Pedro Afonso, Psiquiatra
A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz,
defendeu recentemente, numa entrevista à TSF, a legalização da venda de drogas
leves em Portugal e a sua venda nas farmácias. De acordo com a sua
argumentação, os ganhos para os cidadãos seriam alcançados graças à diminuição
de outros crimes.
Infelizmente, a sra. ministra parece desconhecer
que as designadas «drogas leves» não são, na realidade, assim tão leves,
já que podem provocar danos gravíssimos a quem as consome. Tomemos como exemplo
o cannabis. Esta droga muito popularizada e consumida na nossa
sociedade, inclusivamente por jovens, pode contribuir para o aparecimento de
várias doenças psiquiátricas.
O consumo de cannabis (excluindo,
obviamente, a utilização restrita dos seus derivados para alguns fins
terapêuticos) aumenta o risco do aparecimento de psicoses, que impedem uma
pessoa de pensar adequadamente e interferem negativamente, entre outros
factores, com o rendimento cognitivo (a memória, concentração, etc.),
prejudicando gravemente o funcionamento profissional e escolar.
Já há muitos anos que existem inúmeros estudos
científicos que associam o consumo de cannabis à
esquizofrenia. Por exemplo, em 2011, o psiquiatra holandês Jim Van Os publicou
um estudo longitudinal com a duração de dez anos, tendo comprovado que o
consumo regular desta droga aumenta o risco de desenvolvimento de sintomas
psicóticos. Além disso, o consumo de cannabis tem sido
associado a um aumento do risco de: comportamentos antissociais, ideação
suicida, dificuldades no relacionamento interpessoal, consumo de outras drogas
ilícitas, designadamente drogas injectáveis, etc..
Por inúmeras razões, intoxicou-se a sociedade com a
ideia falsa de que as «drogas leves» não causam danos à saúde. Existe ainda uma
ideologia que defende a liberalização das drogas, vendo o consumo das mesmas
como um exercício de liberdade individual; o direito de qualquer um de nós
fazer o que quer relativamente à sua saúde e à sua própria vida,
designadamente, destruindo-a. Acontece que ninguém sofre sozinho neste
processo de autodestruição, já que há pais, filhos, irmãos, amigos, etc., que
também sofrem com a escolha deste caminho. Um homem não pode usar a sua
liberdade para abdicar dela e se converter num escravo de uma droga que o vai
destruindo. Seria, portanto, um sinal errado se o Estado promovesse a
legalização e a venda nas farmácias de drogas que «matam devagarinho».
Devemos desconfiar sempre de um Estado que, com o falso argumento da liberdade individual, deixe de ser regulador, criando na lei alguns limites, devidamente justificados, aos comportamentos individuais; devemos desconfiar de um Estado que, sob o disfarce de um paternalismo permissivo, rejeita a ciência, nega irresponsavelmente a realidade de um mal e evoca critérios errados para justificar políticas que facilitam a autodestruição do ser humano.
Na verdade, se a sra. ministra deseja realmente
introduzir medidas que tragam benefícios para os cidadãos, então deve promover
campanhas de esclarecimento, informando com rigor científico que as «drogas
leves» afinal são «pesadas». Esta medida seria muito bem vista pelos pais,
professores e por muitos daqueles profissionais de saúde que lutam diariamente
há décadas neste país para retirar milhares de pessoas da escravidão das
drogas.