Pedro Vaz Patto
A Comissão rejeitou liminarmente a iniciativa, por
entender que o embrião humano não é merecedor de protecção.
Muitas vozes se ouviram a lamentar a escassa
participação nas eleições para o Parlamento Europeu. Nem metade dos cidadãos
portugueses, e dos europeus em geral, se dispôs a votar. O fenómeno vem-se
repetindo nas sucessivas eleições. O divórcio entre os cidadãos e as
instituições da União Europeia persiste. Apesar do significativo reforço dos
poderes do Parlamento Europeu, continuam as acusações de falta de
democraticidade. O euroceticismo cresce.
Precisamente neste contexto, logo a seguir às
eleições, a Comissão Europeia tomou uma decisão que não poderia ser mais
contrária aos objectivos que parecem ser os de quem exprime estas preocupações.
O Tratado de Lisboa consagrou a faculdade de
apresentação, pelos cidadãos europeus, de iniciativas legislativas que reúnam
um número mínimo de assinaturas num número mínimo de países. A iniciativa
europeia de cidadão One of us («Um de nós») recolheu
assinaturas de mais de um milhão e setecentos mil europeus e em dezassete
países foi ultrapassado o número mínimo exigido. Portugal foi dos países com
uma adesão proporcionalmente maior. Nunca uma destas iniciativas mobilizou
tantas pessoas em países tão diversificados. Essas pessoas quiseram usar um
instrumento de democracia participativa (não se limitaram ao voto) e
manifestaram a sua confiança nas instituições da União Europeia.
Pretendia essa iniciativa
garantir que as actividades apoiadas pela União Europeia (no âmbito da
investigação científica e da cooperação para o desenvolvimento) respeitassem a
vida humana desde a sua fase mais vulnerável, a de embrião (tratado como «um de
nós» – daí o seu nome).
Esperava-se que a necessária intervenção da
Comissão se traduzisse apenas na verificação da regularidade formal do processo
e remetesse a decisão da questão de fundo para o Parlamento, órgão com outra
legitimidade democrática, eleito e que delibera depois de um processo de discussão
pública e plural.
Não foi assim. A Comissão rejeitou liminarmente a
iniciativa, por entender que o embrião humano não é merecedor de protecção,
invocando a utilidade da investigação científica sobre células estaminais
embrionárias (utilidade ainda não comprovada, ao contrário do que se verifica
com a investigação em células estaminais adultas).
A decisão foi tomada no último dia do mandato da
Comissão, já depois das eleições que hão-de conduzir à nomeação de outros
comissários pelo novo Parlamento. De um ponto de vista da legitimidade
democrática, é, também por este motivo, censurável. E só pode dar razão a quem
fala em défice democrático da União Europeia.
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