Inês Teotónio Pereira
Não é por acaso que filhos de pais liberais – da geração que cresceu ao som do slogan sexo, drogas e rock´n roll – são os maiores betinhos
Não é por acaso que filhos de pais liberais – da geração que cresceu ao som do slogan sexo, drogas e rock´n roll – são os maiores betinhos
O liberalismo na educação é, antes de mais, uma fantasia. Não existe. Ninguém
no seu juízo perfeito é um liberal convicto na educação dos seus filhos. Na
educação, só se é liberal por desleixo e/ou comodismo. Podemos ser adeptos
fervorosos da privatização da Caixa Geral de Depósitos, podemos ser contra
todas as entidades reguladoras do mundo, podemos lutar incansavelmente contra
os impostos, o Estado e o seu centralismo, podemos defender com a própria vida
os contratos de associação com as escolas privadas e a liberdade de escolha
mas, quando entramos em casa, estas meritórias convicções ficam do lado de
fora. Não entram.
Liberalismo e filhos: duas palavras que não podem estar na mesma frase.
Nem falo na parte financeira e económica do tema, onde é óbvia a ausência do
cariz liberal. Pois, em qualquer família, impera como modelo económico o
socialismo no seu estado mais puro e fedorento. Senão vejamos, em qualquer
família de direita ou de esquerda, católica ou calvinista, conservadora ou
anarca, os pais (ou seja, o Estado) determinam o que os filhos (cidadãos)
comem, vestem e a que horas apagam a luz, repartem equitativamente todos os
bens e o seu usufruto pelos filhos, ignorando a sua produtividade (todos jantam
quer tenham boas ou más notas), o seu talento ou as suas diferenças. Os pais
tratam todos os filhos por igual e chegam mesmo a endividar (tal como o Estado
com as PPP) os netos quando compram casas a 50 anos e carros a crédito «para o
bem da família»...
Mas esta vertente marxista das famílias é ainda mais visível quando
analisamos, não o seu funcionamento ou a sua forma de sustento, mas sim a
educação. Não é por acaso que filhos de pais liberais – do tipo geração que
cresceu ao som do slogan «sexo, drogas e rock’n’roll» – são os maiores betinhos
da história contemporânea. São os yuppies dos anos 90 e os quadros deste
milénio.
E porque é que isto é assim? Porque sim. Porque não podia ser de outra
maneira. Um pai tem de ser socialista e controlador de tudo o que mexe se
quiser desempenhar com sucesso as suas funções de pai. Na economia, já vimos
que não pode ser de outra maneira. Quanto aos princípios, é fácil concluir o
mesmo. Senão vejamos este exemplo: nenhum pai consegue assistir com a filha,
que tenha uma idade compreendida entre os 10 e os 30 anos, a um episódio da
Gabriela sem se sentir, vá, pouco à vontade. Nenhum pai nesta circunstância,
com a filha ao lado, consegue rir com a greve das quengas no Bataclan de Ilhéus
como deve ser. Na proporção exacta que a situação exige.
Nestes últimos dias, dias em que as quengas estão de greve e em que a
Gabriela tem tomado banho de cinco em cinco minutos, como se estivesse a gravar
um filme para a «Playboy», compreendi
a sorte que tenho pelo facto de os meus filhos ainda não terem idade para ver
televisão àquela hora. Mas imagino as perguntas que fariam se eu não tivesse o
poder de os mandar para a cama: «Ó mãe, porque é que os coronéis não deixam as
senhoras seguir na procissão? O que é uma quenga?» Gostava de ver um liberal a
explicar todos estes constrangimentos das quengas com a mesma clareza com que
defendem as virtudes da privatização da CGD.
É por estas e por outras que, em qualquer casa de família, qualquer um
dos 200 canais de televisão é como a RTP, ou seja, tem tutela.
Um pai, por mais liberal
que seja nos seus costumes, nos seus princípios, não o é enquanto educador. No
fundo, não é. No fundo, é um ditador, um Mao camuflado. No fundo, cora e
incomoda-se. No fundo, acha que a emancipação sexual e as drogas livres não
condizem com a sua filha nem com o seu filho. Por isso, controla, condiciona e
filtra o que chega aos olhos e aos ouvidos dos filhos. E, se não o faz, gostava
de o ter feito.