quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quem semeia ventos…


Pedro Vaz Patto








Quem semeia ventos, colhe tempestades…- Lembrei-me deste provérbio ao ler notícias recentes que mostram até onde pode chegar a lógica subjacente à legalização e liberalização do aborto. 

Uma dessas notícias diz respeito ao aborto motivado pelo sexo do feto, quase sempre por este ser do sexo feminino. Já desde há vários anos que se vem alertando para o fenómeno, o qual vem alastrando sobretudo na China, na Índia e noutros países asiáticos. A worlwide war agaisnt babýgirls (Uma guerra de dimensão mundial contra as meninas bebés) – era o título de um artigo da revista The Economist de Março de 2010. Calcula-se em cerca de 150 milhões o número de mulheres «a menos» nos países da Ásia. A difusão do aborto, associada ao uso de ecografias, está, evidentemente, na origem deste fenómeno (que cresceu significativamente nos últimos anos). As notícias mais recentes davam a conhecer que também nos países ocidentais se praticam abortos com essa motivação: um editorial da revista da associação de médicos do Canadá chega a sugerir a proibição de realização de ecografias; uma reportagem do Daily Telegraph revela que várias clínicas inglesas não colocam objecções a este tipo de abortos.

Leis de vários Estados norte-americanos proíbem expressamente esta prática. Mas é duvidoso que tais leis (que também existem na China e na Índia) possam ter efectividade quando não há limites às razões que tornam legal o aborto; quando, por isso, nem sequer tais razões têm que ser divulgadas e conhecidas. E também há quem conteste a conformidade dessas leis à jurisprudência do Supremo Tribunal norte-americano a partir do caso Roe v. Wade, baseada na negação ao feto do estatuto de pessoa, com a consequente prevalência em absoluto do direito de liberdade de escolha da mulher em matérias tidas por atinentes à sua vida privada (privacy). Há quem, com este mesmo fundamento, justifique um aborto motivado pelo sexo do feto (que até pode ser do sexo masculino). Afinal, se o feto não tem o estatuto de pessoa, porque é que há-se ser protegido, e não discriminado, por ser do sexo feminino? E – poder-se-á também dizer – se os fetos portadores de deficiência não merecem essa protecção (em vários países cerca de noventa por cento daqueles em que é detectada a trissomia 21 são vítimas de aborto), porque hão-de merecê-la os fetos do sexo feminino?

O aborto, muitas vezes apresentado como um direito essencial à emancipação das mulheres, acaba por ser um instrumento ao serviço de ancestrais preconceitos contra a sua dignidade. O aborto lesa, assim, de uma maneira particular, o direito à vida de seres humanos do sexo feminino, precisamente por serem do sexo feminino. Quem semeia ventos…

Outra decorrência lógica da pretensa legitimação do aborto, baseada na negação ao feto do seu estatuto de pessoa, veio também ao de cima recentemente. Um artigo publicado numa influente revista de ética médica veio afirmar a legitimidade da morte intencional de crianças recém-nascidas quando elas possam representar um fardo para os seus pais ou a sociedade. Seria assim porque entre o feto e o recém-nascido não há diferenças substanciais, um e outro não têm o estatuto de pessoas porque não têm capacidade de dar valor à sua existência.

Mas esse valor existe, mesmo quando os seus titulares dele não têm consciência. É precisamente quando, pela debilidade associada à idade, à doença ou deficiência, o ser humano não tem sequer a consciência do valor da sua existência que mais se justifica o cuidado dos outros e a protecção da ordem jurídica.  

Desta vez o clamor foi maior e (ao que julgo saber) quase unânime. Talvez porque, se a imagem do feto nem sempre é visível (também porque há quem pareça não querer que o seja), já é bem visível a imagem da criança recém-nascida, que em toda a pessoa sensível suscita ternura e enlevo. Mas também porque é com esta tese atingido um precioso legado civilizacional ainda bem vivo (fruto da revolução cristã, e ausente na antiguidade pagã, onde se aceitava o infanticídio e o abandono de recém-nascidos). Os autores da tese, perante a indignação que ela suscitou, viram-se na necessidade de afirmar que não pretendiam legalizar o infanticídio, mas apenas fazer um «exercício de lógica». 

Esse «exercício», que revela até onde pode chegar a lógica da pretensa legitimação do aborto, pode ser um «mal que vem por bem», pode servir para despertar a mentalidade corrente, para pôr em causa radicalmente essa lógica e para inverter a rota. Como na história de várias pessoas e povos que só quando «bateram no fundo» começaram a levantar-se.

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