sábado, 21 de agosto de 2010

A praia

Helena Matos

Todos os anos é o mesmo: começa o calor e começam as notícias sobre os assaltos nas praias, sobretudo na linha do Estoril. Como tudo isto tem algo de rotineiro, já não espanta a sequência: acontecem uns episódios de violência que logo são desmentidos. Fala-se de populismo e racismo. Em seguida acontecem outros incidentes. Aí assume-se que algo está a acontecer e anunciam-se reforços. As televisões mostram as praias com os banhistas na toalha e os polícias no paredão num tal aparato que mais parece uma zona de guerra cujos habitantes se obstinassem em dar uns mergulhos. Aqui chegados fica tudo mais ou menos satisfeito, porque os miúdos dos ditos bandos desaparecem das praias e dos comboios, presumindo-se que andam a asnear por outros lados. Sobretudo andam a queimar tempo até que já tenham idade para serem tratados como criminosos, pois aquilo que a sociedade faz perante estes grupos de adolescentes é esperar que cresçam e possam então a ser tratados como gente grande. Esta profunda hipocrisia, servida em doses diárias de xaroposa retórica sobre a protecção dos menores, limita-se a funcionar como uma crónica anunciada da delinquência futura. E não fosse a praia nem perceberíamos como esse discurso é falso e, ele sim, criminoso.

A praia é hoje um dos raros locais onde, em Portugal, se misturam grupos, classes, cores, credos. Durante décadas os filhos dos mais diversos portugueses conviveram na escola pública e no serviço militar. Hoje talvez só o futebol e certamente a praia conseguem reunir num mesmo espaço as pessoas independentemente das suas origens. E quando se reúnem torna-se óbvio o que se não quer ver: os portugueses têm medo. Mas nas praias da linha do Estoril não acontece nada que não aconteça durante o restante ano noutros lugares: simplesmente as vítimas não são as do costume.

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