Inês Teotónio Pereira, Diário de Notícias, 5 de Junho de 2016
Uma coisa é ter filhos pequenos. É fácil.
Sabemos o que temos de fazer e se não sabemos perguntamos a alguém.
Não há
dramas.
Apenas
algumas angústias pelo tempo que devíamos ter e não temos e pela atenção que
devíamos prestar e não prestamos.
Somos
bombardeados com perguntas, pedidos; eles enfiam-se na nossa cama, exigem mimo
e choram de saudades.
A
nossa função é responder a tudo dentro do possível. Mas a solicitação é quase
sempre deles.
Na
verdade somos o sujeito passivo da relação.
Faz-se
bem: a prática melhora a performance.
E é
quando estamos quase perfeitos, quando já sabemos de cor porque é que as estrelas
não caem e quando eles percebem que a mãe vai mas já volta — é quando estamos
apuradinhos, vá — que eles crescem.
E é
então que deixam de querer o nosso tempo, querem boleia; também não querem
atenção, querem dinheiro.
E os
papéis invertem-se: quem quer brincar somos nós, pais.
Quem
quer falar somos nós, mães.
Queremos
saber o que pensam, o que fazem, o que sentem, com quem falam e de que falam.
Queremos
ter a certeza de que voltam inteiros quando vão.
Se
dantes eram eles que esborrachavam o nariz no vidro da janela quando nós
saíamos, agora somos nós que nos penduramos na varanda à espera de que eles
cheguem.
Também
queremos saber se já sabem tudo e o que acham de tudo o que sabem.
Queremos
saber o que ficou daqueles anos que passámos de gatas a brincar e se o mundo lá
fora os está a estragar.
E o
pior, o pior de tudo, é que sabemos que as respostas a tudo isto estão no
infernal telemóvel que não para de apitar, que provoca sorrisinhos malandros e
um silêncio angustiante.
Ali,
por detrás de um estúpido código, está o nosso filho.
Riem
de quê?
Raios.
Agora somos nós que perguntamos e o que temos de volta são respostas
insuportáveis: «nada», «mais ou menos», «pode ser», «já vou», «vou pensar nisso».
Exigir
mais do que isto é interferir na «privacidade» do imberbe.
Privacidade?
Fico parva: ainda ontem ele fazia tudo para se enfiar na minha cama.
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