e às vezes é o gatilho para quem tem tendências suicidas», garante a médica.

DOZE ANOS, 1,56 GRAMAS DE ÁLCOOL

O fenómeno repete-se por todo o país. Na urgência pediátrica do Hospital de São João, no Porto, entre 2011 e 2015 deram entrada 346 adolescentes com álcool a mais. «E 8% tinham antecedentes de consumo», nota o director da urgência, Luís Almeida Santos, para quem a situação «é muito preocupante». «Estamos a falar de crianças bêbadas», alerta, explicando que nesta análise verificou-se que os adolescentes de 12 anos que deram entrada na urgência tinham em média 1,56 g/l de álcool no sangue. Já a média dos de 13 anos foi de 1,46 g/l; a dos miúdos com 14 anos situou-se em 1,79 g/l; a dos de 15 ficou pelos 1,64 g/l; a dos 16 anos atingiu os 1,65 g/l; e a dos de 17 anos posicionou-se nos 1,68 g/l. Valores muito elevados, avisam os médicos. Basta ver que os condutores com menos de três anos de carta são multados quando têm mais de 0,2 g/l e todos os outros a partir de 0,50 g/l. E quem revelar 1,2 g/l é acusado de um crime.

«Houve miúdos que chegaram com taxas entre os 0,5 e os 3,8 g/l de álcool», recorda o director da urgência, acrescentando que 40% foram situações com alguma ou muita gravidade, «com alterações do estado de consciência e sujeitos a exame neurológico». Almeida Santos está agora a analisar os processos clínicos do ano passado para concluir as estatísticas de 2016. Mas o fenómeno não parece estar a diminuir. Aliás, 2015 foi o ano em que o São João registou mais casos: 87 num ano. Ou seja, todos os meses, sete ou mais adolescentes deram entrada alcoolizados.

O mesmo se passa no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, onde em 2016 apareceram «20 adolescentes com alteração do estado de consciência», refere Hugo Tavares, de 40 anos, pediatra e responsável pela consulta do adolescente, para onde são encaminhados os miúdos que surgem nas urgências com excesso de álcool. Para medir a gravidade da situação e o estado de coma, os médicos usam uma escala chamada de Glasgow: através da observação das capacidades ocular, verbal e motora são atribuídos pontos. Quinze é considerado normal; a partir de 11 começa o estado de coma superficial, 8 significa que se perdeu reflexos vitais — como o de se impedir que o vómito vá para os pulmões; e com valor de 3 significa um coma profundo.

Oferta. À noite, em Lisboa, como um pouco por todo o país, não faltam miúdos de copo na mão.
Podem ter cerveja (uns mais pequenos, outros de meio litro), sangria, bebidas brancas.
Outros optam por garrafas de vinho e outros ainda garrafas de vidro de um litro de cerveja
— «litrosas», como lhes chamam
.
Hugo Tavares concluiu um trabalho sobre os episódios que chegaram à urgência entre 2008 e 2016, para apresentar no Congresso Nacional de Pediatria, que se realiza no final deste mês. A maioria surgiu nas urgências à noite, ao fim de semana, ou em épocas de festivais e festas populares. A média de taxa de alcoolemia foi de 1,584 g/l. Mas um rapaz chegou com 2,74 g/l. Entre os embriagados havia uma criança de nove anos. As cenas vividas nas urgências revelam os perigos em que os adolescentes se colocam. Ao Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, chegou um miúdo, transportado pela polícia, que estava embriagado a dormir na estrada, «como se estivesse em casa», e deu entrada uma rapariga que bebeu álcool a mais e foi tomar banho ao mar. «Podia ter morrido afogada», nota Hugo Tavares, garantindo que muitos jovens estão a aderir ao binge drinking: «Ingerem grande quantidade de álcool de forma súbita. Três, cinco, até sete bebidas de uma só vez.» Uma tendência que, assegura, tem um enorme «impacto, porque leva a consumo de grande quantidade de álcool antes de terem tempo de começar a sentir os efeitos do álcool».

Foi provavelmente o que aconteceu a T., um rapaz de 16 anos que entrou em coma alcoólico. Estava com amigos numa feira em Santarém quando, a meio da noite, caiu e acabou internado no hospital. Bebeu sete cervejas e depois «empurrou tudo com 12 shots de absinto» e bebeu-os em pouco mais de 10 minutos. Não tardou até estar dentro de uma ambulância. Lembra-se de começar a ver tudo à roda, de ter momentos em que via tudo preto, de vomitar e de se sentir estranho. Mas a partir daí não se lembra de mais nada. Caiu, fez um traumatismo craniano e desmaiou. Foi levado para o Hospital de Santarém, onde os pais o foram buscar mais tarde. Ficou de castigo, apanhou um susto, mas não o suficiente para deixar de beber. Mas, para muitos, garante Hugo Tavares, passar por uma intoxicação destas é uma lição. O problema, diz, é que se cria uma falta de confiança entre os pais e filhos que às vezes é difícil recuperar. «Por isso estas consultas de adolescentes são importantes, pois também ajudam os pais.»

Naquela madrugada de sábado em Santos, no centro de Lisboa, ninguém parece preocupado com os riscos do que está a fazer. «Nós controlamos bem a bebida», diz M., de 15 anos, enquanto dá mais um golo na sua garrafa de plástico cheia de sangria. Nas escolas é raro ouvirem falar dos perigos do álcool, contam.

NAS MÃOS DA POLÍCIA

«É um grave problema de saúde pública. Mas a forma como estamos a passar a informação não dá. Assim não vamos lá», diz Rui Tato Marinho, hepatologista e autor de vários estudos sobre os perigos do álcool para a saúde. «O consumo excessivo está ligado a mais de 100 doenças», garante, dando o exemplo de cirroses alcoólicas, cancros, infertilidade. «E há riscos de morte súbita — que já vi acontecer no Hospital de Santa Maria — e de asfixia pelo vómito», avisa, aproveitando para recordar um estudo da Universidade de Boston, onde se conclui que quem começa a beber com menos de 14 anos tem cerca de 50% de probabilidade de ficar dependente mais tarde. «A única hipótese é restringir mais o consumo», defende Tato Marinho, notando que a. lei não está a ser eficaz.

É também essa ineficácia que a subcomissária da 1.ª Divisão da PSP, Aurora Dantier, de 52 anos, admite testemunhar nas operações que faz durante a noite no Bairro Alto e em Santos, exactamente nos bares ao pé da Praceta D. Carlos I. Por estas zonas encontra regularmente cenas degradantes: menores a caírem de bêbados e a vomitarem, alguns em coma alcoólico; taxistas que não sabem o que fazer a adolescentes embriagadas que não conseguem explicar onde vivem. E, por vezes, chegou a ficar estupefacta quando lhe apareceram pais, a quem ela telefonou para irem buscar os filhos, completamente embriagados. «Não se mudam mentalidades com decretos», diz Aurora Dantier. A subcomissária costuma fazer operações de vigilância de menores que estão na noite sem supervisão de adultos e é acompanhada por técnicas da comissão de protecção de menores, que com ela integram o projecto Sem Rótulos, para ajudar a prevenir situações de maior perigo. É comum a subcomissária entrar num bar e fazer na rua um perímetro de segurança. «Só deixo os adolescentes irem embora quando um adulto o for buscar.» Além disso, notifica por escrito os pais de todos os menores que forem encontrados a beber, como manda o artigo 7.º da Lei 50/2013, que define a venda e o consumo de bebidas alcoólicas. Na última operação que liderou, estavam 20 ou 30 miúdos nessa situação.

P. de 16 anos, já esteve algumas vezes no sítio errado à hora errada e apanhou as operações da subcomissária. «Fazem uma espécie de quadrado e ficamos ali retidos até os nossos pais nos irem buscar.» Na madrugada do último sábado não houve acções policiais em Santos. Por isso, à medida que as horas corriam, o som das garrafas de vidro partidas no chão aumentava. Já passava da uma da manhã e se alguns ainda se comportavam, outros já davam sinais claros do que tinham bebido. E atravessavam a estrada a correr, a rir e a gritar, sem olhar para carros que passavam e sem noção de que podiam ser atropelados. É essa falta de avaliação do risco, dizem os especialistas, um dos perigos do excesso de consumo. «Com o álcool, eles têm comportamentos de risco no sexo, na condução, na agressividade», nota Helena Fonseca, pediatra, responsável pela consulta do adolescente no Hospital de Santa Maria e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. «O álcool é o inimigo número 1», avisa.

Ao Hospital de Viseu, por exemplo, já chegou um rapaz de 17 anos em estado grave por causa de um acidente de mota, resultado do seu estado de embriaguez. E outro entrou, numa madrugada, nas urgências a convulsionar. «Temos de estar muito atentos porque nestes casos há risco de hipoglicemia», descreve Alzira Ferrão, de 58 anos, directora do serviço de pediatria do Hospital de Viseu, onde aparecem também casos de adolescentes muito novos. Não há muito tempo, um casal foi ao hospital com o filho de 10 anos a cambalear. Estava de férias e teve acesso a bebidas alcoólicas através de amigos. O consumo que é feito pelos adolescentes preocupa-a e o hospital tem protocolos com as escolas da zona, onde a sua equipa costuma ir uma vez por semana falar com os alunos. Além disso, fazem sessões de formação nos estabelecimentos de ensino e no próprio hospital, para professores, pais e estudantes. «Tentamos mostrar-lhes que o álcool é tóxico e afecta as células.» Por isso, num dos filmes passam a imagem «de um neurónio a ser regado com gotas de álcool e a atrofiar».

Da sua experiência, consegue perceber que grande parte dos casos são ocasionais e ficam internados menos de 24 horas, mas outros são mais complexos. «Já me disseram que bebem para esquecer.» Alzira Ferrão quer fazer um levantamento dos casos que entraram nos últimos anos nas urgências para comparar a situação com a que está descrita no último estudo feito no hospital de Viseu, que avaliou 74 casos entre 2006 e 2010. A taxa média de álcool foi de 1,78 g/l e 51% tinham consumido shots. Houve registo de escoriações, traumatismos e casos mais problemáticos, como uma fractura do osso frontal, que pode deixar sequelas. Não é assim tão raro, ocorrem acidentes graves.

No Centro Hospitalar de Setúbal, o pediatra José Freixo não esquece o que sucedeu a um rapaz de 16 anos que apareceu alcoolizado e com ataques epiléticos, e que teve de ser operado ao cérebro. O médico dá consultas de adolescentes no hospital, mas lamenta que metade não apareça. São reencaminhados pelos médicos que os atendem na urgência. Joana Cachão, de 29 anos, é interna na especialidade de pediatria neste hospital e já teve nas mãos algumas situações. «Em regra, são intoxicações leves e fazemos hidratação e aquecimento», explica. Há uns tempos, ela e outras médicas fizeram um estudo sobre o tema: analisaram os processos clínicos dos 99 adolescentes que chegaram com excesso de álcool, entre Julho de 2011 e Julho de 2015. Desde então, já atendeu alguns.

O último foi um rapaz de 16 anos que apareceu embriagado e a vomitar sem parar. Ficou a descansar e a avó foi buscá-lo perto das seis da manhã. Sabia que o neto tinha ido sair e beber uns copos, mas nunca pensou que acabasse assim. Foi também com surpresa que os pais de uma estudante chegaram recentemente ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, para irem buscar a filha, que ali estava deitada numa cama com intoxicação alcoólica, fruto dos festejos das praxes. Tinha bebido sangria a mais. «Tu?», perguntaram, incrédulos, os pais quando chegaram ao pé dela, na enfermaria da urgência pediátrica. Foram ajudados pelo psicólogo que todos os dias passa pelas salas da urgência e que, entre outros casos, auxilia pais e crianças a lidar com os problemas que resultam destas situações. «Os miúdos acham que desiludiram os pais», explica Gabriela Araújo e Sá, directora da urgência pediátrica do Hospital de Santa Maria, onde todos os meses chega um adolescente com intoxicação alcoólica aguda.

Para estes casos, o serviço tem um protocolo de actuação estabelecido, refere, por seu lado, Celeste Barreto, directora do Serviço de Pediatria, que define os exames a pedir, os passos a seguir e os sinais a observar. Um adolescente que apresente 0,5 a 1 g/l tem alterações da coordenação e desinibição; entre 1 e 1,50 revela desequilíbrio, entre 1,5 e 2, mostra letargia e dificuldade em estar sentado, com 3 entra em coma e com 4 a 7 corre risco de depressão respiratória. Uma actuação que segue as regras impostas em Julho passado por uma orientação que a Direcção-Geral de Saúde enviou para os hospitais, onde explica que estas intoxicações são um grave problema de saúde e impõe normas de procedimento.

«SABE A ÁLCOOL ETÍLICO»

Alheios a todas estas regras, naquela noite os miúdos continuavam a divertir-se em Santos. Entravam e saíam dos bares. São 01h20 quando J, de 14 anos, e os primos que a baptizaram continuam no ritual. Entraram noutro bar e beberam todos um shot, desta vez cor-de-rosa. Entretanto, em grupos, dezenas de adolescentes dirigiam-se para a zona das discotecas na Avenida 24 de Julho. «Eh pá, o meu pai disse-me para eu não beber», comenta uma adolescente com os amigos, enquanto dá um gole no copo que tem na mão. Não seguiu o pedido do pai: está embriagada e deita-se no chão da avenida. A um canto, um pouco atrás, uma outra adolescente, de 16 anos, vomita para poder continuar a noite, enquanto uma amiga aguarda pacientemente ao seu lado. Sentados no chão e num círculo, vários miúdos jogam à roleta com a garrafa e vão dando beijos uns aos outros. Num bar ali perto nota-se uma correria de entra e sai. «Vai lá buscar sete shots para nós», pede uma miúda ao rapaz do grupo. Bebem cada um o seu, num gole. «Eh pá, isto sabe mesmo a álcool etílico.»

É natural, explica Luís Patrício, psiquiatra. «O álcool das bebidas é igual ao da farmácia, etanol, que é um químico neurotóxico», explica o médico que se tem dedicado ao projecto «Mala da Prevenção», através do qual tenta alertar para a grave realidade do consumo de álcool por menores. Em vídeos que costuma divulgar, tenta passar uma simples mensagem: «Até 0,5 g/l vem a euforia; com 0,5 a um grama chegam as perdas de memória, de atenção e de juízo; entre 1 e os 3 g/l começa a diminuição da marcha, da visão, e da fala; com 3 a 5 g/l vem a falta de reflexos; e com mais de 5 g/l vem a morte».

Os miúdos não fazem ideia, garante. Alguns são até novos demais. R está com amigos numa fila para a discoteca, mas nenhum, admitem tem 16 anos, a idade permitida para entrar. «Temos bilhete de identidade falsos», acabam por confessar. Na realidade têm 14 anos, desvenda R, enquanto aponta para um outro grupo: «Aqueles ali são de 2004.» Ou seja, têm 13 anos. Segundo um estudo de 2015, do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), coordenado por Fernanda Feijão, o álcool continua a ser a substância mais consumida pelos adolescentes das escolas públicas. E 31% dos alunos com 13 anos já experimentaram álcool, especialmente cervejas e misturas. Num inquérito de 2015, feito em 35 países europeus por um grupo de trabalho de especialistas (Espad — The European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs), 47% admitiram que consumiram álcool aos 13 anos e um em cada 12 estudantes europeus contou que teve uma intoxicação alcoólica com essa idade.

Começam a beber para serem aceites pelos amigos, funcionando muitas vezes como uma espécie de ritual, acredita Teresa Goldschmidt, pedopsiquiatra do Santa Maria, notando que em muitas famílias é aceite com naturalidade que os adolescentes bebam álcool. Nem todos os casos acontecem de noite, alguns dão-se no horário da escola. No Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, Sofia Costa Lima, directora da urgência pediátrica, conta que já aparecerem miúdas embriagadas à tarde. E, em Gaia, o pediatra António Vinhas lembra-se do caso de uma adolescente que foi de visita escolar ao parque biológico e acabou a ser levada para o hospital por uma professora, com álcool a mais.

Com o andar da noite, na Avenida 24 de Julho sente-se por vezes o cheiro a haxixe, que vem dos charros que os miúdos acendem e partilham. Pelo meio, fazem directos para o Instagram, tiram selfies. A noite corre. Eram 03h17 quando o funcionário de um dos bares mais concorridos junto à Praceta D. Carlos I varria o chão, cheio de copos de plástico consumidos daquela noite. S. tem 31 anos e passou por um grave problema de álcool. Teve de se submeter a um tratamento e hoje diz que se sente bem e consegue beber com moderação. Mas viveu momentos complicados quando foi ao médico com uma depressão e descobriu que tinha problemas com o álcool. Ao olhar para trás, recorda-se bem como tudo começou. «Tinha 15 anos e comecei a beber shots.»





domingo, 15 de outubro de 2017

A nova fronteira da eutanásia: os pacientes de Alzheimer e a obrigação de não alimentá-los


Los defensores de la eutanasia aseguraban que nunca se permitiría en pacientes sin capacidad
de decisión. Ahora abogan por lo contrario.

ReligiõnenLibertad, 10 de Outubro de 2017

Artículo de Wesley J. Smith publicado en First Things.

Wesley J. Smith es miembro senior del Discovery Institute's Center on Human Exceptionalism y consultor del Patients Rights Council.

Las personas médicamente vulnerables no han estado nunca en mayor peligro, y los pacientes con Alzheimer en particular. En una encuesta reciente realizada en Quebec, donde la eutanasia por inyección letal es legal, un escalofriante 72% de los cuidadores está a favor de la eutanasia en el caso de pacientes con Alzheimer, incluso si la persona en cuestión no lo pide. Si el paciente pidió la eutanasia por escrito antes de  perder la capacidad de hacerlo, el porcentaje de cuidadores que lo aprueba aumenta hasta llegar a un terrible 91%.

Voluntad previa vinculante

Ambos escenarios son ilegales, aunque tal vez no por mucho tiempo. Con la legalización de la  eutanasia por inyección letal en todo Canadá, es previsible que se hayan puesto en marcha los mecanismos que permitan a los pacientes redactar órdenes escritas vinculantes para que les maten si pierden su capacidad mental.

Esto ya es legal en Holanda y Bélgica, dos países que parecen competir entre sí para redactar la ley más radical sobre la eutanasia. Pero, ¿qué pasa si el paciente con Alzheimer, después de perder la capacidad de tomar sus propias decisiones, no está sufriendo para nada? Pues... ¡qué se le va a hacer! Se considera que la voluntad expresada con anterioridad es la que prevalece sobre su actual estado de felicidad. De hecho, en un terrible caso de Holanda, una anciana con Alzheimer fue sujetada por su familia mientras luchaba para que no le pusieran la inyección letal. La autoridades holandesas determinaron que el homicidio había sido lícito porque «el doctor actuó de buena fe».

Objetivo: normalizar la eliminación

Ojalá los defensores de la eutanasia pudieran ser denunciados por defender lo falso. Durante años han asegurado con tono tranquilizador a la sociedad, recelosa, que sólo tendrían acceso a la eutanasia las personas que tuvieran la capacidad de elegir ser asesinadas.

Esta promesa fue siempre muy cuestionada. La «elección» nunca ha sido el punto central de la eutanasia, porque entonces la eutanasia debería estar disponible para todos aquellos, enfermos o sanos, que elijan morir. El objetivo ha sido más bien normalizar el hecho de matar como un remedio aceptable al sufrimiento, incluso cuando el paciente es incapaz de tomar una decisión racional, como en el caso de los pacientes con Alzheimer.


Renuncia voluntaria a ser alimentado

Aunque el suicidio asistido es legal en los Estados Unidos, sigue sin estar permitido en el caso de personas que no tienen capacidad de tomar decisiones. Esta restricción puede ser una cuestión de táctica política más que un principio fundamental. Hace unos años, Barbara Coombs Lee, jefa de la organización en defensa del suicidio asistido Compassion and Choices, dijo que el suicidio asistido para pacientes con Alzheimer era «una cuestión a tratar más adelante, pero no menos imperiosa» que la legalización de la eutanasia para los enfermos terminales con capacidad de decisión; lo que implicaba que la legalización de la eutanasia de personas con demencia sería lo siguiente, una vez que el país hubiera aceptado los planes de Compassion and Choices.

El objetivo de Compassion and Choices son personas ancianas que dejen instrucciones de suicidio mediante la privación de comida, procedimiento conocido en la jerga del movimiento pro-eutanasia como «renuncia voluntaria a comer y beber» (VSED, Voluntary Stop Eating and Drinking).

En su Guía de Instrucciones leemos: «Mucha gente lucha con el sufrimiento continuo de una enfermedad crónica o incurable y progresiva. Hay personas que, en cambio, deciden que simplemente ya están 'acabados' después de ocho o nueve décadas de una vida vivida plenamente».

Es alarmante que la American Nursing Association haya adoptado una política en apoyo del derecho a cometer VSED sin intervención por parte de nadie, y haya declarado que «la decisión de un paciente en lo que respecta a la VSED es vinculante, incluso si el paciente pierde después su capacidad [de tomar decisiones]».

Presumiblemente, la VSED es legal. Pero, ¿qué pasa si un paciente demente sin capacidad de tomar decisiones, que come y bebe voluntariamente, ha dejado instrucciones previas en las que declara que quiere que se le niegue el alimento cuando ya no tenga capacidad de decisión?


Cada vez más, prominentes bioeticistas sostienen que hay que obligar a los cuidadores a que «dejen de alimentar con cuchara a los pacientes», lo que significa literalmente que hay que dejarlos morir de hambre. Por ejemplo, en el Hastings Center Report de mayo-junio de 2014, Paul T. Menzel y M. Colette Chandler-Cramer argumentan: «El principio subyacente [a las directrices médicas anticipadas] es que las personas no pierden sus derechos cuando no tienen capacidad de tomar decisiones; simplemente alguien tiene que ejercer estos derechos por ellas. El elemento conductor detrás de la VSED es que forzar a las personas a ingerir alimentos es una intrusión tan inaceptable en su integridad, privacidad y libertad corporal como imponer un tratamiento médico no deseado. Por lo tanto, si las personas sin capacidad de tomar decisiones no pierden sus derechos cuando se niegan a recibir tratamientos que puedan salvarles la vida, tampoco los pierden en lo que respecta a la VSED».

Es como una adaptación al dispositivo. Directrices previas deciden si hay que aplicar o no tratamiento médico. Un paciente puede rechazar por adelantado la intubación, porque «la nutrición e hidratación artificial» se consideran, por ley, un tratamiento médico. Pero «alimentar con cuchara» no es un tratamiento, es una atención y cuidado humanos, no diferentes éticamente a girar al paciente en la cama para evitar las llagas de decúbito, o proporcionarle una higiene adecuada. Del mismo modo que se ignoraría una directriz que ordenara que un paciente no debe mantenerse limpio, lo mismo vale con una directriz que ordenara que hay que privar de comida a un paciente hasta que muera.

El sufrimiento de los cuidadores

Hay un último punto al que hay que prestar atención. El sufrimiento que causa la enfermedad del Alzheimer recae normalmente mucho más en los cuidadores que en los propios pacientes. Ciertamente muchos, al final del difícil camino, dicen que ha sido un honor cuidar de sus seres queridos incapacitados. Pero no debemos edulcorarlo: el cuidado y la atención de estos pacientes puede ser agotador y muy doloroso y, en algunos casos, peligroso para la salud de los cuidadores. Lo sé porque lo he vivido personalmente muy de cerca. Mi mujer y yo cuidamos de mi anciana madre en nuestra casa durante los últimos cinco meses de su vida, cuando su Alzheimer ya era muy avanzado. Créanme, la pérdida de la memoria es lo menos importante de esta enfermedad.


Es correcto que a los cuidadores se les autorice a rechazar tratamientos médicos intensivos que alargan la vida. Luego, cuando la muerte llega, es una cuestión de la naturaleza que sigue su curso. Pero permitir que los cuidadores ordenen a doctores o a personal sanitario que acaben con la vida del paciente es ir demasiado lejos. En algunos casos, esto lo que permitiría es que los cuidadores eliminaran a los pacientes debido a su propio sufrimiento, el de los cuidadores. Si a esto le añadimos cuestiones de conflicto de intereses, como herencias y costes del tratamiento, tenemos un abuso de personas mayores en potencia.

Por muy malo que pueda ser el Alzheimer, incluso las personas con Alzheimer profundo pueden experimentar momentos de claridad y alegría. Y cuando esto ya no es posible, estas personas indefensas siguen siendo miembros plenos e iguales de la comunidad moral, y tienen derecho a la mejor atención que podamos ofrecerles. Si una sociedad es juzgada por el modo como trata a sus miembros más vulnerables, nosotros rechazamos los planes descontrolados cuyo objetivo es matar a los pacientes de Alzheimer, centrándonos en mejor nuestra capacidad de cuidado y atención de los mismos.

Traducción de Helena Faccia Serrano.