segunda-feira, 30 de abril de 2012

O suicídio e a actual crise económica


Pedro Afonso, médico psiquiatra








De acordo com os números do Instituto Nacional de Estatística, em 2010 as mortes por suicídio em Portugal ultrapassaram pela primeira vez, os óbitos provocados por acidentes rodoviários. Neste caso, ocorreram no nosso país 1101 óbitos por suicídio, mais 86 do que as mortes registadas em acidentes nas estradas durante o mesmo período.

Desde a «grande depressão», com início em 1929 nos EUA, que se conhece a relação entre a crise económica e o aumento do número de suicídios. Ora, considerando o crescimento da taxa de desemprego para cerca de 15%, as dificuldades económicas da população e o consequente acréscimo dos casos de depressão, existem sérios riscos de ocorrer no nosso país um aumento exponencial do número de suicídios. Um estudo publicado em 2009, na revista Lancet, revelou que na UE cada aumento de 1% do desemprego está associado a uma subida de 0,8% de suicídios. Além disso, verificou-se que um aumento superior a 3% na taxa de desemprego encontra-se associada a um acréscimo de 4,5% de suicídios.

Mas será que este aumento do número de suicídios poderá ser evitado? Existem pelo menos dois países da UE que conseguiram alcançar este objectivo. Na Suécia, o desemprego aumentou de 2,1% para 5,7 % entre 1991 e 1992, mas apesar disso a taxa de suicídios diminuiu. Por sua vez, na Finlândia, o desemprego aumentou de 3,2% para 16,6% entre 1990 e 1993 e as taxas de suicídios diminuíram ano após ano. Este sucesso pode ser em grande parte explicado pelo facto de ambos os países disporem de um forte modelo de protecção social e terem implementado programas de estímulo à procura e criação de emprego, a par de possuírem bons cuidados de saúde mental.

O aumento das doenças psiquiátricas associadas à crise económica é um problema que terá de ser monitorizado pelo governo, devendo ser tomadas algumas medidas que podem salvar vidas. Por exemplo, os serviços de saúde devem acompanhar as situações mais dramáticas, como são os casos em que ambos os elementos do casal estão desempregados, ou quando existem filhos menores que podem sofrer graves carências com o empobrecimento dos pais. De resto, umas das maiores humilhações que o ser humano pode sofrer é não conseguir garantir a alimentação dos seus próprios filhos.

Sabendo que a crise veio para durar, já não se trata de solicitar aos portugueses que façam alguns sacrifícios, trata-se de lhes pedir que acatem resignadamente uma vida servil de constante provações, exigindo por vezes que ultrapassem os limites do suportável da sua saúde mental. Talvez por isso é que tomo cada vez mais consciência do sentimento de impotência perante muitos casos de depressão e sinto uma força irreprimível de escrever a palavra «fome» no diagnóstico psiquiátrico da ficha de observação.

O pior sinal que poderíamos dar actualmente ao mundo seria o de uma sociedade que se resigna perante o sofrimento dos mais fracos e que permanece impassível face à sua própria destruição. A indiferença política diante do aumento do número de suicídios, no contexto da presente crise económica, pode tornar-se perigosa, pois corrompe o tecido social e exprime a renúncia a um importante compromisso: o compromisso com o futuro.

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