quinta-feira, 7 de janeiro de 2016


Filhos amigos


Inês Teotónio Pereira, Jornal i, 5 de Janeiro de 2016

Os meus filhos mais velhos já não querem ir comigo ao cinema – estou no chão, verdadeira e emocionalmente de rastos

Os meus filhos mais velhos já não querem ir comigo ao cinema – estou no chão, verdadeira e emocionalmente de rastos. Durante anos era eu que não queria ir ao cinema com eles, agora são eles que não querem ir comigo. Assim, sem mais nem menos, deixaram de querer. Foi de um dia para o outro: «quem é que quer ir ver a Guerra da Estrelas?». Só os mais novos saltaram de alegria, os outros, os que percebem alguma coisa do filme, disfarçaram como se os tivesse a convidar para irmos ouvir uma conferência sobre Física Molecular e de forma condescendente, num notável esforço de boa educação, disseram que até poderiam fazer-me a companhia se eu não tivesse com quem ir. Não quis acreditar: companhia faz-se aos velhinhos. O meu orgulho, a minha auto-estima e minha segurança foi abalada atingindo níveis verdadeiramente precários. Foi então que me senti como aquelas velhinhas que os filhos levam a passear ao café e falam de forma impaciente quando elas não se decidem em que mesa se querem sentar ou qual o bolo que querem comer. Estou quase lá, pensei eu.

É inegavelmente uma situação de injustiça. Agora, que estes meus filhos chegaram a uma idade em que já se consegue ter uma conversa com pés e cabeça, em que já conseguimos rir das mesmas coisas e em que até gostamos dos mesmos filmes, eles descartam-me. Agora, que eu até estava disposta a estreitar uma relação de amizade com eles e não apenas a estreitar uma relação maternal em que predomina a hierarquia e a autoridade, eles têm o desplante, a lata, de me trocarem por um bando de miúdos da idade deles com muito menos interesse que eu.

Foram anos a aturar versões dobradas dos filmes animados, horas passadas nas filas do McDonald, dias inteiros em que o meu objectivo era apenas que eles se divertissem na serra, na praia, nos parques. Foram fins de semana alucinantes que serviram para tudo menos para descansar. E quando uma pessoa pensa que pronto, acabou, agora já posso sair com eles sem ser por puro altruísmo, agora já posso divertir-me com eles, pumba, fecham-nos a porta na cara. «Desculpa lá, mas vai lá à tua vidinha, arranja uns amigos da tua idade que eu vou-me divertir com os meus». E pronto.

Basicamente eles não querem misturas: mãe é mãe, amigos são amigos. Cada macaco no seu galho. De mim eles esperam dinheiro, comida, roupa, educação, ordens, castigos, compreensão, perdão e que lhes lave as cuecas e as meias. Coisa pouca, portanto. Dos amigos esperam divertimento o que inclui a ida ao cinema. Misturar as duas coisas – mãe e divertimento – desequilibra-lhes o lítio.

Entrei assim, desta forma abrupta, na adolescência maternal, na idade do armário das mães: a do orgulho. Agora sou eu e apenas eu e não preciso destes adolescentes para nada. Estou a reconquistar a minha independência e como é óbvio o meu humor varia ao longo do dia em oscilações repentinas tal como o dos adolescentes. Já não sou condescendente nem deixo que estes pirralhos me atrapalhem os fins-de-semana. Não tenho borbulhas, é certo, mas sinto alguma revolta típica de uma generation gap. Quero liberdade mas sinto ainda alguma dependência. Estou em processo de crescimento, vá. Sobram-me os meus filhos mais novos e com estes ainda tenho de ir ao cinema (ver filmes que tenham V.P. depois do título). Sofro, portanto, e para agravar o meu estado, de bipolaridade materna.

Mas o pior disto tudo é que ainda não vi a Guerra das Estrelas e os ingratos dos meus filhos mais velhos já viram. Às minhas custas, claro. Tenho mesmo de crescer.





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