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Há que salientar, porém, que os malefícios da maternidade de substituição não decorrem apenas, nem principalmente, da sua eventual exploração lucrativa e que a experiência de outros países tem revelado a extrema dificuldade em impedir a comercialização encapotada por detrás da suposta não onerosidade dos contratos.
O filho nunca deixa de sentir o abandono da «mãe de substituição». Cada vez se conhece melhor os intercâmbios entre a mãe gestante e o feto e a importância desse intercâmbio para o salutar desenvolvimento físico, psicológico e afectivo deste. Esse intercâmbio ajuda a construir a própria identidade da criança. Esta não poderá experimentar a segurança de reconhecer, depois do nascimento, o corpo onde habitou durante vários meses.
A «mãe de substituição» também sofre graves danos porque uma qualquer mulher não fica indiferente ao que lhe acontece quando está grávida. Este estado não é uma actividade como qualquer outra; transforma a vida da mulher física, psicológica e moralmente. Esta não pode deixar de viver a gravidez como sua e de sofrer com o abandono do filho. É, por isso, compreensível que, mais tarde, queira ter o direito de visitar o seu filho (e o que lhe responder, então, quando a lei lhe nega esse direito?). O útero é inseparável do corpo e da pessoa, não é um alojamento temporário, ou um instrumento técnico.
Dir-se-á que tudo isto já sucede quando uma criança é abandonada ou «dada» para adopção. Mas essa é uma situação que não pode ser evitada (se tal fosse possível, seria evitada). Aqui, estamos perante um abandono deliberadamente programado, institucionalizado pela lei, que veda a obrigação mais natural que existe: a de assumir a vida que se gerou.
A investigação empírica vem demonstrando que, quase sempre, só situações de grande carência económica (não o altruísmo) levem mulheres a sujeitar-se a tão traumatizante experiência (não é por caso que a prática se vem difundindo na Índia). A «compensação de despesas» acaba por ter efeitos idênticos aos do pagamento. E será sempre difícil o controlo judicial de compensações indirectas ou não monetárias.
Na instrução da Congregação para a Doutrina da Fé Domum Vitae, de 1987, afirma-se (II, A, 3), a respeito da «maternidade de substituição», que «representa falta objectiva contra as obrigações do amor materno, da fidelidade conjugal e da maternidade responsável; ofende a dignidade e o direito do filho a ser concebido, levado no seio, posto ao mundo e educado pelos próprios pais; em detrimento da família, instaura divisão entre os elementos físicos, psíquicos e morais que a constituem». Mais genericamente, também aí se afirma (II, B, 8), a respeito do pretenso «direito ao filho» frequentemente invocado para justificar esta prática: «Um verdadeiro e próprio direito ao filho seria contrário e sua dignidade e à sua natureza. O filho não é algo devido e não pode ser considerado como objecto de propriedade; é um dom, ''o maior'' e o mais gratuito dom do matrimónio, e é testemunho vivo da doação recíproca dos seus pais.»
Mas a oposição à legalização desta prática vem também de sectores ditos «progressistas» e «de esquerda», que a consideram um grave retrocesso social. É o que faz, de forma muito categórica, o documento Mères Porteuses; Extension du Domaine de l´Aliénation elaborado no âmbito da fundação Terra Nova – La Fondation Progressiste. Nele se afirma que a maternidade de substituição representa «a mais recente e a mais chocante das extensões do domínio da alienação», ou seja, da coisificação e instrumentalização da pessoa, assim ferida na sua iminente dignidade. E de que são principais vítimas as mulheres mais pobres.
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