terça-feira, 24 de novembro de 2015


O terrorismo e as nossas crianças


Inês Teotónio Pereira, Ionline, 21 de Novembro de 2015

Os maus estão na televisão e na playstation. É fantasia, portanto. No mundo real não há maldade, há injustiças criadas pela nossa civilização

Fico sempre enjoada quando alguém pretende justificar barbaridades como ataques terroristas com teses sobre a falência do Estado social, as desigualdades, o desemprego, a pobreza, a falta de valores do Ocidente, os jogos violentos, etc. Ou seja, que a culpa dos atentados é, em última análise, das vítimas. É nossa. Isto não só é estúpido e enjoativo como é comum e perigoso. E é perigoso porque é assim que se vão educando animadamente as nossas crianças. Os nossos filhos são educados pelo grande educador social que é o politicamente correcto, segundo o qual o mal não existe. Os maus estão todos na televisão e nos jogos da playstation. É fantasia, portanto. No mundo real não há maldade, há injustiças criadas pela nossa civilização. Matar é um acto insano, não é uma maldade; fazer explodir uma bomba é desespero, não é crueldade; é na raiz do problema que se combate o problema, e não na resposta à violência.

Os meus filhos sofrem com esta tese. Eles não têm medo de nada. Acham que são imortais, imbatíveis, e que nada no mundo os pode atingir. Para eles, o mundo é feito de homens bons e de malucos. Eles não reconhecem o mal. O último mau de quem ouviram falar foi o papão, tudo o resto é exagero meu. E a culpa é das teses reinantes sobre educação, que vão todas no mesmo sentido: passar um atestado de estupidez às crianças para que elas se sintam sempre seguras, mesmo quando não estão. Mas os nossos filhos não são parvos, são apenas crianças. Os parvos somos nós, que ainda seguimos a Ana Gomes no Twitter.

Esta sociedade em que vivemos e educamos os nossos filhos achou e acha que protegê-los é esconder ou disfarçar a realidade, e por lhes termos mentido durante tanto tempo e tantas vezes, acabámos por acreditar na nossa versão da história: que o mal não existe. E é por esta falsa noção de protecção que é cada vez mais difícil despertar emoções nos nossos filhos. Eles comovem-se com pouco. São os pais, os psicólogos e os professores os primeiros a dizer-lhes que eles não podem sofrer pelos outros e que não há razão para ter medo. E eles acreditam.

Mas proteger os nossos filhos não é isto, não é desculpar o indesculpável ou fingir que não existe um exército de doidos espalhado pelo mundo que nos quer cortar a cabeça. E também não é disfarçar a nossa preocupação ou comoção pelos que sofrem e morrem como se isso não fosse uma tragédia. Proteger os nossos filhos é fazer-lhes ver a diferença entre os bons e os maus, explicar-lhes que eles são bons, ensiná-los a não praticar o mal em nenhuma circunstância e a chorarem pelos que sofrem. Só assim os preparamos e nos preparamos para ganhar a guerra contra os terroristas, sejam lá eles quem forem, venham de onde vierem e tenham as motivações que tiverem. Só assim ensinamos os nossos a filhos a ter uma consciência crítica, a criar uma consciência moral, a chorar pelos outros, a formar opinião, a acreditar em valores e a saber defendê-los. Só há uma maneira de explicar o terrorismo às criancinhas: «Sim, em Paris os terroristas mataram pessoas inocentes que podiam ser qualquer um de nós. E sim, eles são maus. Porquê? Porque gostam de matar inocentes: é assim como nos filmes que vocês vêem. A sério, a realidade é como alguns filmes.» E depois sossegá-los, explicando-lhes que, graças a Deus, a protecção deles não está dependente de pessoas como a Ana Gomes.





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