Inês Teotónio Pereira, Diário de Notícias, 5 de Março de 2016
A minha filha tem uma voz fininha que até podia achar
esganiçada se não estivesse a falar da minha filha. Ela é muito delicada, amua
e reclama que é muito sensível. Tem pânico de aranhas e quer ser educadora de
infância. Adora vestir-se de princesa e fica horas na casa de banho a
pentear-se. Ela e as amigas gostam de brincar aos cabeleireiros e sentam-se nos
cantinhos a falar e a rir de tudo e por nada.
A minha filha cresceu com cinco irmãos a infernizar-lhe a
vida e ela a vida deles. Ao princípio, quando era mais pequenina, queria ser
maria-rapaz já que não podia ser rapaz – uma injustiça. Mas ela combatia a
injustiça: batia nos rapazes, gritava mais do que eles e levava uma bola para a
escola. E lá ia ela, com a voz esganiçada, medo de aranhas e bola debaixo do
braço. Acabou por desistir da bola porque, dizia: tiravam-na dos pés só por ela
ser rapariga.
Lá está. Quando a minha filha soube que o último irmão
seria rapaz, chorou. Perguntámos
pela razão do desgosto, já que ela seria sempre a única menina. Sem concorrência.
Mas ela só chorava. Até que gritou: «Eu queria ter uma irmã para poder brincar
com coisas de meninas.»
Ups... Mas o que é isto? Isto é sinal de que a minha
filha padece de «atitude discriminatória que reforça os estereótipos de
género», como diz a secretária de Estado da Igualdade – uma feroz opositora da
«prática de dividir brinquedos por sexo». A minha filha discrimina, divide. Ela
nunca gostou de carrinhos ou de futebol – coisas de rapazes, diz. E eles? Eles
também. Eles, Deus lhes perdoe, não apreciam a Barbie e evitam pintar as unhas.
Só há uma solução para isto: acabar com os Happy Meals
discriminatórios – óbvio, o fim da divisão das roupas, das palavras, mães e
pais e tudo o que se divida na cabeça da secretária de Estado da Igualdade. Já
agora, quando é que escolhem um homem para esta pasta?
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