domingo, 14 de junho de 2015


Sem exames os meus filhos vão estudar

em S. Bento


Inês Teotónio Pereira, ionline, 13 de Junho de 2015

Parece que corro o risco de o meu sofrimento voltar, pois uma das promessas do PS é acabar com os exames «nos primeiros anos de escolaridade».

A primeira grande contrariedade do meu filho mais velho foi o exame do sexto ano. Até lá a criança teve uma vida santa. Ele era um rapaz feliz, descontraído e sem preocupações. Comia, dormia, brincava e fazia os trabalhos de casa. O azar dele foi que a dada altura, sem que tenha feito alguma coisa por isso, o País mudou de governo e o ministério da educação mudou de mãos. Foi o fim de uma era. As férias da Páscoa começaram e acabaram com e ele a estudar para o raio dos exames. Português e Matemática, ainda por cima – podiam ter escolhido educação cívica e moral, sempre era mais aceitável. Ele refilou, refilou, estudou, estudou, eu gritei, gritei e ele passou com distinção. Mas nunca mais foi o mesmo.

No ano seguinte o meu outro filho também fez o exame do sexto ano. «Olha, não te preocupes que aquilo até é fácil. Não precisas de estudar tanto quanto eu estudei», aconselhou o mais velho. Só que o rapaz é perfeccionista e estudou que nem um condenado. Passou com boas notas. Mas nunca mais foi mesmo: achava que era melhor do que era e os exames injectaram-lhe alguma humildade. O ano passado, o meu terceiro filho fez o exame do 4.º ano. Tive mais pena da professora do que dele. A professora esforçou-se a sério para que os seus meninos ficassem bem na fotografia e eles ficaram. Este meu filho, mais inseguro, descobriu que conseguia boas notas se estudasse e que a nota do exame só dependia da vontade dele em responder às exigências da professora. Também este nunca mais foi o mesmo.

Eu também nunca mais fui a mesma. Ao princípio considerava os exames uma questão de vida ou de morte, uma prova definitiva. Confesso que cheguei a ter pena da criançada, dúvidas se eles tinham idade para serem sujeitos a uma prova tão séria e medo das consequências se os resultados não fossem bons. Sofri. Mas isso só aconteceu com os dois primeiros. A minha sorte é que tenho mais e por isso com o terceiro descontraí. Tinha aprendido que, afinal, nada dependia de mim e que muito pouco dependia dos exames. Mesmo que o resultado do exame fosse desastroso era preciso um ano inteiro desastroso para que a nota final fosse trágica. Eles perceberam cedo que a preparação para o exame começa no primeiro dia de aulas, por isso, mais do que a função de avaliação, os exames tiveram sempre nos meus filhos um efeito pedagógico. Não foi por causa dos meus gritos ou ameaças que eles começaram a levar a escola a sério, mas sim – e custa-me dizer isto revelando assim a minha irrelevância – por causa dos exames.

Por tudo isto sou hoje uma mãe diferente. E sou de tal maneira diferente que suspeito até ser de alguma forma negligente. Este ano o meu filho mais velho faz os exames do 9.º ano e eu, supostamente uma mãe responsável e presente, achava que a data do primeiro exame era ontem e não depois de amanhã. Só descobri na véspera que ainda faltavam três dias. O rapaz ainda não comentou este meu engano, mas suspeito que abalei de alguma forma a pouca confiança em datas que ele deposita em mim. Seja como for, a verdade é que os exames tiverem o efeito milagroso de transferir a angústia dos pais para os filhos, pelo menos no meu caso (até um bocadinho de mais, é certo). Agora, são eles que sofrem e eu vou mais vezes ao cinema.

Mas parece que corro o risco de o meu sofrimento voltar, pois uma das promessas do PS é acabar com os exames «nos primeiros anos de escolaridade». Ora, como eu ainda tenho mais três filhos para fazerem exames nos «primeiros anos de escolaridade», esta promessa socialista preocupa-me tanto quanto me aterroriza a ideia de o PS ganhar eleições. Para o ano a minha filha faz o exame do 4.º ano – «para o ano é que é mesmo a sério», diz ela – e por isso já proclamou que vai começar a estudar desde o primeiro dia de aulas. Ainda não lhe disse que a concretização desse plano depende de umas eleições – não tive coragem. Mas, caso se concretize esse cenário dantesco prometido pelo PS, vai daqui a minha promessa em como depositarei estes meus filhos à porta de São Bento, pelo menos três vezes por semana, para que o Dr. Costa tome conta deles e os transforme em alunos responsáveis e estudiosos. Só não pode avaliá-los. Coitado do Dr. Costa: o que os meus filhos gozariam com ele.





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