Pedro Afonso
Portugal mudou muito
nos últimos anos. Uma dessas mudanças foi realizada através da aprovação da lei
que legalizou o aborto até às dez semanas, na altura suportada por uma
ideologia política auto-intitulada de progressista. Entretanto houve eleições e
muitos esperavam que algumas destas questões ideológicas fossem discutidas
novamente por um governo que se deveria diferenciar do anterior não apenas no
plano das políticas económicas, mas também na visão do mundo. Enganaram-se,
pois, aqueles que julgavam que a alternância política levaria a que fosse
discutida a estrutura legislativa entretanto criada sobre esta matéria. O
desapontamento tem sido maior quando vários dos actuais ministros assumiram
publicamente a sua fé católica; portanto, assumindo-se pró-vida.
Na verdade, nada
mudou. Enquanto Espanha, com o novo governo de Rajoy, já deu sinais claros de
que iria alterar a lei do aborto, assumindo corajosamente que defender a vida é
uma medida verdadeiramente progressista, entre nós absolutizam-se os números e
venera-se a troika, como se de um bezerro de ouro se tratasse. Neste contexto,
a troika serve como cortina de fumo para que um grupo político prossiga de
forma imparável com a sua pacotilha legislativa extremista. A recente lei sobre
barrigas de aluguer mostra bem a sua actividade fervilhante e o desejo
insaciável de prosseguir com experimentalismos sociais no campo da família e da
vida humana.
Entretanto o PSD e o
CDS andam a reboque desta agenda frenética, sem assumirem posições claras, numa
vacuidade de ideias ordenadas, recorrendo a argumentos sinuosos e ambíguos,
defraudando expectativas e sem capacidade para representarem muitos milhares
dos seus eleitores. Ou seja, enquanto a esquerda revolucionária vai fazendo a
sua guerra munida de um paiol inesgotável de munições ideológicas, a direita
complexada parece apenas aspirar manter-se no «palácio do poder», saboreando
uma influência ilusória e renunciando negligentemente propor uma sociedade
alternativa. Conclui-se, portanto, que este políticos creem erradamente que
aquilo que mobiliza um povo não são os princípios e a ideologia, mas apenas os
números e a criação de riqueza. Ora, ninguém morre por um negocio, mas há quem
ofereça a sua vida por um ideal.
Muitos daqueles que
outrora combatiam pela defesa da vida no seio do activismo da sociedade civil,
uma vez integrados nos partidos e ocupando agora altos cargos no Estado, parece
que se esqueceram das suas convicções; caíram num estranho silêncio,
transformando-se aparentemente nuns tecnocratas, iguais a tantos outros. Os
partidos políticos não podem mostrar desprezo pelas convicções de muitos
milhares dos seus eleitores, aos quais convenientemente em tempo de eleições
lhes solicitam o voto para depois não lhes dar nada em troca. O
descontentamento aumenta em círculos restritos, e vai-se alargando aos poucos,
pois muitos vão compreendendo que é chegado o tempo de os eleitores exigirem
representatividade aos políticos. E este ressentimento é imparável.
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