Inês Teotónio Pereira, ionline, 18 de Julho de 2015
Quando, por fim, as nossas crianças crescem, mudamos de filhos. Um filho crescido é outro filho. Estou a passar por essa fase e sofro dos mesmos sintomas de quando estava grávida, tirando as dores de parto ou mais dez quilos.
Tenho um filho mais alto que eu. E não é de menos. Ter autoridade numa criatura mais alta é desafiante, o tamanho desafia a nossa autoridade. É difícil ser respeitado quando nos olham de cima para baixo. E nós, ao contrário dos políticos, não falamos com os nossos filhos maiores do que nós através da televisão onde aparecemos todos sentados. Não sei lidar com isto.
Também não sei lidar com o facto de não saber o que eles pensam, de não saber o que eles querem e de ter sérias dúvidas sobre aquilo que eles fazem e dizem longe do meu olhar. E isto é mau. É mau porque tenho filhos fora do meu controlo. Antes de nascer um bebé temos dúvidas, curiosidade e, obviamente, falta de confiança. Mas é passageiro. A boa notícia é que, quando eles nascem, passamos a controlar tudo. Tudo mesmo. Somos donos e senhores dos nossos filhos em pleno.
Desde a alimentação às horas de sono, passando pelas amizades e brinquedos. No fundo, mandamos neles. Agora, quando eles se autonomizam e aumentam, voltamos às nossas inseguranças, dúvidas e muita curiosidade. A tendência, humana, é querer saber. E quando digo querer saber é saber mesmo tudo. Ora isto não é mau, é péssimo. Temos, então, duas alternativas: ou os controlamos forçosamente e lidamos com os nossos filhos como se eles ainda fossem mais baixos do que nós ou confiamos e resistimos a essa tentação. Tento o segundo caminho. Todos os dias tento o segundo caminho.
Nesta nova fase há um desajuste perturbante: nós
continuamos os mesmos pais incapazes de sempre e dispostos a assimilar todos os
conselhos dos especialistas, mas os nossos filhos já não são os mesmos
descritos nos livros dos especialistas. Eles passaram a ser gente. Pois nós,
pais, não estamos habilitados a tratar de gente. Estamos programados para
proteger, ensinar, influenciar, castigar, alimentar, disciplinar e brincar com
criaturas mais pequenas do que nós. Tudo o resto sai do âmbito das nossas
competências.
E de repente, sem aviso
prévio, somos obrigados a mudar o chip.
Agora o que vale é confiar, dar liberdade e não duvidar das amizades que não
conhecemos. E isto é o mesmo que obrigar um leão a transformar-se em herbívoro.
Não é natural. Sempre que estes meus filhos altos mergulham a cabeça no
computador, tremo. E sempre que pedem para ir «com um amigo ao festival»,
transpiro. Este desapego é doloroso.
A
felicidade deles passa a ser a nossa infelicidade: a nossa falta de sono deixa
de ser porque eles invadem a nossa cama a meio da noite aterrorizados com o
papão, mas porque estamos aterrorizados com a possibilidade de eles estarem
rodeados de papões no dito festival.
Nós,
pais, sabemos perfeitamente que os nossos filhos não são gente e nunca serão.
Que apesar do tamanho, da idade ou da proliferação de pêlos, serão sempre
irresponsáveis, influenciáveis, imaturos e nunca se alimentam ou dormem como
deviam. Não confessamos nada disto, pelo contrário, mas sofremos. E sofremos
sozinhos a ambiguidade entre o respeito que queremos manter e a liberdade que
temos de lhes dar. Porque, acima de tudo, a única coisa que queremos é
continuarmos a ser indispensáveis.
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