terça-feira, 23 de dezembro de 2014


Presentes de Natal


Inês Teotónio Pereira

As crianças até muito tarde não sabem o que querem. O que elas acham que querem tem a ver com a qualidade dos anúncios que lêem e não com o brinquedo anunciado

Um dia levei um dos meus filhos a uma loja de brinquedos para lhe comprar o presente de anos e confessando-me absolutamente incompetente para o fazer pedi-lhe que escolhesse um brinquedo. A criança ficou desorientada e incapaz de o fazer. Ficámos horas a passear pelos corredores da loja e no meio daqueles milhares de brinquedos ele deixou de ter critério e desorientou-se. Acabámos por escolher uma banalidade qualquer que se revelou absolutamente inútil. Passaram alguns anos mas ele ainda se lembra do episódio traumático e ainda lá temos em casa um boneco da Guerra das Estrelas com o qual ele nunca brincou e que só não deitamos fora para nos lembrarmos da asneira e para não a repetirmos. Recentemente fiz outra asneira parecida. Em vez de comprar um presente de anos para outro meu filho resolvi dar-lhe um vale para um jogo de consola que ainda não tinha saído. O rapaz ia chorando. Em vez do jogo ou de outra coisa qualquer tinha recebido uma espécie de futuro do petróleo dos pequeninos. Foram assim goradas todas as suas expectativas e o dia de anos ficou irremediavelmente estragado.

Aprendi com isto duas coisas: a primeira, e óbvia, é que não tenho jeitinho nenhum para dar presentes e a segunda é que as crianças só gostam de presentes porque os presentes são surpresas. A surpresa é tudo. Até pode ser um par de meias, mas, desde que esteja embrulhado e envolto em secretismo, as meias até podem cheirar a chulé que eles gostam na mesma (claro que estou a exagerar). Um dos meus filhos (umas destas duas vítimas) quando lhe perguntaram o que é ele queria no Natal respondeu-me simplesmente que queria «uma surpresa», em jeito de provocação e só para me fazer sentir mal.

E isto leva-me inevitavelmente aos presentes de Natal e às listas de presentes de Natal que eles tanto gostam de fazer. Eu sou contra as listas de Natal. Perante uma lista de Natal só temos duas opções: ou estragar a surpresa e dar o que vem na lista ou dar uma surpresa e ignorar o que eles escolheram. Qualquer delas é má, sendo a lista a pior de todas. A lista estraga o Natal. Supostamente damos presentes no Natal para mostrarmos aos beneficiários do nosso débito que nos lembramos deles, que perdemos tempo a pensar naquilo que os faz felizes, e principalmente que sabemos perfeitamente aquilo que os faz felizes. Quando optamos por recorrer a uma lista estamos simplesmente a gastar dinheiro com eles. Ponto. O espírito natalício fica assim reduzido ao tamanho do estrago no saldo bancário e não ao trabalhão que é encontrar coisas que surpreendam, que façam jeito e que se ajustem na perfeição aos gostos da tia ou da criança.

As crianças até muito tarde não sabem o que querem. O que elas acham que querem tem a ver com a qualidade dos anúncios que vêem e não com o brinquedo anunciado. O critério é apenas esse. Mas a resposta aos anseios natalícios e materiais dos nossos filhos está nas características de cada um e não na felicidade que transborda dos anúncios. E isso dá muito trabalho. Sermos nós a escolher os brinquedos dá trabalho porque põe à prova o conhecimento que de facto temos dos nossos filhos e porque nos obriga a pensar naquilo com que queremos que eles brinquem. Os gostos dos nossos filhos somos nós que muitas vezes condicionamos e é por isso que somos pais. A democracia neste capítulo conta pouco.

Deve ser por tudo isto que a cinco dias do Natal ainda não consegui comprar um único presente. Na verdade, ainda bem que não deitei fora nenhuma das listas de Natal que eles fizeram.





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