Eram filmes que
enchiam a alma dos pais e ajudavam a educar os filhos, a despertar a sua
sensibilidade e a desenhar o retrato dos heróis
Inês Teotónio Pereira
Na infância dos meus filhos mais velhos eu adorava ir ao cinema com
eles. Aliás, gostava mais de ir ao cinema do que eles. Vi os filmes todos que
eram para ver e dava graças a Deus por ter filhos porque assim tinha a desculpa
de ir às sessões da tarde ver filmes para 4 e 6 anos. Dos «Incríveis», ao «Shrek»,
passando pelo «Toy Story», pelo «Spirit», pelo «Rei Leão» ou pela «Mulan», vi
tudo. Ri-me e em alguns filmes até chorei (quando o Andy abandonou o Woody ou
quando o Spirit se perdeu do Índio as lágrimas correram-me pela cara a baixo e
os meus filhos ficaram petrificados a olhar para mim). Os filmes da infância
dos meus filhos mais velhos eram melhores que os meus filmes de infância.
Tinham mais graça, eram mais bem feitos e também nos faziam chorar com os seus
actos de heroísmo, de desespero, com as perdas e as conquistas. Eram filmes que
enchiam a alma dos pais e ajudavam a educar os filhos, a despertar a sua
sensibilidade e a desenhar o retrato dos heróis, das características que forjam
os heróis. Filmes com as mesmas lições de moral dos clássicos da nossa
infância, como o «Super-Homem», «A Bela Adormecida», «A Gata Borralheira», «O
Homem-Aranha», «O Zorro» ou «O Bambi», mas em melhor. A mensagem era sempre a
mesma: a humildade, a coragem e a generosidade movem montanhas. Filmes em que
os maus são mesmo péssimos e os bons sofrem horrores, mas no final o Bem
vence.
Os meus filhos cresceram e estreou a saga de
Nárnia. C. S. Lewis veio em socorro da pré-adolescência dos meus filhos e os
desenhos animados tornaram-se actores em carne e osso. O Leão, a Feiticeira, o
Príncipe Caspian e os quatro irmãos fizeram as maravilhas de muitos domingos à
tarde em minha casa.
Mas foi só. Com os meus filhos mais novos já não
tive a mesma sorte. Apesar de aparecerem cada vez mais filmes por ano, de as
produtoras se multiplicarem, já não é a mesma coisa. Já não há épicos. Nos
filmes actuais eu já não choro, durmo. Também já não me rio, chateio-me. Ir ao
cinema com os meus filhos mais novos é uma verdadeira seca. Os filmes são
vazios, as histórias são infantis de mais para as crianças de 4 anos para quem
o filme é indicado e os bons, os maus e os heróis já não existem. Só existem
patetas.
A produção infantil, meus senhores, já não é
infantil, é só parva. Tudo começa na televisão, que está cheia de séries
transmitidas non-stop absolutamente patetas. As crianças ficam petrificadas a
olhar para estas coisas que têm o poder de as hipnotizar. É uma espécie de
magia negra que lhes desliga metade do cérebro e as deixa meio patetas. Uma
história que tenha princípio, meio e fim, ou seja, uma narrativa, já passou de
moda. Agora produzem-se «cenas», já não se produzem filmes. E quanto mais
absurdas forem as cenas melhor. São programas e filmes que não têm qualquer
mensagem, em que não se distinguem as personagens pela personalidade, pelos
defeitos e qualidades, mas sim por uma qualquer particularidade absurda.
O mundo em geral, e a indústria cinematográfica
em particular, tem um grande problema em relação às crianças: acha que elas são
parvas. E à força de tanto insistirem nesta tese as crianças estão de facto a
ficar parvinhas. O seu cérebro está direccionado para responder a estímulos e
não a sentimentos. São poucas as crianças que têm hoje paciência para ficar uma
hora e meia a ver a «Música no Coração», como são poucos os adultos que têm
paciência para ver «E Tudo o Vento Levou». Os tempos são outros. Os tempos são
da «Casa dos Segredos» e de histórias infantis sobre uma esponja que vive
debaixo do mar e que, pronto, vive debaixo do mar.
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