Pedro Afonso, Médico Psiquiatra, SOL, 8.Abril,2011
Nos últimos tempos tem sido utilizado, por diversas vezes, o termo "esquizofrenia" no discurso dos líderes partidários. Não obstante discordar da utilização de termos médicos no linguajar político, devo admitir que, pelo que temos assistido nos últimos tempos no nosso país, seja inevitável dar um nome ao destempero que parece ter tomado conta de alguns dos nossos políticos, cujas decisões não parecem enquadrarem-se no nosso mundo, mas noutra realidade; uma realidade psicótica.
Sou de uma geração de psiquiatras que, devido aos avanços farmacológicos, ao longo dos últimos anos tem assistido com entusiasmo à diminuição dos internamentos de doentes com patologias psiquiátricas mais graves. Simultaneamente presencio, com perplexidade e impotência, ao aumento de internamentos de indivíduos com "doenças sociais", para as quais os psicofármacos não têm solução. Mas como é que se promove aalienação de uma sociedade?
As enfermarias psiquiátricas enchem-se quando se transmite aos portugueses a ideia delirante de que o trabalho não é o único meio para alcançar a riqueza e o progresso; ou seja, quando se divulga a ideia de que o dinheiro se pode multiplicar indefinidamente, desligado de uma riqueza de índole natural. Com esta mensagem, arrojada e moderna, gerou-se uma ânsia facilitista, alimentada por um consumo crescente e um crédito fácil. O indivíduo inconformado com a sua pobreza, foi instigado a lutar contra a injustiça capitalista, endividando-se compulsivamente, sem compreender que, com este acto irreflectido, estava a destruir-se a si mesmo.
O consumo serviu, durante algum tempo, para anestesiar a dor e o sentimento de revolta de quem sempre trabalhou muito e enriqueceu pouco. Portanto, foi-se mantendo o povo, absorto e adormecido, nesta frivolidade materialista. O Estado, indolente e anafado, aparentemente nada fez para contrariar esta alienação, parecendo até que desejava mantê-la. E o atrevimento foi grande. Recorrendo a uma máquina de propaganda bem montada, multiplicaram-se as cerimónias faustuosas de consagração pública de um paraíso e bem-estar que, na verdade, nunca existiram. E foi neste ambiente tresloucado que surgiram dois tipos de posturas políticas: os que que procuravam defender a realidade e os que promoviam a alienação. Enquanto os primeiros mostravam-se abertos a reavaliar as suas opiniões, à medida que se confrontavam com a consistência dos factos, os segundos apresentavam a extraordinária capacidade de perseverar na fantasia e de incorporar no discurso político todas as contradições que inevitavelmente acabavam por surgir. Curiosamente, foram "os mercados" (os mesmos que meses antes se dedicavam a alimentar a ilusão da nossa falsa riqueza) que terminaram com a disputa entre as duas visões políticas.
Convém reconhecer que os urdidores da política fantasmagórica, que grassou entre nós, deram provas de uma grandiosa perícia: fizeram crer que Portugal necessitava urgentemente de um "homem novo", preferencialmente laico, doutrinado pelo Estado, desvinculado da família, relativizando o valor da vida humana e defendendo com ardor uma moral subjectiva. Foi com a alegria própria de um sábio e a segurança de um déspota que nos disseram que o país necessitava de grandes reformas, já que estava dominado por um enorme atraso social e submetido a um feroz pensamento retrógrado. Mas em vez de destruírem o atraso, destruíram as mentes sadias de muitos portugueses.
Cada um pode extrair os ensinamentos que quiser deste interstício de insanidade, onde o sonho substitui a acção e o sonhado tem o valor de vivido; onde a mentira e a verdade se tornam indistinguíveis. Seja como for, recuso-me a acreditar em qualquer tipo de "homem novo" arquitectado politicamente. Recuso-me a aceitar que os portugueses se tornem num povo lobotomizado e que o país se transforme num manicómio com paredes invisíveis, onde cada um é acometido por uma profunda indiferença para com os acontecimentos que se passam em redor, mesmo quando colidem com os seus interesses vitais.