João J. Brandão Ferreira
Vou ser breve.
Com um espectáculo bem montado correm as
comemorações sobre o centenário de um cidadão nascido em Portugal, a quem foi
dado o nome de baptismo de Álvaro Barreirinhas Cunhal (AC).
O moço cresceu varonil e foi revelando um
conjunto de qualidades difíceis de reunir numa mesma pessoa: inteligência,
coragem e determinação, invulgares; sensibilidade artística aliada a uma
inegável força psíquica interior; rara intuição, cultura e coerência política;
frieza de raciocínio e calculismo na organização e planeamento; ascetismo,
discrição e exemplo nas atitudes, etc.
Testemunhos dados à estampa levam-nos a pensar,
até, que o personagem tinha espírito de humor, gostava de petiscos e era um
pai, irmão e companheiro, extremoso.
Este, em traços gerais, o retrato que nos
aparece do homem, se bem que ele nos tivesse sempre induzido a pensar que não
pertencia ao género humano.
Este homem, porém, cresceu e desenvolveu-se
embebedando-se (como diria Pessoa) de leituras e convicções marxistas,
fixando-se a sua matriz política final, na mais depurada ortodoxia comunista.
Afirmando-se ateu foi, afinal, um crente.
Substituiu, apenas, o dogma católico de sua mãe, pelo dogma do
Marxismo-Leninismo. Em vez de Deus serviu o Diabo – na eterna luta entre o Bem
e o Mal…
Nele, Álvaro, o ideal Comunista – uma doutrina
profundamente errada por economicamente incompetente, socialmente redutora, inexequível
por anti-natural e de implantação tirânica e sanguinária – plasmou-se como uma
verdade absoluta, irredutível, terminal.
Uma ciência infalível, mítica, criadora de um «homem
novo», em que os fins justificavam todos os meios.
Nessa voragem apocalíptica se empenhou até ao
fim, sem tergiversar, mesmo depois de Gorbatchev e a queda do muro de Berlim,
ter deixado o Comunismo órfão e definitivamente desacreditado. Numa coerência,
que muitos sublinham como atributo admirável, esquecendo-se de acrescentar que
foi uma coerência no erro!
E uma coerência de Anjo caído, maligna.
Não sendo suficiente ter o erro como objectivo e
a perfídia como meio, fazia parte da essência da ideologia torná-la extensiva a
todos os povos da terra, assim como o imperialismo napoleónico quis transportar
a «luz» da «Liberdade, Igualdade e Fraternidade» – antepassado remoto do novo «sol
na terra» – na ponta das baionetas, a fim de libertar os povos dos seus «tiranos».
Os portugueses sabem bem o que isso foi, pois
ficaram com a terra retalhada e cerca de 10% dos seus, trucidados no processo.
Alguns descendentes jacobinos ainda hoje lhes tecem loas…
O «quartel-general» das forças «vermelhas» da «foice
e martelo, em punho», que passaram a querer impor o modelo ao planeta,
situava-se no centro geopolítico do antigo Ducado da Moscóvia – num antigo
edifício conhecido por Kremlin – a quem todas as forças espalhadas pelo mundo
passaram a reportar e a obedecer.
O mesmo se passou com o PCP, desde a sua
fundação, em 1921, atingindo especial fulgor e empenho, justamente, durante a
direcção de AC.
Nisto se consubstanciou a primeira traição do «Comité
Central», à Nação que queriam governar.
Por outras palavras, o PCP nunca se pôde
considerar um partido português e serviu sempre de correia de transmissão de
uma potência estrangeira, inimiga de Portugal: a URSS.
Não ficou por aqui a traição do PCP – o termo é
este, e o crime que configura sempre fez parte (e ainda faz) do Código Penal
Português – pois quando os territórios ultramarinos portugueses começaram a ser
atacados desde os anos 50 pelo capitalismo apátrida e pelo Comunismo (então
ampliado pelo «Terceiro-Mundismo») o dito Partido, que tem o supremo
despautério de se dizer «patriota», colocou-se ao lado destes últimos e dos
movimentos subversivos que nos emboscavam as tropas, promovendo, ainda, a
subversão na retaguarda – incluindo a violenta – que era a Metrópole.
E assim se mantiveram até ao golpe de estado de
25/4/1974, quando ajudaram a atirar o poder para a rua; ao abastardamento das
FA e à criminosa «Descolonização», atitude que fez averbar à URSS, a sua maior
vitória, no último pico da Guerra-Fria.
Por tudo isto as cerimónias do nascimento de AC
deveriam ter lugar em Moscovo – numa praça esconsa por, entretanto, o povo
russo se ter livrado dos «slogans» do «comunismo científico», do «materialismo
dialéctico» e do «internacionalismo proletário», que custaram à Humanidade
centenas de milhões de mortos e sofrimentos inomináveis, apenas comparáveis ao
flagelo das hordas de Tamerlão!
Por isso ter cartazes no Liceu Camões, em Lisboa
(por ex.), onde se pode ler que AC foi «um grande lutador pela Liberdade,
Democracia e Socialismo» é apenas um exemplo despudorado de como «com papas e
bolos se enganam os tolos»…
AC era comunista, não socialista; «liberdade» na
boca de um comunista é impropério e «democracia» é apenas fachada de uma parede
falsa (eles até dizem que é «de vidro»). Pode, até, ser considerado ofensivo
para quem milite em semelhante ideologia…
E ver o brilhozinho nos olhos da Judite de
Sousa, no programa da TVI, que incensou o personagem é perfeitamente patético e
delirante. Deviam enviá-la à Coreia do Norte fazer reportagens, sem se esquecer
de levar uns euros – da larga soma com que a ressarciam para fazer destas «reportagens»
– a fim de poder distribuir uns óbolos, com que os famintos de lá, pudessem
sorver umas malgas de arroz.
Afinal comunismo é isso: distribuir por igual os
ganhos obtidos…
Que a maioria da população, com especial
destaque para as camadas mais instruídas, forças políticas e órgãos de
comunicação social, assistam a tudo isto com uma passividade bovina é que é verdadeiramente
preocupante.
Não conseguir reagir às mais grosseiras mentiras
– «uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade», é uma das receitas
mais afamadas do cardápio leninista – como é o caso da exploração do infeliz
incidente com a Catarina Eufémia, em Baleizão, é de uma perigosidade sem
limites.[1]
Enfim, qualquer dia ainda lhe fazem uma estátua
(ao AC) – paga com os nossos impostos – e transladam os restos mortais de tão
prestimoso defensor da classe operária (se bem que os descendentes das vítimas
das purgas no interior do Partido, devam ter ideia diferente) para o Panteão
Nacional…
Assim se preservam para o futuro as indignidades
históricas, as mentiras políticas e as perversões humanas.
Aguardo que as «despesas» sobre este assunto não
fiquem apenas por minha conta.
[1] Pelo que se sabe a pobre da moça nunca foi do
PCP, não estava metida em nenhum protesto e foi atingida, por um disparo
furtuito da Pistola – Metralhadora FBP, do Tenente Carrajola que,
acidentalmente, caíu ao chão. Resta acrescentar que o pessoal do posto da GNR,
a quem pertencia a força presente no local, se quotizou para pagar o funeral.
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