quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015


A maternidade e o mito de «ter» filhos


Inês Dias da Silva

Chamo-me Inês e tenho 4 filhos.

Os suficientes para saber que «ter» não é o verbo adequado.

Os filhos não são meus, foram-me dados.

Foram-me dados, para não serem meus.

Esta é uma verdade que intuí quando o nosso primeiro filho começou a falar.

— «A mãe é má!».

Esta é uma verdade que confirmei quando o nosso segundo filho nunca fazia o que lhe pedíamos e muito menos o que lhe mandávamos.

Esta é uma verdade que experimentei quando o nosso terceiro filho esteve muito doente, a morrer.

E esta é uma verdade que mesmo assim, me surpreendeu, quando o nosso quarto filho foi concebido e não planeado.

Os filhos foram-me dados, para não serem meus.

«O contrário do amor, não é o ódio, mas o possuir.»                                             
                                                                            Chiara Corbella Petrillo

Quanto mais profundamente se ama, mais profundamente se percebe que «os nossos» não o são.

O nosso filho mais velho é muito dado. Ele é, antes de mais, o melhor amigo do seu melhor amigo, o neto dos seus avós, o aluno da sua professora. Por isso, quando muitas vezes se engana e em vez de mãe, chama-me o nome da professora, eu fico contente, porque ele é mesmo o aluno da sua professora. Estabeleceu uma relação significativa, benéfica e poderosa e, liberdade das liberdades, não é comigo.

O nosso filho «do meio» sempre foi independente. Não faz o que lhe dizem, só faz o que quer.  Quando não fala aos «tios», é imediatamente repreendido, e de imediato já está enrolado nos braços dos tios não cumprimentados, a rir-se virado do avesso, para o resgate do beijo exigido pelas regras da boa educação. As suas primeiras experiências de perdão, são a ver o mundo ao contrário, e liberdade das liberdades, não são connosco.

O nosso terceiro filho é totalmente dependente. A sua vida está mês sim, mês não, por um fio.  Um fio que já se tentou manipular, controlar, medir, esticar, encurtar…mas fugidio dança à volta das mãos da equipa médica que o segue e invariavelmente não o conseguem dominar. Liberdade das liberdades, esse fio não está nas nossas mãos.

O nosso quarto filho é totalmente dependente. A sua vida está há 8 meses ligada a mim por um cordão. Um cordão do qual irá prescindir quando estiver pronto, prescindindo assim também de mim. Liberdade das liberdades, a sua vida não depende de mim.

E assim, como mãe, sou posta no lugar. Sou importante, mas não imprescindível. Importante para os introduzir no mundo, na família, na escola, no hospital, na companhia dos nossos amigos, para que possam um dia, provavelmente mais cedo que penso, prescindir de mim para viverem no mundo. O mundo dos avós, o mundo dos professores, o mundo dos amigos que perdoam má-criações, o mundo dos médicos que desejam definir um mistério que a todos nos escapa.

Os meus filhos foram me dados para serem do mundo e para o mundo.

Liberdade das liberdades!






                                           

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