Anthony Esolen
Na América contemporânea a condenação da
pedofilia tem por base as emoções e não o raciocínio moral. Não há quem consiga
explicar porque é que a pedofilia é uma coisa tão vil e, ao mesmo tempo,
sustentar o primeiro mandamento da revolução sexual: Satisfazei os vossos
desejos.
A estrutura moral da pedofilia é tão simples
como isto: o bem-estar das crianças subordina-se à satisfação sexual dos
adultos.
Jerry Sandusky, ex-coordenador defensivo da
equipa de futebol Americano Penn State, criou uma IPSS chamada The Second Mile,
para crianças, a maior parte das quais sem pais, que viviam em lares difíceis.
Não se sabe se o fez com a intenção de atrair os rapazes para uma armadilha,
mas a realidade acabou por ser essa, de acordo com o testemunho de homens que
recordaram, com vergonha e nojo, a forma como foram iniciados à sodomia.
Raymond Lahey, o bispo católico emérito de
Antigonish, foi detido no aeroporto de Otava depois de o seu computador ter
sido verificado no aeroporto. Continha fotografias de rapazes nus. Humilhado,
Lahey resignou. A imprensa canadiana tentou esconder o sexo das crianças e
suprimiu a informação sobre os destinos exóticos para os quais o bispo
costumava viajar. Não se deve perscrutar com demasiada atenção as agências de
viagens que ganham bom dinheiro a transportar homens para locais como a
Tailândia, que está cheia de rapazes prostitutos. E raparigas também; ao que
parece a Tailândia é também um local de eleição para homens de negócios
coreanos.
Devíamos agradecer o facto de os Sanduskys e
Laheys ainda serem considerados monstruosos. Mas na América contemporânea essa
condenação assenta nas emoções e não no raciocínio moral. Não há quem consiga
explicar porque é que a pedofilia é uma coisa tão vil e, ao mesmo tempo,
sustentar o primeiro mandamento da revolução sexual: Satisfazei os vossos
desejos.
Pode-se argumentar que os rapazes eram demasiado
novos para dar verdadeiro consentimento. Foram enganados. Isso pode ser verdade
para os miúdos no Pennsylvania, mas não dos meninos de rua de Banguecoque. Mas
o horror, o nojo, não se coaduna com alguém que tenha simplesmente sido
enganado. Se alguém engana um rapaz, vendendo-lhe um pedaço de carvão por 50
euros, o rapaz, mais tarde, olhará para trás com irritação e desprezo pela
pessoa que o enganou, mas não com horror. A vergonha das vítimas de Sandusky
não deriva do facto de terem sido enganados, mas do acto que foram obrigados a
praticar.
Para além disso, o facto de as crianças não
poderem dar verdadeiramente consentimento não é, por si, moralmente decisivo.
Obrigamos as crianças a fazer uma série de coisas para o seu bem – ou para o
que dizemos ser o seu bem. Uma professora de escola pública em Toronto elaborou
uma série de aulas em que se pede às crianças que imaginem usar roupas
apropriadas para o sexo oposto. Foi louvada, não pelos pais desconfiados, mas
pela direcção, que insiste que os professores são «co-pais». O que ela está a
fazer, como é evidente, é sujeitar crianças ingénuas a um exercício que promove
os seus próprios objectivos sexuais.
O que enoja as pessoas não é como Sandusky e
Lahey fizeram o que fizeram, nem as circunstâncias em que tal aconteceu. É o
que eles fizeram – mas parece que ninguém o quer reconhecer.
A razão pela relutância torna-se clara se
tivermos em conta a estrutura moral da pedofilia. A satisfação sexual é que
vale. Graças a Deus que por agora não existem muitos homens sexualmente
atraídos por crianças. Neste caso, levantamos a voz pelas crianças. Mas é o
único.
Se alterássemos a questão, e em vez de
perguntarmos quantas pessoas já abusaram sexualmente de crianças,
perguntássemos quantas pessoas já fizeram coisas de natureza sexual que
resultaram no sofrimento de crianças, então talvez chegássemos à conclusão que
a única coisa que separa milhões de pessoas de Jerry Sandusky é a inclinação.
Tudo o que outrora foi considerado uma aberração sexual é, hoje em dia,
aplaudido. Tudo, sem excepção, tem servido para ferir crianças, e muito.
Podemos apontar o dedo ao divórcio. A não ser
que seja necessário para tirar do caminho do perigo físico e moral um dos
adultos e as crianças, então devemos adoptar a sabedoria antiga em relação ao
divórcio. Os pais dirão: «Os meus filhos nunca serão felizes a não ser que eu
seja feliz», mas não deviam carregar as suas almas com tamanho narcisismo. As
crianças precisam de pais que as amam, não de pais que sejam felizes; são
demasiado novas para que se lhes peça que dêem a vida por outra pessoa. Não
cabe aos filhos sofrer para benefícios dos pais, antes cabe aos pais suportar,
tirar o melhor proveito de uma situação má, engolir o orgulho e dobrar o joelho
para bem do filho.
Podemos apontar os filhos nascidos fora do
casamento. A criança tem direito a mais do que entrar num quarto decorado com
presentes. Ela deve entrar num mundo humano, numa história, num povo. Devia
poder nascer numa família com mãe e pai, entre tios e tias, primos e avós, com
longas raízes, cheia de histórias interligadas, com a sua reflectida em todos
esses espelhos de relação, para não falar nos seus olhos, o seu cabelo, os
talentos na ponta dos dedos e a esperteza da sua mente. Esta pertença a um
mundo grande e fiável apenas pode ser assegurada no contexto do amor permanente
da sua mãe e do seu pai, declarada por uma promessa, diante da comunidade e
diante daquele em quem não existe sombra de mudança.
A maioria dos pais fica reticente quando chega a
altura de falar de sexo aos seus filhos. Essa reticência é justa e natural,
como é o baixar do tom de voz de um homem quando conduz o seu filho a um lugar
sagrado, o túmulo do seu avô que morreu na guerra, ou a pequena e antiga casa
onde nasceu a sua avó. O sexo não é uma questão de mecânica. Os pais devem
falar do amor que o gerou, e por isso o sexo é também sobre o passado, o
presente e o futuro, e sobre todos os que partilham essa grande rede familiar
de geração e de amor.
Mas depois entrou em cena a Planned Predators,
com a sua multidão de – que lhes havemos de chamar? O que lhes chamaríamos se
não tivessem «credenciais» e títulos antes dos nomes? O que chamaríamos ao
velho que vive no fundo da rua, que gosta de mostrar fotografias de pessoas a
masturbarem-se a criancinhas, enquanto se ri e tosse? Creio que o termo técnico
é «depravado». Mas lá entrou em cena a Planned Predators, com os seus
depravados, entusiasmadamente a introduzir as crianças às maravilhas do sexo
sem sentido, com bonecos de pénis e vaginas falantes, desenhos de uma menina
dobrada a inspeccionar o seu ânus ao espelho, ou de um menino no quarto a
abusar de si mesmo.
Estaremos a ser injustos? Algumas pessoas gostam
de ter as suas aventuras sexuais, mas são suficientemente discretas para as
manter afastadas das crianças; não que o consigam sempre, mas pelo menos na sua
hipocrisia pagam o tributo do vício à virtude. Mas a Planned Predators não
acredita nesse tributo. Há pedófilos do corpo e pedófilos da alma. A Planned
Predators alista, alegremente, os últimos nas suas fileiras.
Perguntamos como é que Sandusky conseguiu fazer
o que fez durante tanto tempo, sem ser apanhado pelos pais. Pois bem, o
abusador separa a criança dos seus pais. «Este é o nosso segredo», diz o
depravado. «Não contes aos teus pais», sibila o lagarto. «Eles não vão perceber».
«Os teus pais têm-te tratado mal», sussurra a cobra. «Os teus pais são
antiquados. Os teus pais são egoístas. Os teus pais têm a sua própria agenda.
Não tens de te submeter aos teus pais. Podes ser a tua própria pessoa»,
denuncia a doninha, querendo dizer: Submete-te a mim.
Essa é a mesma estratégia utilizada pelos
pederastas espirituis credenciados. Os pais são o inimigo. Os pais são mantidos
à distância. Os pais são demasiado obscurantistas para saber o que é melhor. Os
pais – mesmo os pais esporadicamente responsáveis que a nossa geração produziu
– não podem saber quão felizes são os que são sexualmente livres.
Começamos então a questionar se o que conta não
é o mal infligido sobre a criança mas, neste mundo em que a publicidade é
confundida com verdade, a forma com que se reveste, ou a classe a que pertence
o destruidor de infância. Para quem não pensa na essência das coisas, é difícil
julgar acções e não actores.
Daí que o velho treinador de futebol é
justamente condenado por abusar dos seus desportistas, mas o Jimmy Saville,
menino bonito da BBC, exibe a sua imoralidade durante anos, perante as
brincadeiras de jornalistas que se recusam a divulgar o que sabem. Daí que
Kermit Gosnell, um homem com os valores morais de Josef Mengele mas sem o mesmo
jeito médico se espanta ao descobrir que muitos imoralistas exprimem agora
repulsa por ele ter transformado o aborto em algo mais que uma fonte de
rendimentos: um hobby, um tesouro de pedaços desmembrados, decepados dos seus
donos ao som de tesouradas.
Afinal de contas, como é que aquilo que ele faz
aos bebés difere em mais do que estilo daquilo que a aprumada médica feminista
faz na zona mais chique da cidade? Ele ri-se enquanto trabalha, ela adopta o ar
sério de um soldado no exército da igualdade, a cumprir o seu dever, e a ganhar
dinheiro enquanto o faz.
E a mãe que vive de subsídios, quando perde a
cabeça, chega o cinto ao couro do rapaz que já tem tamanho para a atirar ao
chão, com os seus dedos manchados de tabaco e a voz rouca de cansaço. Mas a
sofisticada «mãe solteira», com o seu curso em Estudos Femininos de Wellesley,
a viver na zona chique de Boston, veste a sua filha como se fosse assexuada e
ignora quando a criança suplica para ser tratada como uma menina normal. Para
ela não haverá pena de prisão, mas antes uma data para dar uma conferência na
biblioteca local uma semana depois da sua amiga que vai falar sobre a crueldade
de se tratar cães como se não fossem cães e uma semana antes de outra amiga
falar sobrem os benefícios do trigo sem glúten e ovos sem gema.
John Williamson, confesso adepto do swing e dono
de uma gigantesca colónia para nudistas e adúlteros recebe da imprensa nacional
um obituário digno de um grande artista e inventor, e ninguém pára para pensar
quantas vidas de crianças foram eliminadas ou tornadas miseráveis pelas
perversões dos seus pais; mas o Papa emérito Bento XVI, o calmo e sereno
professor de moral que até há pouco tempo limitava-se a ser aturado por todos,
cujo único pecado foi chamar pecado ao pecado, apenas pode desejar ser tratado
com neutralidade aborrecida, ou até inimizade respeitosa. Estilo, homem, estilo.
(Tradução de Filipe Avillez)
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