Isabel Galriça
Neto, Observador, 22 de Fevereiro
de 2017
Na Holanda em 2015 praticou-se uma
eutanásia a cada hora e meia. De pessoas com doença mental, pessoas que não
pediram para morrer, pessoas sem situações de terminalidade, pessoas cansadas
de viver.
Neste debate sobre a legalização da
eutanásia defendemos a inviolabilidade da Vida humana, o respeito pela
Dignidade e pela Liberdade.
Este não é de todo um debate
confessional – como querem fazer crer —, talvez para acentuar um preconceito
subtil de que sendo um debate religioso seria uma coisa retrógrada, um
preconceito que confunde a sociedade laica em que vivemos com uma sociedade
anti-religiosa. O debate, ainda que politizado, é claramente sobre que valores
queremos ter na sociedade moderna para dar resposta ao sofrimento dos mais
vulneráveis.
Defendemos a protecção da vida e a
Dignidade. Entendemos que não é preciso escolher ser morto por outro para ter
Dignidade na morte, aliás ser morto por outra pessoa é provavelmente a forma
menos digna de se morrer. Defendemos a Dignidade enquanto valor intrínseco e
patrimonial inegociável do ser Humano, pelo que para nós, e independentemente
das circunstâncias, não há vidas que valem a pena ser vividas e outras não. É a
vida que deve ter Dignidade, até ao fim, existindo hoje indicações rigorosas e
meios de intervenção claros que não permitem que se prolongue a vida das
pessoas com doenças avançadas e em sofrimento à custa de mais sofrimento com
tratamentos inúteis.
Numa matéria literalmente de vida ou
de morte como esta, com a relevância que a rodeia, não são admissíveis
imprecisões e eufemismos que enviesam o debate, acrescem demagogia e pouco
esclarecem: por exemplo, não se trata de um direito a morrer nem de uma morte
assistida – trata-se sim de criar um pretenso direito a ser morto por outra
pessoa; não se trata de morte digna – mal estaríamos se apenas os homicídios a
pedido definissem a dignidade na morte; e não se trata de abranger apenas
situações de fim de vida, pois no articulado do ante-projecto não são
claramente excluídas outras situações de sofrimento, como situações de
sofrimento existencial e com muito tempo de vida pela frente. Faz-se crer que
serão situações de excepcionalidade, que depois o próprio articulado não
permite de todo garantir.
Defende-se uma certa visão
distorcida da Autonomia, em nosso entender irrealista e incorrecta: a ideia de
que a autonomia é igual a uma autodeterminação absoluta em que o individualismo
se estabelece e se ignoram as consequências do exercício das liberdades no Bem
Comum. Se a autonomia fosse um valor absoluto, não seriam recusados pedidos nem
se reservaria esta opção apenas para situações de fim de vida, e não seriam
médicos a aprovar a decisão, esses sim os verdadeiros decisores que vêem o seu
poder reforçado. A eventual legitimação e aplicação das propostas defendidas
levaria a uma aparente «normalização» do matar a pedido e a uma banalização
daquilo que consideramos um retrocesso na nossa sociedade. O que se iria impor
seria uma visão apoucada do ser humano, que teria consequências perigosas no
Bem comum, pois é isso que acontece quando se fazem leis deste tipo nos poucos
países europeus que as têm, e se permite que sejam mortas milhares de pessoas
por ano – uma eutanásia a cada hora e meia na Holanda em 2015 –, pessoas com
doença mental, pessoas que não pediram para morrer, pessoas sem situações de
terminalidade, pessoas cansadas de viver.
Defendemos uma sociedade moderna, que tem na
protecção da vida o alicerce dos Direitos Humanos, uma sociedade que não
descarta os mais vulneráveis e lhes amplia horizontes. Para nós, o problema do
sofrimento em fim de vida trata-se cuidando e não eliminando aquele que sofre.
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