Inês
Teotónio Pereira
Não há. É um facto. Nos dias de hoje todos temos funções sociais, reclamam-se funções sociais, questionam-se as funções sociais, refundam-se as funções sociais, debatem-se as funções sociais. E não é só o desgraçado do Estado que está na berlinda. Nesta cruzada estamos todos na berlinda: ora é o papel da mulher, ora é o jovem, ora são os idosos e o seu envelhecimento activo, ora são as empresas e a sua responsabilidade social, ora é a escola, ora é a igreja, ninguém escapa. Cada bicho que anda, pumba, tem logo uma função social. Já não se pode passar pelos pingos da chuva nesta história das funções sociais e assobiar para o ar como se elas não existissem. Elas existem e de que maneira: hoje, todos devemos ser voluntários, colaborantes, cooperantes ou apoiantes de qualquer coisa. Dizem que a sociedade está egoísta e que o fim do mundo está próximo porque a sociedade está egoísta. Pois, não sei. Mas a verdade é que nunca na história a nossa sociedade foi tão solidária como agora. Nunca fomos todos tão funcionalmente sociais como agora. Nunca existiram tantos direitos como agora. Nunca a vida, os idosos, os doentes, os direitos humanos foram tão respeitados e protegidos como agora. E isto porque vivemos numa sociedade em que todos têm funções sociais.
Não há. É um facto. Nos dias de hoje todos temos funções sociais, reclamam-se funções sociais, questionam-se as funções sociais, refundam-se as funções sociais, debatem-se as funções sociais. E não é só o desgraçado do Estado que está na berlinda. Nesta cruzada estamos todos na berlinda: ora é o papel da mulher, ora é o jovem, ora são os idosos e o seu envelhecimento activo, ora são as empresas e a sua responsabilidade social, ora é a escola, ora é a igreja, ninguém escapa. Cada bicho que anda, pumba, tem logo uma função social. Já não se pode passar pelos pingos da chuva nesta história das funções sociais e assobiar para o ar como se elas não existissem. Elas existem e de que maneira: hoje, todos devemos ser voluntários, colaborantes, cooperantes ou apoiantes de qualquer coisa. Dizem que a sociedade está egoísta e que o fim do mundo está próximo porque a sociedade está egoísta. Pois, não sei. Mas a verdade é que nunca na história a nossa sociedade foi tão solidária como agora. Nunca fomos todos tão funcionalmente sociais como agora. Nunca existiram tantos direitos como agora. Nunca a vida, os idosos, os doentes, os direitos humanos foram tão respeitados e protegidos como agora. E isto porque vivemos numa sociedade em que todos têm funções sociais.
No entanto, paira uma dúvida no meu espírito: qual será a função social das
criancinhas? Detalhando: elas servem para quê, no presente? Pois bem, não sei.
Noutros tempos, as crianças eram peças importantes na engrenagem social,
ajudavam e colaboravam com as famílias através de tarefas concretas. Qualquer
criança tinha uma função de maior ou menor responsabilidade que podia ser tomar
conta dos irmãos, ajudar na horta, na lida, no negócio, nas coisas da casa,
fazer companhia à avó, fazer o que fosse preciso. Mas tinham uma função. E
tinham muitos deveres, para além dos trabalhos da escola.
Mas a verdade é que as coisas mudaram radicalmente. As crianças de hoje servem
para nós lhes darmos beijinhos, para gostarmos delas. Mais nada. É essa a
função delas. A criança já não é considerada investimento ou uma espécie de
capital social da família, perdeu esse valor. Perdeu totalmente o seu valor
social. Hoje, a função social da criancinha é apenas e só como aconchego
afectivo dos pais. Ela vale apenas e só nessa medida porque, socialmente, é
inexistente.
Tenho uma história para ilustrar essa disfunção social, uma história que também
é passada num supermercado – como a história do Nicolau Santos sobre o menino
que queria umas bolachas e a mãe não tinha dinheiro para as comprar; por isso,
uma senhora da fila pagou as bolachas do menino, e isto vem provar que o
primeiro-ministro não tem sensibilidade social. Ora, a minha história é sobre
uma menina grande e forte, com cerca de 14 anos, que queria uma mochila de 50
euros. A mãe disse-he que não tinha dinheiro para aquela mochila e pediu-lhe
para escolher outra. A menina disse que queria aquela mochila, só aquela: «Não
me podes obrigar a não ter a mochila de que eu gosto.» E a mãe comprou-lhe a
mochila. Qual é a função social desta menina? Simples: receber coisas de que
gosta e apenas essas.
Já ninguém tem filhos como forma de investir no seu futuro, de melhorar a sua
vida a médio e a longo prazo, co-responsabilizando os filhos desde pequeninos
por todo o funcionamento da família, incluindo o futuro. Não, para isso temos a
segurança social (?). Os filhos servem para receberem. Para receberem
beijinhos, playstations e as melhores
condições possíveis. Por isso é que, hoje em dia, é fundamental ter
disponibilidade afectiva e financeira para os ter. Sem essa disponibilidade, o
que podemos dar-lhes? E pronto, não há filhos.
Mas a pergunta não é essa, a pergunta é: o que podemos receber? É que os filhos
não são umas coisas que vêm ao mundo para terem o nosso amor e pronto. Para
isso existem os cães e os gatos. Os filhos são pessoas que trazemos ao mundo
para nele terem uma função e, de caminho, o nosso amor. Caso contrário, até as árvores seriam um melhor investimento.
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