João Miguel Tavares, Público, 15 de
Novembro de 2016
Guardemos a mordaça e lembremos os
ensinamentos do bom e velho Stuart Mill: nunca devemos impedir de falar as
pessoas que acreditamos estarem erradas.
Indignação da semana: Maria José Vilaça, psicóloga e responsável da Associação dos Psicólogos Católicos, disse nas
páginas da revista Família Cristã que era possível aceitar um
filho homossexual sem aceitar a homossexualidade. «Eu aceito o meu filho, amo-o
se calhar até mais, porque sei que ele vive de uma forma que eu sei que não é
natural e que o faz sofrer.» E acrescentou: «É como ter um filho toxicodependente,
não vou dizer que é bom.» Esta frase provocou o habitual incêndio das redes
sociais e dezenas de queixas na Ordem dos Psicólogos, que emitiu um comunicado
onde recorda que nas suas intervenções públicas os psicólogos estão obrigados a
«observar o princípio do rigor e da independência, abstendo-se de fazer
declarações falsas ou sem fundamentação científica». De seguida, a Ordem
anunciou ir participar o caso ao Conselho Jurisdicional por considerar tais
declarações «de extrema gravidade».
Cá está – um piscar de olhos e já se foi
longe demais. A opinião que eu tenho em relação às declarações de Maria José
Vilaça é igual à dos indignados: discordo profundamente dela e acho a
comparação entre um filho homossexual e um filho toxicodependente de uma
infelicidade extrema. Parece-me, por isso, perfeitamente natural que as pessoas
manifestem a sua discordância pública em relação à senhora e que as redes
sociais se incendeiem, como de costume. Nada contra até aqui. Tudo contra a
partir daqui: há um momento, altamente desagradável, mas cada vez mais
recorrente, em que se passa do direito de discordar para o desejo de despedir.
As pessoas deixam de se limitar a criticar Maria José Vilaça por ter dito uma
tontice, e a rebater a sua opinião com argumentos sustentados, e passam a
defender que ela deve ser silenciada e proibida de exercer a sua profissão
porque, pelos vistos, hoje em dia não se pode ser psicólogo e ao mesmo tempo
considerar a homossexualidade uma prática «não natural».
Mas será que não se pode mesmo? É que se não
se pode, como a Ordem dos Psicólogos parece defender, se passou a ser uma coisa
tão inadmissível como a prática da lobotomia para curar doenças mentais, então
há aqui uma notícia muito maior do que as declarações de Maria José Vilaça, e
que está tristemente a passar ao lado da comunicação social. A primeira frase
de todos os artigos sobre este tema deveria ser esta: «A Ordem dos Psicólogos
Portugueses defende que um católico que aceite os ensinamentos da Igreja em
relação à homossexualidade não tem condições para ser psicólogo e deve
abandonar de imediato a sua profissão.» Esta é a notícia, meus senhores. Mandem
imprimir, enviem para o Vaticano e informem o Papa Francisco.
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