domingo, 1 de maio de 2016


Morrer com dignidade


António Gentil Martins, Expresso, 3 de Maio de 2016

Ex-presidente da Ordem dos Médicos diz que está em causa levar o médico a violar o Código Ético, matando um doente a seu pedido

Foi publicado no Expresso por 112 cidadãos um manifesto em defesa da despenalização da «morte assistida». O documento está inteligentemente elaborado no sentido de obter a resposta desejada, já que todos defendem a liberdade e ninguém gosta do sofrimento, seja ele físico ou moral e espiritual. Mas o documento é claramente vago, não propondo fronteiras definidas.

Procurar camuflar, ou simplesmente disfarçar, o suicídio, usando a palavra dignidade, é sofismar a realidade e procurar dar-lhe um tom simpático e apelativo, A morte clinicamente assistida não é mais do que verdadeira eutanásia.

Começam a sua proposta referindo o respeito pela Constituição ao definir os direitos individuais, mas omitindo o artigo 24.º, que textualmente afirma, no seu ponto 2, que «a vida humana é inviolável» e o artigo 25.º que reafirma que «a integridade moral e física é inviolável». Aliás, referem surpreendentemente bem, que «o direito à vida faz parte do património ético da humanidade»...

É evidente que ninguém defende a obstinação terapêutica e não se pode esquecer que o dever do médico é lutar pelos interesses do doente e pela sua saúde física e mental do início da vida até ao seu fim natural, que todos sabem ser inelutável.

Há um direito que sobreleva todos, independentemente de conceitos políticos, religiosos ou quaisquer outros, e esse é o direito à vida, pois sem ela nenhum direito existe, nem mesmo a liberdade. Só ela é um direito absoluto e por isso mesmo inviolável, seja qual seja a roupagem com que a cubram.

A liberdade, nomeadamente a individual, de enorme e de indiscutível valor, não é absoluta, como todos bem sabem, até porque termina se interferir com a liberdade dos outros, e até permite a existência de leis que procuram proteger as pessoas de si próprias (como é, por exemplo, o caso dos «cintos de segurança» nos automóveis ou os «capacetes» nos ciclistas).

É um facto que os cuidados paliativos, sendo uma obrigação, procurando aliviar o sofrimento, não estão indicados apenas na fase terminal da vida e não são solução para todos os casos, embora indispensáveis. O Testamento Vital veio definir a vontade do doente e que deve ser respeitada, mas não ao ponto de o médico lhe tirar vida. Isso um verdadeiro médico nunca aceitará. E, se a sociedade assim o decidir, o que sinceramente esperamos não aconteça, terá de procurar um carrasco que ajude ao suicídio.

A palavra eutanásia significa boa morte, mas a palavra dignidade significa honra e aqui será erradamente utilizada, embora apelativa para o fim em vista: obter o «sim» à proposta. Mas é difícil entender o que é para alguns o significado da palavra honra, depois de terem feito um juramento, que, no caso dos médicos, é o Juramento de Hipócrates.

As questões da vida e da morte ultrapassam o leque partidário, e não dependem de conceitos religiosos ou políticos, mas ajudam a definir que tipo de sociedade desejamos.

O que está verdadeiramente em causa é procurar levar legalmente o médico a violar o seu Código Ético, matando um doente a seu pedido, ou ajudando-o a suicidar-se.

Desde Hipócrates (há mais de 2 500 anos), se considera a vida humana inviolável e o mesmo afirmam o Código Deontológico dos Médicos e as múltiplas declarações da Associação Médica Mundial. Esta faz notar que a defesa da vida não impede o médico de respeitar o processo natural da morte, se for esse o desejo do doente, não deixando de o apoiar até final. E ainda em 2013, reafirmou, com veemência, que, embora em alguns países o suicídio assistido tenha sido legalizado, os médicos se devem abster de colaborar, por se tratar de manifesta acção antiética.





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