María Luce Gamboni |
Bastante educativa esta
história de uma jovem cantora italiana! Ela
tem dezoito anos e fora escalada para o papel principal num musical
de David Zard, «talvez o maior
produtor musical italiano». María
Luce Gamboni seria a disputadíssima Julieta no espectáculo «Romeo & Giulietta – Ama
e muda o mundo». Seria. Porque declinou
o convite.
O motivo? Havia no espectáculo uma cena de
semi-nudez. Num dado momento, Julieta teria que se apresentar
usando uma roupa transparente. Rapidamente a jovem María Luce chamou o produtor e disse-lhe para procurar outra protagonista.
Não quis sequer negociar, como se estivesse profundamente ofendida com a
proposta indecorosa que lhe fora feita.
«O meu pudor está acima do dinheiro e do meu sonho», disse a jovem.
E disse ainda uma outra verdade bastante esquecida nestes tempos em que a
imodéstia dos espectáculos já se transformou numa coisa tão banal e corriqueira
que ninguém mais se preocupa em questionar: «o canto é uma coisa, despir-se da roupa é outra coisa».
A história lembrou-me um
outro desabafo que eu publiquei uma vez no Deus lo Vult!, há mais de cinco anos. Foi quando o brasileiro
Pedro Cardoso disse que os actores eram obrigados a fazer pornografia. As
palavras – actualíssimas – dele foram as seguintes:
«O
personagem é justamente algo que o actor veste. Ao despir-se do figurino, o actor
despe-se também do personagem, e resta ele mesmo, apenas ele e a sua nudez
pessoal e intransferível».
E isto não é exactamente o
ponto fulcral da queixa de María Luce?
Ora, cantar é uma
coisa, e ficar nua é outra coisa completamente diferente! A voz
de uma jovem cantora não é melhor apreciada quando ela tira a roupa, bem pelo
contrário. O mais provável é que a atenção seja atraída para o corpo despido e,
diante dele, a beleza do canto passe despercebida. E a jovem italiana quer ser
apreciada pelo talento que tem, e não pelas qualidades físicas com que a
natureza a agraciou.
Porque isto não deixa de
ser uma forma de apelação desnecessária, de coisificação da mulher – vista como
um objecto sexual –, de sacrifício da arte nos altares da pornografia «soft», de erotismo descabido, de
vulgaridade dispensável. Ora, o que importa o corpo da jovem Giulietta – ou, melhor dizendo, o corpo da jovem cantora que a está a representar,
uma vez que despir-se do figurino é despir-se também da personagem – para a
peça? Trata-se de um musical, e não de um ensaio fotográfico erótico!
É assim triste deparar-se
com um meio artístico tão erotizado. Mas é ao mesmo tempo reconfortante ver que
uma jovem ainda é capaz de perceber o inconveniente de certas exigências
artísticas. E é ainda
capaz de dizer «não». E de nos ensinar que há coisas mais
importantes do que o sucesso. De nos ensinar que a realização pessoal não passa
necessariamente pela fama, mas sim pela coerência com os próprios valores. Que
o «pudor» – esta palavra que está tão fora de moda… – ainda é mais valioso do
que o dinheiro.
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