segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
Um dom, e não um direito
Pedro Vaz Patto
No início da nova legislatura, com a marca de prioridade ideológica por parte dos partidos proponentes, o Parlamento discute projectos que legalizam a adopção conjunta por uniões homossexuais e que alargam o recurso a técnicas de procriação medicamente assistida a mulheres sós ou em união homossexual. E parece que quase nem vale a pena discutir estas alterações de grande alcance antropológico e ético, tão dogmáticos são os seus apoiantes e tão menosprezados (nuns casos) ou tímidos (noutros) são os que as contestam. Mas vale a pena chamar a atenção (pelo menos isso) para o que está em jogo.
A adopção não pode configurar-se como direito dos candidatos a adoptantes. Não se trata, pois, e em primeira linha, de chamar à colação, no que a esses candidatos diz respeito, o princípio da igualdade e não discriminação em função da orientação sexual.
Decisivo é, antes, o bem da criança a adoptar. Sabendo que a finalidade da adopção não se compadece com qualquer experimentalismo social, nem se confunde com qualquer instrumento de afirmação de «novos modelos de família». Finalidade da adopção é a de proporcionar à criança uma família o mais possível igual à da família biológica (uma família igual à das outras crianças), não um qualquer espaço afectivo, mas aquele que é próprio da filiação.
O bem da criança supõe, no que à adopção conjunta diz respeito, a presença simultânea de uma mãe de um pai. Cada um deles tem um papel único e insubstituível. Uma mãe, nunca substitui um pai e um pai nunca substitui uma mãe. A configuração concreta desses papéis vai mudando com o tempo e em função de características peculiares de cada pessoa. Mas nunca a ponto de tornar indistinto o que há de ser sempre distinto, porque radica na natureza humana. As dimensões masculina e feminina só em conjunto, na sua complementaridade, compõem a riqueza integral do humano e só a presença simultânea das figuras materna e paterna proporciona à criança o benefício dessa riqueza integral. O progenitor do mesmo sexo, como modelo, ajuda a criança a encontrar a sua própria identidade, tal como o progenitor de sexo oposto lhe permite colher características desse outro sexo que também concorrem para a formação de uma personalidade humanamente completa e equilibrada.
No fundo, é a riqueza da dualidade e complementaridade dos papéis do pai e da mãe que justifica que, na adopção conjunta, os adoptantes sejam dois e não um, três ou mais.
Com o alargamento do recurso a técnicas de procriação medicamente assistida a mulheres sós ou em união homossexual, é eliminada a regra de que esse é um meio de procriação subsidiário, destinado a suprir uma infertilidade patológica, passando a poder ser encarado como um meio alternativo de procriação, ou seja, um instrumento de realização de qualquer projecto parental possibilitado pelo desenvolvimento científico. E torna-se lícito privar a criança da figura paterna, de forma deliberada e programada.
Já houve quem saudasse esta inovação por representar uma quebra da «desigualdade arcaica que reduz as mulheres a apêndices dos homens».
Mas, na verdade, a natureza colocou, neste aspecto, homens e mulheres em estrito pé de igualdade: as mulheres não procriam sem os homens, mas os homens também não procriam sem as mulheres. Ninguém é mãe sozinha e ninguém é pai sozinho. Não se trata de um desígnio a corrigir ou anular, como se não tivesse sentido. Cada um dos sexos não pode deixar de reconhecer, assim, a importância do outro. Assim se exprime a estrutural relacionalidade da pessoa humana, que se realiza na comunhão com o outro. Essa comunhão está na origem da vida a partir da unidade da diversidade mais elementar: a que distingue homens e mulheres. Da riqueza da dualidade sexual nasce a vida. Associar a geração da vida à comunhão e ao amor (a vida é fruto do amor e o do amor nasce a vida), e à riqueza da dualidade sexual, não é um «engano» da natureza, mas um desígnio maravilhoso a aceitar e acolher.
A alteração proposta pretende consagrar uma visão radicalmente diferente: a procriação como instrumento de realização de um projecto individual, e não relacional. O filho tende, assim, muito mais, a ser encarado como espelho do único progenitor, e já não como dom a acolher na sua alteridade e unicidade. Passa a ser visto como objecto de um direito que se reivindica. É o «direito à parentalidade» que está em jogo – afirma-se em defesa do projecto em discussão.
Quando se rejeitam estes dois projectos, não se trata de impor um modelo de família ou uma forma de encarar a maternidade. Trata-se de dar primazia ao bem do filho, que não pode ser coisificado como objecto de um direito. Não há um direito ao filho; o filho é um dom a acolher. O bem do filho exige que ele seja fruto de uma relação, e não de um projecto individual. E exige que ele não seja intencionalmente privado de uma mãe ou de um pai.
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