quarta-feira, 7 de abril de 2010

A outra face da eutanásia: a eugenia

Entrevista com o padre Gonzalo Miranda

Matar crianças com critérios selectivos: assim se traduz, segundo o padre Gonzalo Miranda, decano da Faculdade de Bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (de Roma), a decisão da Holanda de permitir a eutanásia de crianças.
Infelizmente todas as preocupações surgidas a respeito da legislação holandesa sobre a eutanásia estão a verificar-se tragicamente», reconhece nesta entrevista concedida a Zenit o padre Miranda, que representou a Igreja Católica no Comité Internacional de Bioética da UNESCO, encarregado de redigir uma Declaração sobre Normas Universais de Bioética.
Dia 30 de agosto a Justiça desse país permitiu que o Hospital Universitário de Groningen induzisse à morte menores de doze anos, inclusive os recém-nascidos, quando sofrerem de uma enfermidade incurável e um sofrimento insuportável. A prática da eutanásia já está regulamentada no país pela lei de abril de 2002.

-- A que se refere?

-- Pe. Miranda: Uma vez que se estabelece o princípio segundo o qual se pode matar um ser humano porque ele sofre, então logicamente isso se estende a todos os que sofrem. Se se mata um ser humano que pede isso, pode-se aplicar a todos os seres humanos que pedirem, ainda que não sofram.

Quando se começou a discutir a eutanásia na Holanda e em outros países, muitos assinalaram o perigo de deslizar-se para o pior, e os defensores da medida disseram que não ocorreria, e ao contrário... muitos iniciaram em 1993 com a despenalização da eutanásia, e em seguida saiu a lei que se estendeu às crianças de 12 anos em diante.
Pese à oposição da opinião pública, a somente dois anos daquela lei já estamos ante a aplicação a todos os nascidos sem nenhum tipo de consentimento informado por parte do interessado.
Queria sublinhar que se trata do homicídio voluntário de um ser humano que não pode se pronunciar. Homicídio voluntário de um ser humano que não pode dizer o que pensa.

-- O Papa João Paulo II interveio frequentemente para alertar a comunidade internacional dos perigos da «cultura da morte». Que «cultura» é essa?

-- Pe. Miranda: Não se trata de dizer que nossa sociedade está sedenta de sangue e morte; não é isso; mais ainda é uma cultura na qual a morte se vê como a solução para problemas que não sabemos tratar de outro modo.
Problemas que não sabemos tratar porque perdemos a generosidade, a capacidade de acompanhar quem sofre.
Neste caso é evidente: mata-se como solução as crianças que sofrem. A alternativa seria a de acompanhar estas crianças, ajudá-las a não sofrer, e isto custa, tanto económica como emocionalmente.


-- Mas o sofrimento extremo pode levar as pessoas a pedirem a morte?

-- Pe. Miranda: Uma coisa é dizer, em momentos de desespero, que se deseja a morte, e isto é um sentimento humano. Outra coisa é decidir morrer.
Quem pode decidir que tua vida não vale a pena ser vivida, que o melhor que se pode fazer é que morrer? Aqui não se trata de uma inovação da morte, mas do homicídio voluntário do outro.
O desejo emotivo, psicológico, da morte é encontrado inclusive na Sagrada Escritura. Jeremias e Jó, turbados pelo sofrimento, maldizem o dia de seu próprio nascimento. «Oh, que não me tenha feito morrer desde o ventre, e tivesse sido minha mãe minha sepultura (...)! Para que ter nascido do seio, a ver pena e aflição, e a consumir-se na vergonha meus dias? (Jr 20, 14-18).
E também: «Para que dar à luz um desdito, a vida aos que têm amarga a alma, aos que anseiam a morte que não chega e escavam em sua busca mais que por um tesouro, aos que se alegram ante o túmulo(...)? (Jó 3, 20-22).
Trata-se de um sentimento humano que qualquer um pode ter. Enquanto que aqui é Caim quem decide o assassinato do irmão.
Agora o médico, junto aos pais, poderia decidir eliminar as crianças que, segundo aqueles, não deveriam viver.

-- Vários artigos de imprensa recolhem as declarações de um médico holandês que sustenta que se trata de um procedimento a ser aplicado com muito rigor. Que opina?

-- Pe. Miranda: O tema é muito perigoso porque se trata de um rigor técnico, não de um rigor moral. Significa aplicar procedimentos técnicos rigorosos. Também os nazis praticavam a eutanásia com extremo rigor.
No início dos anos 90 convidaram-me a uma reunião mundial de neurocirurgiões para discutir o que fazer quando nasce uma criança com uma enfermidade que chamada «mielomelingocele», uma afecção neurológica muito grave.
Do debate surgiram duas posturas contrapostas. Por um lado, um médico israelita que intervinha cirurgicamente nas crianças com resultados excelentes. Os pacientes tinham de receber acompanhamento, mas levavam uma vida mais normal.
Por outro lado, um médico holandês que explicou como, na clínica onde trabalhava, as crianças afectadas por esta enfermidade eram eliminadas com a administração de uma substância letal.
Só depois de ouvir uma palestra sobre o que é a pessoa humana este último médico confessou que talvez havia que pôr em discussão tal prática.
Frente à mesma enfermidade, alguns médicos intervieram cirurgicamente e outros ao contrário optavam pela morte, que agora é também legal.
O aspecto mais horripilante desta história é ver com que superficialidade e banalidade se decide matar as crianças.

-- De um ponto de vista civil e moral, como se pode valorizar esta decisão da magistratura holandesa?

-- Pe. Miranda: Estão a comportar-se como se fazia em Esparta, a matar as crianças com critérios selectivos. As batalhas levadas a cabo durante séculos sobre a reivindicação dos direitos humanos parecem anuladas frente a estas decisões.
Estamos ante a negação do pensamento judaico-cristão. Na tradição do pensamento ocidental, uma pessoa tem um valor intrínseco pelo simples fato de ser um ser humano.
No momento em que se considera que por suas condições «não vale» a pena, então é eliminado; em suma, qualquer um decide matar.

-- Fala-se de uma reaparição da mentalidade eugénica...

-- Pe. Miranda: Esta mentalidade eugénica já está aplicada com a prática do aborto. Se houvesse um diagnóstico que tivesse descoberto a enfermidade durante a gravidez, provavelmente a criança nunca teria nascido.
Como escapou a este controlo então se pratica a eutanásia depois do nascimento. Trata-se de uma prática com a qual são eliminados os seres humanos considerados «não válidos». Exatamente uma prática eugénica de eliminação do que alguns valorizam como «defeituosos».


-- O jornal romano La Repubblica (31 de agosto de 2004) sustenta que a situação holandesa é «diferente da eugenia nazi», porque «os médicos hitlerianos suprimiam à força com injeções letais crianças sadias porque eram judaicas ou ciganas...».

-- Pe. Miranda: Lamentavelmente o artigo publicado por La Repubblica oferece informações erradas. Também na Holanda se suprimem crianças com injeções letais. Também o autor do artigo talvez não saiba que o programa de eutanásia de Hitler estava rigorosamente reservado aos alemães, e só mais tarde foi estendido às outras etnias.
O programa nazi orientava-se para crianças nascidas com enfermidades que, segundo o seu ponto de vista, ameaçavam a integridade física.
O primeiro caso de eutanásia foi praticado em um menino que tinha lábio leporino. Ocorreu a pedido dos pais, que temendo que tivesse uma vida infeliz pediram ajuda aos médicos do regime hitleriano, que aconselharam a eutanásia.










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