Inês Teotónio Pereira,
ionline, 2 de Janeiro de 2016
Já não deve faltar muito até chegarmos todos à
conclusão de que afinal quem nasceu no dia 25 de Dezembro foi o Pai Natal. O
resto são lendas…
Fui com os meus filhos a uma das dezenas de aldeias
de Natal que hoje em dia fazem concorrência às rotundas que as câmaras tanto
gostam de inaugurar ou às feiras medievais importadas de Espanha que durante o
Verão fazem de nós todos parvos.
As aldeias de Natal são o novo fenómeno municipal e
como eu não perco fenómenos, peguei na criançada e fui ver. Eu e mais milhares
de famílias. Foi giro: vimos duendes, renas, fadas, mais uns duendes e uma
fadas, uns palhaços e umas casinhas com neve a fingir no telhado, mais uns
duendes e umas fadas, também vimos umas árvores de Natal, bonecos de neve,
presentes embrulhados e mais renas. A coisa correu bem: não houve birras nem
lutas. No fim ainda consegui negociar com os meus filhos e eles condescenderem
não irmos para a fila tirar uma fotografia com o Pai Natal em troca de um bolo
que comprei para cada um. Tivemos ainda a sorte de comer o bolo ao lado do Pai
Natal que fugiu do seu cadeirão e das criancinha para ir beber uma
imperial e fumar um merecido cigarro. Por sorte calhou irmos todos ao mesmo
café e os meus filhos ficaram embasbacados ao verem a facilidade com que ele
desprendeu a barba para beber a cerveja num só trago. São estas as memórias que
ficam.
No caminho de volta, vimos as mesmas coisas mas só
então reparei que até havia guloseimas a ornamentar os pitorescos canteiros do
jardim. Até que eu, uma beata, fanática, conservadora ou mesmo neoliberal,
resolvi perguntar a um dos organizadores: «Olhe, desculpe, o presépio
está onde?». O rapaz olhou para mim como se eu lhe tivesse
perguntado quem ganhou as eleições e atrapalhado respondeu: «Não há...
São só coisas de Natal». Os meus filhos, que já estão na idade de
terem vergonha dos pais, coraram, o rapaz também e eu constatei que os
portugueses são de costumes tão brandos mas tão brandos que se ficaram pela
brandura da bonecada e deixaram o Natal para os fundamentalistas religiosos.
Como estava com os meus filhos tive de fazer o
papel de mãe e não pude deixar de exclamar indignada: «Incrível: isto é o mesmo
que fazer uma festa de anos e não convidar o aniversariante!». Eles
ficaram a olhar para mim. Continuei a insultar tudo e todos até que um deles
disse: «Mas mãe, isto hoje em dia é mesmo assim: um amigo meu nem
sequer sabe o que se festeja na Páscoa». Chateou-me o
«hoje em dia», onde se podia ler «estás out, cota». Mas calei-me: contra factos
não há argumentos e tendo em conta que a autarquia organizadora da aldeia
representa os munícipes e para os munícipes o Natal é bonecada, está tudo bem.
Ali quem estava desajustada era eu, concluí.
A verdade é que o Natal está fora de moda. Já não é
moda ir à missa do Galo ou falar do nascimento de Jesus. Um presépio no
meio dos duendes fica objectivamente mal. A árvore de Natal substituiu o
presépio e o Pai Natal o Menino Jesus. Já é com alguma dificuldade que
apanhamos filmes épicos na televisão tipo Quo Vadis ou as
Sandálias do Pescador e estamos apenas presos ao significado natalício
televisivo pelos fios frágeis da Música no Coração ou do Sozinho em Casa. Hoje
em dia Natal é neve, gelo e duendes. Já nem sequer é azeite Galo: é sushi. Sushi em família, vá.
Há países onde é proibido festejar o Natal ou ir à
missa e onde se é morto por se ser um cristão; há outros onde é proibido
enfeitar montras, montar iluminações ou decorar as ruas com qualquer coisa
alusiva ao Natal para não «ofender» outras religiões.
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