Eduardo Cintra Torres
Todas as sociedades têm interditos, ou tabus;
vivemos bem com eles, não vivemos sem eles. Uns estabelecem normas de vida,
como o do incesto ou do assassínio. Outros referem-se a coisas comezinhas, como
não passar debaixo duma escada.
O termo polinésio tabu passou da antropologia à
linguagem comum: a palavra tabu é forte, mas usa-se como eufemismo para evitar «interdito»
ou «proibição». Por paradoxo, dizemos tabu para não expressarmos por inteiro o
interdito a que se refere.
O jornalismo não podia deixar de ter tabus. Não
me refiro ao abuso da palavra por moda, como a recusa dum político de anunciar
uma candidatura no momento e no local que agradaria aos jornalistas, mas aos
autênticos, como o do suicídio. Por consenso, o jornalismo decidiu não o
noticiar, pois a publicitação pode induzir outros suicídios. Nem sempre houve
este tabu jornalístico, o que mostra como a criação, vida e quebra de tabus
varia no tempo. No excelente jornalismo português do início do século XX,
liam-se centenas de notícias de tentativas com ou sem êxito de suicídios. Hoje
há um limite auto-imposto da liberdade de imprensa por consenso que é aceite
pela esmagadora maioria. Nunca vi ninguém contrariá-lo.
Mas há outros tabus que
conviria ao jornalismo romper. Um deles é o da maneira como tratamos os velhos.
Não digo idosos, porque idosos é outro eufemismo para esconder a terrível
realidade da velhice de centenas de milhares de concidadãos. Ontem, vi na RTP 1
uma notícia sobre uma «idosa» que morreu sozinha por fogo num «apartamento que
servia para acolhimento de pessoas acamadas», em Meadela. Não interessa aqui se
o lugar de «acolhimento» estava legalizado. Interessa que a sociedade, as
pessoas, nós, empurramos os velhos para armazéns de «acolhimento» e «lares»
(outras palavras que adoçam a realidade do tabu). Estes velhos são mais
indefesos do que as crianças, eudeusadas pela sociedade actual (basta ver as
notícias falando dos milhares que vão para a escola com fome e ignorando,
sempre, os pais dessas crianças, que não são monstros e também passam fome). A
sociedade condena à morte triste e lenta centenas de milhares de velhos,
consentindo-a. São depositados onde quer que seja, muitos em condições infames,
pelos próprios filhos. O jornalismo não deveria apenas noticiar os «lares»
ilegais que encerram e os velhos que morrem por incúria. Deveria romper o
silêncio consentido de toda a sociedade sobre os que abandonam os velhos e
sobre a permitida indústria da morte lenta, uma eutanásia de que é tabu falar.
Sem comentários:
Enviar um comentário