quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Propaganda que explora saudades do passado revela tendências sociais e religiosas do futuro


Pão, foie gras, confitura, licor, a promessa de sucesso é que «são feitos como antes».

Luis Dufaur, Luzes de Esperança, 5 de Fevereiro de 2019

O marketing ou técnica (nem sempre muito verdadeiro nem leal) para empurrar a venda de um produto, está obrigado a impressionar os eventuais compradores.

Com esse objectivo procura sondar as apetências profundas dos consumidores para atraí-los (ou enganá-los).

E as empresas de marketing constataram que no momento presente é ledo engano achar que as apetências profundas do público evolucionam a uma velocidade vertiginosa para o mais moderno, recusando a tradição, o passado e os gostos antigos que evocam tempos antigos.

Sorveteria em Buenos Aires empolga clientes restaurando casas nobres de estilo.
Hoje essas empresas estão adaptando as suas propagandas (ou enganações) ao denominado «marketing da nostalgia», isto é procuram apresentar «marcas que apostam no retorno às origens».Os seus astuciosos «gurus» descobrem que «as lembranças do passado podem funcionar como refúgio e espaço de segurança para muitos», escreveu «La Nación» de Buenos Aires após ouvir diversos especialistas e analisar novas campanhas publicitárias.

Essa nostalgia fala no fundo das cabeças que nos tempos passados «tudo era melhor», e não leva para o mais ousado e inovador. Ali estaria o segredo das marcas que conseguem ligar-se com o seu público-alvo.

A Nike relançou o seu boom dos anos 80, as Nike Air Max; a Adidas criou a linha Adidas Originais que recupera os clássicos modelos dos anos 70 e 80 do século passado.

Loja de Saumur monta padarias para parecerem artesanais.
E quando a Nintendo ressuscitou a sua clássica plataforma modelo de 1997, nos EUA as filas de compradores ficaram intermináveis.

A Polaroid prossegue vendendo câmaras de fotos instantâneas que há décadas se dizia extintas.

Carolina del Hoyo, directora de inovação da multinacional Danone afirma: «Vemos a tendência de retorno dos produtos ou marcas que procuram revalorizar a história ou o conceito que os fizeram únicos».

Esse tipo de produtos, há poucas décadas praticamente tinham desaparecido ou era difícil encontrá-los, acrescenta. «Hoje, estão novamente na ‘moda’ e nas prateleiras dos grandes supermercados».

A padaria «Le Pain Gascon» atrai usando um forno da época de Luis XV, precisamente de 1765.
Julia Kaiser, coordenadora de estratégia da Havas Argentina, explica tratar-se de uma contratendência que recusa a rapidez, o industrializado, a necessidade induzida de novidade e da inovação constante.

«As pessoas gostam de voltar ao que é familiar. Àquilo que apela ao sentimento muito primitivo e muito humano do conforto caseiro», acrescenta.

La Nación» chama a isso de «furor nostálgico».

Sorveteiro em Paris verificou que carro antigo atrai mais que moderno.
E que o sorvete não pode ter nenhum elemento de fábrica.
Por exemplo a firma de lácteos La Serenísima lançou um iogurte com a receita original de não se sabe qual o século e a mensagem de marketing é «voltar a prová-lo pela primeira vez» procurando relembrar as impressões que tivemos quando éramos crianças.

«Trata-se da valorização do melhor de outros tempos, que nos convida a voltar às nossas origens e comemorar o passado com um olhar hodierno.

«Nós procuramos gerar esse impacto nos nossos consumidores, especialmente os adultos, convidando-os a relembrar com a marca que os viu nascer e que estava na mesa de todos os dias», acrescentou Del Hoyo.

Feiras com produtos de granja artesanais atraem até os maiores chefs de França.
Esta é em Orthez.
A empresa argentina Siam relançou uma linha de geladeiras com estética da metade do século passado. Olmos oferece bicicletas tipo retro.

A fábrica Ledesma vende o seu açúcar mais selecto garantindo que não foi processado nem refinado, e a cervejaria Quilmes do grupo AmBev ofereceu a receita original sem conservantes. Foi logo imitada pela competição.

Basta sair à rua para encontrar o Fusca (adaptado à modernidade) mas que evoca o modelo original alemão de inícios dos anos 30, quase um século!

Propaganda em jornal espanhol do «carro mais amado em todos os tempos».
A versão 500 actualizada percorre as ruas de São Paulo.
A Fiat relançou o Fiat 500, a Cinquecento de 1967, e o retro PT Cruiser teve que ceder-lhe a linha na fábrica do México para atender à procura nos EUA!

A Citroën pensa fazer o mesmo com o 2CV, o «deux chevaux».

O mini-Cooper anda solto nas ruas de São Paulo, e o Jeep da II Guerra Mundial, bem actualizado, bate recorde de vendas no Brasil.

As pessoas procuram sempre coisas genuínas de marca (o «Fusca original»), que tenha história no produtor, que seja clássico, tradicional.

Secos e molhados em Mallorca, Espanha. Conferindo serem artesanais.
Na cerveja é típico.

A tida como melhor do mundo é feita na Bélgica por monges cistercienses.

Esses elaboram uma quantidade limitada para sustentar o convento e só vendem numa data definida do ano.

Nessa data a polícia rodoviária belga precisa montar um esquema especial pois todas as estradas que levam à abadia ficam super-lotadas.

A essas noções acresce no caso dos alimentos a exigência de comestíveis mais saudáveis.

Percorra as prateleiras dos supermercados e conte quantos produtos fazem questão de exibir o selo «tradicional», original, da fórmula da avó, o lácteo «da fazenda», e por isso mais saudáveis.

Em França entrei em padarias que garantiam que a farinha vinha de moinhos que moíam o trigo com roda de pedra como na Idade Média.

Queijarias que se ufanavam de vender o camembert feito com todos os micro-organismos proibidas pela União Europeia; restaurantes que ofereciam a carne ou o frango engordado sem ração.

Paris o camembert de «leite cru»
com todos os micro-organismos proibidos pela modernidade vendendo-se aos montes, e barato!
Nas casas de vinhos, licores sem conservantes, aditivos, corantes, perfumantes, estabilizantes e ainda outras químicas, etc.

O «marketing da nostalgia» está a ficar rei em tudo onde ainda não o é, e invade até as farmácias.

Desde «quero o meu Brasil de volta» na política até a receita original no supermercado, o tradicional gera empatia e é bem recebido.

Para Julia Kaiser, «está estabelecido um acordo tácito por onde o consumidor entende que a receita original é melhor que a receita que veio depois.

«No imaginário social a sensação é que o que se fazia antes era mais puro e o que se faz agora é mais artificial». Amém.

Um estudo da marqueteira planetária Nielsen, constatou que as emoções e a resposta cerebral dos consumidores diante das marcas tradicionais não só aceleram as palpitações do coração, mas agem como disparador de vendas muito eficaz: 23% a mais.

Quando a marca argentina Quilmes, a maior cervejaria do país que pertence à AmBev, restaurou a receita original as reações positivas foram instantâneas.

Westvleteren XII é a mais medieval, feita por monges.
A corrida é imediata, porque dizem é a melhor do mundo!
«Quando comunicámos que tínhamos retornado à receita original sem conservantes, as vendas e o consumo cresceram no mesmo mês. As repercussões foram muito boas e super-rápidas», afirmou Giannina Galanti Podesta, directora da marca.

A Disney começou a fazer o remake dos seus grandes êxitos de outrora, A Bela e a Besta vendeu entradas por mais de um bilhão de dólares na sua primeira semana de 2017.

Diante desse resultado, a mega-empresa de entretenimento planejou apostar forte nos seus filmes clássicos refeitos para 2019.

Outro flagrante numa rua de Paris: a tendência é mostrar-se o menos moderno e o mais tradicional.
Mas, se isto é assim em quase todos os campos da actividade humana, não estará a acontecer o mesmo em matéria de religião?

O «marketing da nostalgia» detectou movimentos colectivos, aspirações e desejos da alma humana que procura explorar, mas não foi ele que os criou.

Então se isso for assim, não estamos perto do dia em que os homens preferirão pagar cara a passagem para visitar a catedral gótica de Paris antes do que entrar na catedral de Brasília; em que preferirão o canto gregoriano a zoeira religiosa dos templos modernos; então se sentirão mais atraídos pelo Concilio de Trento do que pelo Vaticano II; e poderão preferir um São Gregório VII na Cátedra de Pedro ao Papa Francisco I?

A série de Marie Kondo para pôr ordem em tudo faz furor.
Ela defende que a ordem na casa, na geladeira, no telemóvel faz bem mentalmente.
A pergunta poderia estender-se por muitas páginas.

Uma jovem deputada federal recém-eleita declarou à imprensa que o seu herói preferido é Godofredo de Bouillon.

Aonde foram parar os Beatles ou os Rolling Stones, esses trisavôs sem continuadores?

Só falta que as multidões clamem pela volta de Dom Sebastião, de Santa Joanna d’Arco, de Carlos Magno, de São Luis da França ou de São Domingos de Gusmão inquisidor.

E então?





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