sexta-feira, 9 de setembro de 2016


A felicidade das famílias numerosas


Família de José Maria Postigo e Rosa Pich, de Barcelona (Espanha)

Plinio Maria Solimeo

É certo que as famílias numerosas são mais unidas. Os filhos aproximam-se mais dos pais e ajudam-os a enfrentar as vicissitudes da vida. Por isso é muito difícil ouvir falar de separação entre eles, o que é muito mais frequente nas famílias menos numerosas, e mesmo sem filhos.

Hoje em dia, quando se diz que uma família é numerosa, é porque tem de três a quatro filhos. E mesmo isso é cada vez mais raro. Pois em geral os casais não querem ter mais que um filho, ou mesmo nenhum, pois «dão trabalho», e «queremos gozar a vida». Infelizmente, boa parte dos casais está substituindo os filhos por animais de estimação, que tratam com mimos que não dariam a filhos.

Deste modo, a finalidade primordial do casamento, que é a procriação da espécie humana, segundo mandado de Nosso Senhor Jesus Cristo, não é mais observada, ou o é muito pouco. Além de constituir grave pecado, isso traz como consequência secundária o envelhecimento e declínio da população.

Felizes os tempos em que se via por toda a parte a buliçosa e feliz algazarra de incontáveis crianças, cheias de graça, vitalidade e alegria.

Por isso trazemos hoje à consideração dos nossos leitores o exemplo de duas famílias excepcionais, uma espanhola e outra americana, que receberam como verdadeira bênção do Céu os numerosos filhos que Deus lhes mandou. A primeira teve 18, e a segunda, 13.

«Família Numerosa Europeia de 2015»

A família de José Maria Postigo e Rosa Pich, de Barcelona [foto acima, ao lado e abaixo], foi eleita pela European Large Families Confederation como a Família Numerosa Europeia de 2015, «não tanto pelo número dos seus membros, quanto pelo seu modo de encarar os reveses» da vida. A imprensa espanhola trouxe na ocasião extensas reportagens, nas quais nos baseamos, sobre essa família modelo[i].

Os dois esposos excepcionais que a constituíram vêm também de famílias numerosas. José Maria teve 16 irmãos e Rosa, 14. Por isso sempre sonharam em ter muitos filhos.

Mas isso parecia quase impossível, pois a primeira filha, Carmina, nasceu com severa cardiopatia[ii], tendo os médicos lhe dado poucos anos de vida. Entretanto, ela viveu até aos 22 anos, falecendo depois da licenciatura e acabar um mestrado. Os dois filhos seguintes nasceram com o mesmo problema e não sobreviveram. Por isso os médicos recomendaram ao casal que não tivesse mais filhos.

José Maria e Rosa não seguiram esse conselho. Diz ela: «Ninguém sabe o número de vidas que nos espera na Terra ou no Céu. […]  Se os filhos nascem e os tenho de enterrar, terão tido a oportunidade de salvar-se [pelo baptismo], e sempre serão os meus filhos. Pois a vida não acaba aqui na Terra». E conclui, com muita propriedade: «Estamos a voltar ao nazismo quando decidimos matar os nossos próprios filhos. Há algo no mundo que não está a funcionar bem quando consideramos que o aborto é um direito».

Esta mulher exemplar encontra na religião Católica as forças para enfrentar as vicissitudes da vida: «Somos graças a Deus uma família com fé, porque com tudo o que temos passado, não teríamos podido superar de outra maneira. Depois de enterrar dois filhos em quatro meses, a seguir morreu a mais velha, já com 22 anos, e nos teríamos desfeito de todo se não fosse pela fé que temos».


Com o falecimento de três filhos, restam-lhes ainda 15, o que os torna a família com mais filhos em idade escolar de toda a Espanha. Desses 15 filhos, 8 nasceram com a mesma doença de coração. Alguns curaram-se, outros estão em tratamento. Por esse motivo o casal promoveu uma fundação destinada à investigação da cardiopatia, cujo nome é «Menudos Corazones» (Pequenos Corações).
Muito activo, o casal não se limita a cuidar da sua imensa prole, mas já participou em numerosas reportagens e documentários sobre famílias numerosas. José Maria e Rosa também dão palestras de orientação familiar para ajudar outros pais.

Apesar do trabalho insano com uma família de 17 pessoas, Rosa ainda encontrou tempo para escrever um livro sobre a sua experiência e os segredos da felicidade da sua família «Como ser feliz com 1, 2, 3… filhos» [capa ao lado], que já foi traduzido em seis idiomas europeus. Orgulhosa dos seus inúmeros filhos, ela afirma: «Temos um tesouro que queremos compartilhar com a sociedade».

Como educar tantos filhos? Diz Rosa: «Os sacerdotes devem proporcionar uma direcção espiritual, mas creio que como pais de famílias numerosas temos uma graça especial para educar os nossos filhos e somos responsáveis pela sua educação. Creio que o facto de ter uma família tão numerosa tornou o meu coração maior, porque não só quero a todos os meus filhos, como também aos seus amigos».

Para ela, «não importa o que dizem os que não querem [ter muitos filhos] para não sofrer. As alegrias sempre superam os sofrimentos, e vale a pena lutar por cada segundo de vida. Uns lutam para ter um automóvel, por uma viagem, e eu luto por ter uma família. Se passamos de dois a três, tanto melhor. O que os meus filhos querem é ter muitos irmãos».

É preciso notar que o casal não é rico e vive apenas do seu salário. Por isso cria os filhos com muita austeridade. Rosa, além do trabalho com uma família de 17 pessoas, trabalha meio período numa empresa que organiza eventos. José Maria é consultor de indústrias relacionadas com o comércio de carnes, que produzem, processam e distribuem carne aos centros comerciais. Por isso passa quase o dia inteiro a trabalhar.

Os filhos dormem em dois quartos, em cada um dos quais foram adaptados dois conjuntos com quatro camas superpostas, um para os meninos, outro para as meninas. Não dá para mais. Em cada quarto, um dos irmãos fica como responsável, velando pela boa ordem e os bons modos. Os filhos são educados para agir como uma equipa. Cada um encarrega-se de um irmão menor.

As roupas e os livros escolares passam de filho a filho. A comida é muito frugal, não havendo no frigorífico coisas consideradas supérfluas como chocolates e refrigerantes. Também não há presentes de aniversário. Apesar disso, diz a mãe: «Os meus filhos valorizam muito cada coisa, como se fosse algo único».

Todos devem observar algumas normas. Na cozinha há um quadro com a função de cada um, como pôr, servir e tirar a mesa, pôr o lixo, apagar as luzes etc. E também uma lista de sugestões para se melhorar no dia-a-dia como, aos muito chorões, de «chorar uma só vez por dia», «não ficar amuado», «sorrir mais», «tratar bem o pai» etc.

Algumas coisas estão formalmente proibidas, como fumar ou adquirir uma moto ou telemóvel antes dos 18 anos. Todos se contentam com o que têm e não se sentem inferiorizados pelo que não têm. «Nós pomos alguns limites, diz a mãe, pois não esperamos para dizer-lhes ‘não’ só quando forem adolescentes; mas desde o primeiro momento, ano a ano. E sabem? Os meninos agradecem e os amigos querem ser seus amigos, porque vêem que são generosos e serviçais».

Com tudo isto, todos formam uma família muito feliz. E é uma alegria quando se encontram na hora do jantar. Os 15 irmãos estudam, praticam desporto e almoçam no colégio ou fora. Mas, haja o que houver, a hora do jantar é sagrada. «É quando nos juntamos e comentamos como foi o dia, o que sucedeu a cada um, ajudamos-nos, escutamos-nos e rimos», explica a mãe. Para ela,«cada um é um indivíduo, tem o seu carácter diferenciado e as suas preocupações próprias. Entretanto, ainda que custe crer, conheço muito bem todos os meus filhos».

Muito poucas famílias com menos filhos podem ter semelhante felicidade da situação e a satisfação que tal convívio produz!


*       *       *

Os Fatzingers: família numerosa, um dom de Deus

Rob, 51 anos, e Sam Fatzinger, 48, residentes em Bowie, Maryland, Estados Unidos, têm nada menos que 13 filhos [foto acima e abaixo]. A esposa cuida só da casa, de maneira que eles têm de viver apenas do salário do marido para sustentar uma família de 15 pessoas. Apesar de tudo, foram recebendo os filhos como uma dádiva do Céu.

O seu caso é tão excepcional, que «The Washington Post» dedicou-lhes extensa reportagem com o título: «Como uma família está a enviar 13 filhos à escola, vivendo sem dívidas — e ainda planeja aposentar-se cedo»[iii].

Entretanto, a vida desta família modelo não é assim tão fácil. Os seus chefes não nasceram ricos, e vivem somente do salário e de estrita economia. Desde que se casaram, há 27 anos, começaram a fazer um pecúlio para comprar uma casa. O seu único luxo é comemorar anualmente o aniversário de casamento  num restaurante económico.

Católicos ao estilo antigo, quiseram ter todos os filhos que Deus lhes mandasse, confiando em que, como diz um velho ditado popular, «cada filhinho já nascia trazendo debaixo do braço o seu pãozinho». Ou ainda, «Deus manda o frio conforme o cobertor». Por isso, por mais que a família crescesse, nunca passaram necessidades.

Católicos praticantes, o seu primeiro negócio foi uma livraria Católica. Como não tiveram muito sucesso, fecharam-na em 2000, quando já tinham sete filhos. Rob conseguiu então trabalho testando softwares e, muito aplicado e consciencioso, teve várias promoções, até receber um salário bem razoável. Entretanto, para sustentar a numerosa família, eles economizam no que podem. A esposa procura comprar sempre o que está em promoção, e adapta o seu cardápio de acordo com o que encontra. Nas horas vagas, Rob procura ganhar alguma coisa extra, cortando relva ou fazendo pequenos reparos para os vizinhos. Qualquer tostão é importante para eles.

Com as suas economias puderam dar entrada para a compra de uma casa grande, velha, de cinco quartos. Compraram-na barato, pois estava em tão mal estado, que parecia uma casa mal assombrada. O que levou o sacerdote que foi chamado para benzê-la a perguntar jocosamente: «Devemos fazer nela um exorcismo?»

Como a Providência Divina vela pelas grandes famílias, com a ajuda de parentes e amigos, aos poucos reformaram-na e tornaram a casa habitável. Com o tempo foi até possível acrescentar mais dois dormitórios e aumentar a cozinha. E os donativos foram chegando: um fogão a lenha, um sofá velho, um automóvel usado… Assim, foi possível ter coisas indispensáveis para tanta gente, como dois frigoríficos, dois fogões, duas máquinas de lavar pratos, uma caravana e uma máquina de lavar roupa. E os únicos que estão livres de cuidar da lavagem da enorme quantidade de roupa suja são os dois caçulas, de seis e quatro anos de idade. Evidentemente, como católicos exemplares, fica proibido fazer esse trabalho ao domingo, para observar o preceito.

A mãe ensina aos filhos as primeiras letras em casa, seguindo o bom costume americano do home-schooling. Depois frequentam os ginásios e universidades. «Os meus filhos arranjam empregos logo que têm idade, e aprendem a discernir entre necessidades e desejos. Eles pagam os seus telemóveis, os seus colégios, e até a gasolina que gastam». Eles aprendem a economizar para atender às suas necessidades, pois não têm mesadas.

Entretanto, o admirável êxito desta família não seria possível se não fosse a sua profunda fé: «Sem dúvida, a missa diária é o mais importante [para a família], e também o rosário à tarde, quando é possível, bem como viver o ano litúrgico», diz a mãe. «É difícil responder a isto [hábitos religiosos] em nível familiar, porque quase todos os nossos filhos já são maiores de idade e portanto responsáveis pela sua própria formação na fé. Eles vão aos retiros no instituto [católico] sempre que lhes é possível. […] Aqueles que vão, participam nas aulas sobre a Bíblia e nos grupos de jovens. E os menores são coroinhas». […] «Eu gosto de fazer uma Hora Santa durante a semana, mas foi difícil encontrar tempo por causa da numerosa família, e da minha personalidade. Sou muito madrugadora. Finalmente julguei que a melhor hora para mim [para fazer a Hora Santa] era ao sábado, às cinco horas da manhã».

Rob e Sam estão orgulhosos da sua família. E dão às outras alguns conselhos que as ajudaram a ser felizes: «Sê amável, e aja do modo que convenha à situação da tua família na vida. Ajuda as outras famílias, dá-lhes uma mão com os filhos ou a comida, apoiando-os na oração. […] Ama o pecador e aborrece o pecado. Encontra formas para que as pessoas se voltem para Deus, e sê um exemplo num mundo conturbado para ajudar os demais»[iv].

É certo que as famílias numerosas são mais unidas. Os filhos aproximam-se mais dos pais e ajudam-os a enfrentar as vicissitudes da vida. Por isso é muito difícil ouvir falar de separação entre eles, o que é muito mais frequente nas famílias menos numerosas, e mesmo sem filhos.

Que o belo exemplo de religiosidade e confiança na Providência dessas duas notáveis famílias sirva de inspiração a muitos casais.


[i] http://www.religionenlibertad.com/los-postigopich-18-hijos-en-la-cama-de-papa-y-mama-40617.htm

https://www.facebook.com/comoserfelizconunodostreshijos/

http://www.europapress.es/sociedad/noticia-familia-espanola-18-hijos-premio-familia-numerosa-europea-ano-20151209175448.html

http://www.elmundo.es/sociedad/2015/12/26/56731bbaca47410d658b4590.html

http://www.abc.es/familia/padres-hijos/abci-familia-espanola-18-hijos-premio-familia-numerosa-europea-201512100153_noticia.html

http://www.lavanguardia.com/gente/20160227/4035882214/familia-numerosa-postigo-pich.html

[ii] «alteração na estrutura do coração presente antes mesmo do nascimento. Essas alterações ocorrem enquanto o feto se está desenvolvendo no útero e pode afectar cerca de 1 em cada 100 crianças, segundo dados da American Heart Association. É a alteração congénita mais comum e uma das principais causas de óbito relacionados a malformações congénitas»

http://www.minhavida.com.br/saude/temas/cardiopatia-congenita

[iii] https://www.washingtonpost.com/lifestyle/magazine/13-kids-13-college-educations-not-rich-retiring-early/2016/08/08/3abe7cec-38b4-11e6-a254-2b336e293a3c_story.html

[iv] http://www.religionenlibertad.com/los-postigopich-18-hijos-en-la-cama-de-papa-y-mama-40617.htm

http://ipco.org.br/ipco/tag/familias-numerosas/#.V9KfXo-cGK8