segunda-feira, 13 de março de 2017

Superior interesse da criança


Inês Teotónio Pereira, ionline, 9 de Maio de 2015

Há uns tempos encontrou-se a frase-chave que resolve todos estes dilemas: o superior interesse da criança

Hoje em dia, as pessoas gostam tanto mas tanto das crianças que pensam mil vezes antes de ter filhos. Eu percebo. A angústia de pensar que não se consegue dar tudo o que eles merecem, de não se conseguir ser uma mãe perfeita, de não se conseguir fazer com que os nossos filhos sejam as pessoas mais felizes do planeta é penosa. Não há tempo, não há dinheiro, não há casa, não há ajudas e não há certezas quanto ao futuro. E as crianças merecem certezas, tempo, conforto e a melhor educação. É um direito que lhes assiste e nós, pais, como únicos responsáveis pelo seu nascimento, temos o dever de lhes proporcionar tudo isso. Ou então, na dúvida, tínhamos tido juízo.

Mas, ainda assim, vamos tendo filhos. Poucos, mas lá nascem alguns. E nascem não por uma questão moral ou de dever, mas porque ser mãe ou pai é, antes de tudo, uma realização pessoal. Não tanto quanto a árvore e o livro, mas ainda faz parte desta trilogia. Mas o pior vem depois. Com os filhos nascidos, o que é que se faz? As crianças são o melhor do mundo, todos adoramos crianças e nenhuma pediu para nascer. Ora, nós somos simples seres humanos, frágeis, imperfeitos e cheios de incertezas. Como conciliar a nossa imperfeição com a perfeição de uma criança?

Há uns tempos encontrou-se a frase-chave que resolve todos estes dilemas: o superior interesse da criança. Ou seja, desde que se tenha em conta o superior interesse da criança, estamos no caminho certo. Como consequência desta teoria, no momento em que se tem filhos, os nossos interesses passam a inferiores e os interesses das nossas crianças a superiores. Nada mais tem interesse, portanto.

Ora, isto traz alguns problemas ao dia-a-dia das famílias, dos pais e da população em geral. É que ninguém tem bem a certeza de qual é o superior interesse da criança e elas não se sabem explicar. Com os direitos da criança, não há dúvidas, e é do superior interesse de todos que eles sejam cumpridos, mas já o interesse traz algumas dúvidas. E daí que seja automática a confusão entre o interesse da criança, o capricho da criança e a dúvida sobre quem o define. Ou seja, sob esta bondosa e necessária teoria do superior interesse da criança é costume deixar que seja ela a definir o seu interesse, e como a criança é apenas uma criança, ela rapidamente transforma o interesse em capricho. É esta a nossa desgraça, deixarmos que sejam as crianças a definir os seus interesses. E isto transforma a nossa vida num caos.

Por exemplo, é de entendimento geral que é do interesse das crianças fazer barulho, fazer birras, só comerem doces, verem televisão quando lhes apetece, partirem o tablet do pai, não dormirem a horas certas, etc. E que este interesse deve condicionar todos os outros. Exagero? Eu explico: o meu filho mais novo, de dois anos, tem o hábito de começar a gritar dois minutos depois de ir para a cama. Interessa-lhe que alguém lhe pegue ao colo e fique com ele ao colo até sua excelência adormecer. Sendo o interesse dele superior ao meu sossego, tenho cedido. Até que um dia deixei-o berrar durante dez minutos, ignorando o interesseiro, e só quando comecei a ter medo que os vizinhos chamassem a polícia é que fui ao quarto dele. Peguei-lhe ao colo, dei-lhe água e a criança caiu no sono que nem uma pedra. Nesse dia, os interesses desse meu filho mudaram. Mais exemplos: as crianças fazem normalmente birras em público porque sabem que todas as pessoas que estão no supermercado zelam pelo seu superior interesse. Por isso, atiram-se para o chão porque lhes interessa empurrar o carrinho, desesperam em frente da prateleira dos doces porque têm interesse em comer chocolates, etc. E nós, pais, como principais responsáveis pelo interesse dos nossos filhos, que é superior, ficamos sem saber o que fazer porque, como se sabe, não é de todo do interesse da criança levar uma palmada.

Pois, a verdade é que o superior interesse da criança tem vindo a tramar a vida aos pais. E daqui me pronuncio contra a definição do superior interesse das pestinhas por elas próprias. Quem sabe qual é o superior interesse das crianças são os pais, seus superiores. As crianças até podem dar sugestões mas, nesta questão, não há democracia. Só assim poderemos um dia viver todos em harmonia e só assim resolveremos o problema da natalidade.





Embuste do «movimento feminista» prejudica a própria mulher

Mãe e filhas jogando xadrez
(obra de Francis Coates Jones, 1857 – 1932)

Paulo Roberto Campos, IPCO, 11 de Março de 2017

A respeito deste «Dia Internacional da Mulher», textos e mais textos foram publicados ad nauseam em todos os jornais impressos ou online. Tal dia não passa de uma absurda invenção imposta pelo movimento feminista, copiando uma propaganda do regime comunista na antiga URSS. Hoje vemos que realmente o comunismo não morreu — ele «espalhou os seus erros pelo mundo», sendo um deles o chamado «feminismo». E certos media colaboram prematuramente para espalhar tais erros.

Assim, os media repetiram baboseiras infindas e duras críticas a mulheres que se defendem enquanto «rainhas do lar», esposas e mães, como se estes atributos tão nobres e elevados não pudessem ser considerados «direitos da mulher». Para os media esquerdistas e o «movimento feminista», o «direito da mulher» é, por exemplo, o «direito ao aborto» — o direito da mulher matar o próprio filho que está a gestar!

Entretanto, na essência às mencionadas baboseiras, encontrei um texto primoroso. Foi publicado há cinco anos no «Dia Internacional da Mulher» («Folha de S. Paulo», 8-3-12), da autoria da jovem Talyta Carvalho [foto abaixo]. Imagino que este texto foi rasgado, pisado e queimado pelas «feministas» radicais, que, no fundo, desejariam mesmo era «queimar» como «herege» a própria autora, acusando-a de ser contrária ao «apoderamento feminino», à «igualdade de género», à «lei do feminicídio», de ser «politicamente incorreta», «preconceituosa» etc.. Acusações levianas, mas que nos estimulam a divulgar largamente o interessantíssimo artigo, que abaixo transcrevo.

Talyta Carvalho (Filósofa especialista em renascença
e mestre em ciências da religião pela PUC-SP)

Não devemos nada ao feminismo

Talyta Carvalho

As feministas chamaram «libertação» à saída forçada do lar para trabalhar; a sua intolerância tornou constrangedor decidir ser dona de casa e cuidar dos filhos.

Na história da espécie humana, a ideia de que a mulher deveria trabalhar prevaleceu com muito maior frequência do que a ideia de que deveria ficar em casa a cuidar dos filhos.

Não raro, o trabalho que cabia à mulher era árduo e de grande impacto físico. Para a mulher comum na Pré-história, na Idade Média, e até no século XIX, não trabalhar não era uma opção.

Uma das conquistas do sistema económico foi que, no século XX, a produtividade tinha aumentado tanto que um homem de classe média era capaz de ter um bom salário o suficiente para que a sua esposa não precisasse de trabalhar.

No período das grandes guerras e no entreguerras, a inflação, os altos impostos e o retorno da mulher ao mercado de trabalho (que significou um aumento da mão de obra disponível) diminuíram de tal maneira o rendimento do homem comum que já não era mais possível que a maioria das mulheres ficasse em casa.

A este movimento forçado da saída da mulher do lar para o trabalho as feministas chamaram «libertação».

É óbvio que não se está a defender aqui que as mulheres não possam trabalhar, não casar, não ter filhos ou que não possam agir de acordo com as suas escolhas em todos os âmbitos da vida. Não é essa a questão para as mulheres do século XXI pensarem a respeito.

O ponto da discussão é: em que medida a consequência do feminismo, para a mulher contemporânea, foi o estrangulamento da liberdade de escolha?


Explico-me. Por muito tempo, as feministas reivindicaram a posição de luta pelos direitos da mulher, excepto se esse direito for o direito de uma mulher não ser feminista.

Assumir uma posição crítica ao feminismo é hoje o equivalente a ser uma mulher que fala contra as mulheres. Ilude-se quem pensa que na universidade há um ambiente propício à liberdade de pensamento.

Como mulher e intelectual, posso afirmar sem pestanejar: nunca precisei «lutar» contra os meus colegas para ser ouvida, muito pelo contrário. A batalha é mesmo contra as colegas mulheres, intolerantes a qualquer outra mulher que pense diferente ou que não faça da «questão de género» uma bandeira.

Não ser feminista é heresia imperdoável, e a herege deve ser silenciada. Até mesmo porque há muito em jogo: financiamentos, vaidades, disputas de poder, privilégios em relação aos colegas homens — que, se não concordam, são machistas e preconceituosos, claro.

Outro direito que a mulher do século XXI não tem, graças ao feminismo, é o direito de não trabalhar e escolher ficar em casa e cuidar dos filhos — recomendo, sobre a questão, os livros «Feminist Fantasies», de Phyllis Schlaffly, e «Domestic Tranquility», de F. Carolyn Graglia. Na esfera económica, é inviável para boa parte das famílias que a esposa não trabalhe.

Na esfera social, é um constrangimento garantido quando perguntam «qual a sua ocupação?». A resposta «sou só dona de casa e mãe» já revela o alto custo sociopsicológico de uma escolha diferente daquela que as feministas fizeram por todas as mulheres que viriam depois delas.

O erro do feminismo foi reivindicar falar por todas, quando na verdade falava apenas por algumas. De facto, casamento e maternidade não são para todas as mulheres. Mas a nova geração deve debater estes dogmas modernos sem medo de fazer perguntas difíceis.

Da minha parte, afirmo: não devo nada ao feminismo.