Manuel Tavares,
Director do JN
O novo cardeal
português foi ao fundo da questão europeia: a relação da mãe com a família e o
trabalho. Para alguns será muito fácil colocar as etiquetas de conservador ou
mesmo de reaccionário a D. Manuel Monteiro de Castro por, na entrevista que
concedeu ao JN, ter dito sem papas na língua o seguinte:
«O trabalho da
mulher a tempo completo creio que não é útil ao País. Trabalhar em casa, sim,
mas que tenham de trabalhar pela manhã até à noite creio que para um país é
negativo. A melhor formadora é a mãe, e se a mãe não tem tempo para respirar,
como vai ter tempo para formar?».
E, no entanto,
vejamos...
Ainda não há no
mundo sítio com melhores condições de vida que o nosso velho continente: o
modelo social europeu permanece imbatível. Mas está claramente ameaçado. E se
um optimista como eu pode sempre acreditar que haveremos de superar a ameaça
resultante da crise financeira, outra tanta dose de fé não chegará para
eliminar a ameaça demográfica.
Ou seja: mesmo que a
Europa resolva os seus problemas de competição no quadro do comércio mundial e
o faça salvaguardando os salários pela redistribuição da riqueza, vai ser
preciso que, para além das religiões, das ideologias e das práticas sociais, o
cidadão renuncie ao conforto da responsabilidade mínima. A sua própria por
natureza e a da eventual alma gémea com quem decida partilhar a aventura da
vida comunitária.
Com a taxa de
natalidade em queda vertiginosa em Portugal e na Europa não podemos esperar que
o nosso modelo social sobreviva. Perceber que esta é a questão essencial, muito
mais importante que as circunstâncias da crise, é o passo indispensável para
termos uma atitude diferente em relação ao núcleo da nossa organização social:
a família.
Salvar este nosso
modelo de vida, com todas as heterodoxias que ele permite, significará sempre
revalorizar a natalidade. E a primeira consequência desta revalorização será a
de dar condições para que os pais que assim o pretendam possam ter mais filhos.
Este ponto é tão
mais sério e tão mais decisivo para as gerações que as sérias dívidas
soberanas, e seria imperdoável que falhássemos. Porque só depende de nós e do
que possamos pensar para além do puro prazer de ter um único filho. Ou nenhum.
Acontece que do
plano da cidadania para o da prática social, por mais cardeais que nos alertem,
terão de ser os políticos a garantir-nos a sobrevivência do nosso modelo social
europeu.
No que me toca,
atrevo-me a dar-lhes um conselho: antes de pensarem em novas leis laborais,
perguntem às mães que não podem fugir a despejar os filhos de seis meses em
infantários.
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