Pedro Afonso
A legalização da eutanásia abre um caminho
perigoso, pois há quem defenda, face aos custos crescentes de saúde, que a
medicina deve suspender os tratamentos mais onerosos a doentes idosos e
incuráveis
A eutanásia corresponde ao acto de provocar
deliberadamente a morte a um doente incurável para que, através deste «acto
piedoso», se ponha fim ao seu sofrimento. Numa altura em que a Assembleia da
República se prepara para discutir a legalização da eutanásia, justifica-se um
debate sobre este tema.
Um dos argumentos utilizados para a legalização da
eutanásia é que estas pessoas têm o direito a uma morte digna, o que não passa
de um eufemismo maniqueísta, como se a morte daqueles que decidem de forma
corajosa enfrentar os inúmeros sofrimentos e provações que lhes acarreta a
doença fosse uma morte indigna.
Uma outra ideia errada dos defensores da eutanásia
é a de que o nosso corpo é nosso, logo quando esse corpo é acometido de uma
doença incurável, a decisão de viver ou morrer também é nossa. Ora, ninguém é o
senhor absoluto de si, pois ninguém vive para si mesmo, e quando alguém morre
não morre apenas para si mesmo.
Neste debate, os defensores da eutanásia partem de
um pressuposto errado: a vida humana não tem sempre o mesmo valor, já que desde
que afectada pelo sofrimento associado a uma doença incurável, transforma-se
numa vida indigna e prescindível. Curiosamente, esta foi a mesma justificação
utilizada pelos nazis para aplicarem o seu programa de eugenismo e eutanásia,
designado por Aktion T4, durante o qual os médicos nazis assassinaram milhares
de doentes considerados como «incuráveis».
A legalização da eutanásia conduz a um caminho
perigoso, pois há quem defenda, perante os custos crescentes de saúde, que a
medicina deveria suspender os tratamentos mais onerosos a alguns indivíduos
(provavelmente começando-se pelos idosos, doentes incuráveis, etc.),
concedendo-lhes uma morte abreviada. Por detrás desta aparente morte
misericordiosa, há o risco de surgirem interesses economicistas, pois o Estado
vê-se livre destes encargos de saúde.
A depressão tem uma prevalência elevada ao longo da
vida. Esta patologia pode ser crónica, causando um sofrimento duradouro para o
doente, e nas formas mais graves é por vezes acompanhada por ideação suicida.
Se a eutanásia for legalizada, significa que se abre a porta ao suicídio
assistido. Afinal porque é que há-de ser diferente uma doença física incurável
de uma doença psiquiátrica incurável? Não será o sofrimento psíquico — muitas
vezes mais doloroso e insuportável do que o sofrimento físico — um motivo
legítimo para se respeitar a vontade do doente ao suicídio assistido? Porque é
que este pedido de morte há-de ter menos valor? A eutanásia aplicada às doenças
psiquiátricas pode abrir a porta ao suicídio assistido de milhares de
indivíduos no nosso país que sofrem de depressão, havendo o risco de uma parte significativa
da população se suicidar de forma legal. Mas será que uma pessoa com depressão
estará em condições de exprimir a sua vontade de uma forma livre?
Presume-se que os agentes da eutanásia sejam
médicos. Mas a condição de ser médico entra em contradição com o acto de
cometer uma morte a um doente, ainda que a pedido deste e com o aval legal do
Estado. A tradição hipocrática obriga a que o médico esteja sempre do lado da
vida, pelo que a um médico não se pode pedir que, conforme o desejo do doente, alterne
entre a posição de alguém que tudo fará para que nós possamos continuar a
viver, para alguém que afinal nos vai ajudar a morrer. Esta contradição
prejudicaria de forma gravíssima a confiança inabalável que se deve depositar
nos médicos.
A eutanásia é um mal que
contradiz a própria ética médica, porque se opõe ao dever do médico de
permanecer ao lado da vida, respeitando-a e procurando preservá-la em todas as
condições. A eutanásia trata-se, na verdade, de uma compaixão falsificada. As
súplicas dos doentes graves e deprimidos que pedem a morte são na esmagadora
maioria dos casos pedidos de ajuda, pedidos de afecto e de consolo. Todos os
dias os médicos escutam estas palavras de desespero, e todos os dias respondem
com palavras de ânimo e de conforto. Esta é a luta diária daqueles que prestam
cuidados de saúde; a luta contra a doença e o sofrimento, preservando a vida. A
morte não deve ser abreviada, mas antes humanizada, garantindo-se os cuidados
de saúde necessários, nomeadamente o alívio do sofrimento através dos cuidados
paliativos.