sábado, 21 de janeiro de 2012

Maternidade para substituição

Daniel Serrão


 









Por esta designação – mais adequada que a vulgar «barriga de aluguer» – entende-se a indução de gravidez numa mulher, pelo processo de transferência de um embrião constituído em laboratório, com o compromisso, contratualizado, de que a criança que venha a nascer será entregue a outrem.

A situação típica em que tem sido invocada a necessidade de recurso a esta maternidade é a de um casal no qual a esposa, por acidente ou por doença, perde definitivamente a capacidade de usar o útero para nele se desenvolver uma gravidez. E deseja intensamente ter um filho a partir dos seus ovócitos e dos espermatozóides do marido. E sofre, no plano emocional e afectivo, por não poder realizar este seu desejo, que é também desejo do casal.

Ou seja, o casal tem condições para gerar um filho com os seus gâmetas mas esse filho não pode ser desenvolvido no útero da mãe porque tal útero não existe ou não tem capacidade funcional para a gravidez. Como a fertilização gamética extracorporal , em laboratório, se tornou possível e é usada para os casos de infertilidade de casais, encarou-se a possibilidade de «prolongar» esta técnica, recorrendo a um útero natural, noutra mulher, com entrega da criança nascida aos pais biológicos.

Pode olhar-se esta situação de dois prismas, ambos legítimos.

Como um acto de amor e generosidade no qual uma mulher abdica de um filho que nela se desenvolveu durante nove meses e o entrega aos pais biológicos; como uma manipulação da maternidade, poder supremo da mulher, que até pode ser grosseira se estiver em causa um pagamento por este «serviço». (uma simples consulta à Net, mostra como, em vários países, está organizada e é publicitada uma “indústria” de produção de crianças que são vendidas). Mas, seja qual for o prisma de observação temos de reconhecer que estão em causa pelo menos, três interesses que terão de ser acautelados se vier a ser aprovada legislação que permita esta prática. Que sempre será excepcional dada a reconhecida raridade deste tipo de impossibilidade de concepção maternal.

São eles o interesse da mulher que se disponibiliza para ser a criadora uterina do filho, os interesses do filho a nascer, os interesses do casal que recorre a esta prática.

Levantam-se muitas dúvidas sobre a possibilidade de compatibilizar estes três interesses sem a produção de um texto jurídico muito apurado e completo.

Por exemplo: o ato médico de transferir para o útero da mãe portadora o embrião constituído em laboratório tem de passar por uma informação completa, verdadeira e compreensível, na qual não sejam escamoteadas as consequências da relação feto/mãe/feto, próprias de toda a gravidez, que se destinam a garantir a sobrevivência do feto antes e depois do nascimento e que constituem o essencial da biologia da maternidade. Sabe-se hoje (Biological Psychiatry, 63,415-423,2008) que o funcionamento cerebral da mulher é modificado durante a gravidez o que torna muito difícil a separação do filho nascido.

Também uma informação séria e completa dos riscos inerentes à gravidez em geral, incluindo o de abortamento espontâneo, e ao parto, que pode ter de ser cirúrgico, como na gravidez em geral. Esta gravidez, por ser para substituição, não é no interesse da mulher que vai engravidar mas no interesse de outrem; o que impõe, ao médico, a obrigação ética de dar informação completa e rigorosa dos riscos inerentes ao ato médico que vai praticar.
E se a gravidez se tornar uma gravidez de risco, se o feto tiver malformações graves ou, simplesmente, se a mulher portadora decidir mudar de opinião, pode ou não recorrer ao abortamento legal?

Se a criança nascer com defeitos congénitos ou adquiridos, por exemplo por parto distócico, a mãe biológica pode recusar-se a aceitar o filho «encomendado».

Se a mãe portadora, por generosidade e amor, decidir depois do parto, não entregar o filho à mãe biológica, vai ser punida por ter mudado de opinião (sendo que esta mudança é de raiz neurobiológica)?

Se o casal se divorciar durante o período de gravidez para substituição e nenhum dos cônjuges quiser receber o filho, a mãe portadora vais ter de ficar com ele?

As questões elencadas são um simples exemplo, muito incompleto, das dificuldades médico-jurídicas que a lei, a existir, terá de considerar.

Há, ainda, lugar para uma reflexão ética e sociológica que ficará para outra oportunidade.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Entrevista com o Prof. Gorjão Clara

«As crianças ... devem ser ensinadas a respeitar os idosos. A saber que foram os idosos quem lhes permitiu estarem ali, quem ajudou que os pais os criassem, são a referência da cultura da família. Não devem ser esquecidos, não devem ser humilhados, não devem ser maltratados, não devem ser objecto de violência. Talvez começar a ensinar de novo isto às nossas crianças seja o primeiro passo.»

A entrevista pode ser consultada aqui ou descarregada aqui.

Colheita de Sangue dias 21 e 27 de Janeiro



Colheita de Sangue nos dias 21 e 27 de Janeiro de 2012 entre as 9 horas e as 13 horas no Posto Fixo da ADASCA, localizado no 1º. Piso do Mercado Municipal de Santiago.

O sangue é um dos elementos muito importante para a vida, a sua aquisição tem que vir do homem, já que sem o homem não há sangue nos hospitais e para nós é um gesto de agradecer/louvar.

«Deus deu ao homem a capacidade de ir para a Lua, mas ainda não deu a capacidade de criar uma substância que substitua o sangue. Talvez para que o homem nunca se esqueça de que um depende do outro, sempre». (Marielly Campos).

«Decidi doar simplesmente. Acho que essa é uma atitude que todos nós deveríamos ter. Ajudar o próximo é uma atitude humana», disse a mais nova dadora da ADASCA.

Já Paulo da Silva, de 39 anos, disse que aquela era a sua quarta dádiva. «Sempre venho aqui de três em três meses para fazer a minha doação. Estou fazendo a minha parte e sei que várias pessoas são beneficiadas com o meu esforço», afirma.

«Não existe nada que substitua o sangue. A doação é um acto de solidariedade que ajuda a salvar vidas. Por isso convidamos a todos para que sejam dadores fiéis e ajudem nesta difícil missão de dar vida a quem precisa», «Se estão a pedir é porque há pessoas  que estão a necessitar.  Amanhã, quem sabe, eu mesma ou um familiar nosso pode precisar». finaliza Rosemary.

Dar e aceitar: dois gestos que resumem a vida humana e lhe dão um sentido redobrado. Compareçam... tragam um(a) amigo(a), nunca somos de mais.

Mais informações no site: www.adasca.pt

Joaquim Carlos
Presidente da Direcção da ADASCA
NB: a edição nº. 5 da Revista Tribuna da ADASCA
Já está disponível, custa apenas 1€. Colabore.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Convite de Casamento

O convite de casamento representa os noivos como o seu cartão de visita. Tradicionalmente, deve ser entregue pessoalmente por ambos os noivos, mas nem sempre isso é possível. Assim, muitas vezes os convites são enviados via correio, e-mail ou até mesmo via mensagem de texto no telemóvel. O convite é como o bilhete de entrada para um espectáculo muito especial, que contará apenas com a presença de pessoas queridas para os futuros recém-casados.

O tipo do convite de casamento depende do estilo que os noivos decidiram adoptar para o casamento. Pode ser mais formal ou mais informal. Elementos que devem figurar: Os nomes dos noivos, o nome dos pais dos noivos, a data, a hora, o local da cerimónia e da recepção. Inclua também vossos contactos e o prazo para confirmação de presença, o chamado RSVP. A assinatura dos noivos é também um elemento enriquecedor do convite.

Para a elaboração dos convites, existem várias opções. Os noivos podem escolher um modelo já pré-definido numa empresa, podem escolher personalizar seu convite a partir de modelos existentes ou até eles mesmos podem fazer seus próprios convites de forma artesanal. No que se refere à escrita, podem fazê-la de modo impresso e standard, contratar um caligrafo ou então escreverem eles mesmos o textos, ou pelo menos assinarem os convites.

Uma pequena dica para tudo correr bem na distribuição dos convites de casamento tão aguardado é criar uma lista com o nome e endereço de todos os que serão convidados e à medida que forem entregues marcar com um ok em frente do nome, mantendo um controlo sobre quem já recebeu convite ou não. Outra dica é que você faça a entrega dos convites cedo o suficiente para receber as respostas com antecedência suficiente de modo a facilitar-lhe a organização das mesas.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Filhos sem Pai

Pedro Vaz Patto







O projecto de lei de alteração da regulação da procriação medicamente assistida apresentado pelo Bloco de Esquerda, e actualmente em discussão, pretende garantir o acesso a essa técnica a mulheres sós ou numa relação homossexual, independente do diagnóstico de infertilidade. Já foi saudado por representar uma quebra da «desigualdade arcaica que reduz as mulheres a apêndices dos homens» (São José Almeida in Público de 24/12/2011), isto é, a que exige necessariamente o contributo destes para a procriação.
O alcance antropológico da alteração proposta, que a torna mais uma etapa da agenda fracturante, merece atenção e aprofundamento.
Na verdade, não se verifica uma «desigualdade ancestral» a este respeito. A natureza colocou, neste aspecto, homens e mulheres em estrito pé de igualdade: as mulheres não procriam sem os homens, mas os homens também não procriam sem as mulheres. Ninguém é mãe sozinha e ninguém é pai sozinho. Não se trata de um desígnio a corrigir ou anular, como se não tivesse sentido. Cada um dos sexos não pode deixar de reconhecer, assim, a importância do outro. Assim se exprime a estrutural relacionalidade da pessoa humana, que se realiza na comunhão com o outro. Essa comunhão está na origem da vida a partir da unidade da diversidade mais elementar: a que distingue homens e mulheres. Da riqueza da dualidade sexual nasce a vida. Associar a geração da vida à comunhão e ao amor (a vida é fruto do amor e o do amor nasce a vida), e à riqueza da dualidade sexual, não é um «engano» da natureza, mas um desígnio maravilhoso a aceitar e acolher.
A alteração proposta pretende consagrar uma visão radicalmente diferente: a procriação como instrumento de realização de um projecto individual, e não relacional. O filho tende, assim, muito mais, a ser encarado como espelho do único progenitor, e já não como dom a acolher na sua alteridade e unicidade. Passa a ser visto como objecto de um direito que se reivindica. É o «direito à parentalidade» que está em jogo - afirma-se em defesa do projecto em discussão.
A procriação medicamente assistida tem sido encarada, à luz da lei vigente (que não deixa de ser também merecedora de críticas) como forma de suprir a infertilidade, não como alternativa à procriação natural. Não é (como, num plano semelhante, não o é a adopção) um instrumento de «experimentalismo social» ou de «engenharia social» ao serviço de «novas formas de família». A criança gerada através de procriação medicamente assistida, como a criança adoptada, tem o direito a uma família como as outras, a uma família tanto quanto possível próxima da que tem origem na procriação natural.
Não se trata de impor um modelo de família ou uma forma de encarar a maternidade. Trata-se de dar primazia ao bem do filho, que não pode ser coisificado como objecto de um direito. Não há um direito ao filho; o filho é um dom. O bem do filho exige que ele seja fruto de uma relação, e não de um projecto individual. E exige que ele não seja intencionalmente privado de uma mãe ou de um pai. É ele que tem direito, não tanto a um progenitor indiferenciado (como pretende a ideologia do género, ao pretender que se fale em parentalidade), mas a uma mãe e a um pai.
Diz-se que interessa apenas a competência parental, e não o sexo dos progenitores. Mas a mais competente das mães nunca poderá substituir um pai, tal como o mais competente dos pais nunca poderá substituir a mãe; o que sempre afirmaram os estudos de psicologia do desenvolvimento infantil. Nenhum de nós tem como referência um progenitor indiferenciado, mas a sua mãe e o seu pai. E quem foi privado de alguma dessas referências não deixa de lamentar profundamente esse facto.
O que agora se propõe é que da procriação medicamente assistida nasçam crianças sem pai (sempre haverá um pai genético, necessariamente anónimo, mas apenas isso), já não por acidente inevitável, mas de forma intencional e programada. Numa fase seguinte, pretender-se-á que homens homossexuais possam recorrer à maternidade de substituição para que nasçam crianças sem mãe (o projecto em discussão ainda não dá essa passo, pois propõe a regulação dessa prática apenas como forma de suprir a infertilidade, mas tal passo já foi dado noutros países). Não me parece de saudar qualquer destas pretensões.  

Vale a pena casar-se... ou talvez não?

A título de introdução:
“O que é para si enamorar-se?”


Por Marta Román
Vale a pena casar-se? Se você se casa para amar e viver enamorado, certamente. Como não vai valer a pena triunfar na vida? Mas se você se casa por uma outra coisa ou por uma outra razão, não ...


Tomás Melendo é partidário do amor. No seu artigo permite-se o luxo de desenvolver deliciosamente sua argumentação de pensador e de homem vivido sobre a estreita relação entre enamorar-se e casar.

Mas o facto é de que amor e de se enamorar toda a gente sabe. Por isso fiz uma prova muito curiosa: perguntei aos meus filhos, como quem não quer nada e a cada um separadamente, o que é enamorar-se para ti? A um enquanto estava no Facebook, a outro enquanto vestia o pijama, a outra, quando ia falar às escondidas ao telefone, a outro, chamando-o como para pedir algo e soltando a pergunta à queima roupa... Assim, sem muita reflexão e sabendo onde eu queria chegar, não leram nenhum tratado sobre o amor, nem nada semelhante.

E, oh surpresa! As suas respostas parecem as conclusões do artigo de Tomás Melendo:

Minha filha de 16 anos: - Enamorar-se é gostar de uma pessoa com quem você se sente bem, sabe que ela está sempre lá, gosta de si e vê um futuro com ela.
Meu filho de 15: - Entregar a vida à pessoa que você ama.

Meu filho de 10: - É sentir algo por alguém.

- Algo bom ou mau? - pergunto.

- O que pode ser? - claro que é bom!


Meu filho de 6 anos: - Enamorar-se é casar.


E minha conclusão: que enamorar-se é uma questão que se tem muito clara antes que a televisão, a rua ou a má vida a turvem miseravelmente. Por isso, desde o princípio dos tempos, as pessoas têm procurado casar-se com alguém com quem valha a pena viver.


Meu filho de 13:- É quando alguém não lhe sai da cabeça.





Tomás Melendo









Vale a pena casar-se? Para quê?

Muitos jovens afirmam hoje que não vêem razão alguma para contrair matrimónio. Amam-se, e nisto eles encontram uma justificação de sobra para viverem juntos. Considero que estão errados, mas compreendo-os perfeitamente.

É que as leis e os hábitos sociais tiraram todo o sentido do matrimónio:

a) por um lado, a admissão do divórcio elimina a confiança de que se lutará para manter o vínculo;

b) por outro, a aceitação social de “namoros” extra matrimoniais, considerados quase como uma «necessidade», para não dizer um «direito»... ou um «dever», suprimem a exigência da fidelidade;

c) e, finalmente, a difusão massiva e indiscriminada de contraceptivos, unida à afirmação de sua total inocuidade – espiritual, psíquica e física –, desprove, de relevância e valor, os filhos.

O que resta então, da grandeza da união conjugal? O quê, da arriscada aventura que sempre tem sido? Com que objectivo «passar pela igreja ou pelo juiz»?

Vistas assim as coisas, a quem afirma a absoluta primazia do amor, teria que começar por lhes dar razão, para depois fazê-los ver algo de capital importância, que outras vezes apontei: é impossível o casal se amar, a sério, sem estar casados.

Fazer-se capaz de amar

O que acabo de afirmar é bem certo, embora possa suscitar uma certa admiração. Em todos os âmbitos da vida humana, é preciso aprender e  capacitar-se. Por que então não se faz isso no amor, que é a parte mais gratificante, decisiva e difícil de nossas actividades? Jacinto Benavente afirmava que «o amor tem que ir à escola». E é verdade. Para poder amar de verdade é preciso se exercitar, da mesma forma, por exemplo, que é preciso treinar os músculos para ser um bom atleta.

Pois bem, as bodas capacitam para amar de um modo real e efectivo.

Nossa cultura não entende o matrimónio: contempla-o com uma simples cerimónia (quanto mais luxuosa e extravagante, melhor), um contracto rescindível, um compromisso...

Algo que, sem ser falso, torna-se demasiado pobre.

Na sua essência mais íntima, as bodas constituem uma expressão refinada de liberdade e amor. É, sim, um acto profundíssimo, inigualável, pelo qual duas pessoas se entregam plenamente e decidem  amar-se por toda a vida. É o amor dos amores: amor sublime que, em primeiro lugar, «redime» o meu passado; e, além disso, e, sobretudo, me permite «amar bem», como diziam nossos clássicos: fortalece a minha vontade e habilita-a para querer outro nível: situa o amor recíproco numa atmosfera mais alta.

Por isso, se não me caso, se excluo este acto de doação total, estarei impossibilitado de amar realmente meu cônjuge; como aquele que não treina ou não aprende um idioma não é capaz de falá-lo.

À sua jovem esposa que lhe escreveu: «Você me esquecerá, a mim que sou uma provinciana, entre suas princesas e embaixatrizes?», Bismarck respondeu: “Você esquece-se de que eu a  esposei para amá-la?”

Estas palavras encerram uma intuição profunda: o «para amá-la» não indica uma simples decisão de futuro, inclusive imutável; equivale, no fim das contas, a «para poder amar» com um amor autêntico, supremo, definitivo... impossível sem o mútuo entregar-se do matrimónio, sem se casar.

Casar-se ou “conviver”

Não se trata de teorias. Tudo o que acabo de expor tem claras manifestações no âmbito psíquico.

O ser humano só é feliz quando se empenha em algo grande, que, efectivamente, compense o esforço. E o mais impressionante que um homem ou uma mulher podem fazer na terra é aprender a amar.

Vela a pena dedicar toda a vida a amar cada vez melhor e mais intensamente, porque só para isso viemos a este mundo.

Daí que, na realidade, essa seja a única coisa que merece nossa dedicação: tudo o mais deveria ser apenas um meio para consegui-lo; «Ao entardecer de nossa existência – repetia são João da Cruz – seremos julgados pelo amor».

E por nada mais! Acrescento eu: tudo o que em minha vida eu não transformar em amor, é inútil, vão e, inclusive, prejudicial.

Pois bem, quando me caso, estabeleço as condições para me consagrar sem reservas à tarefa de amar. Pelo contrário, se simplesmente vivemos juntos, e mesmo que não seja consciente, terei que dirigir todo o esforço «para defender as posições» alcançadas, para não perder o conquistado ou a conquistada, para outro ou outra.

Tudo, então, se torna inseguro: a relação pode  romper-se a qualquer momento. Não tenho certeza de que o outro vai  esforçar-se seriamente em  amar-me, em dividir as alegrias e superar os atritos e conflitos do trato quotidiano: por que haveria eu de fazê-lo? Não posso baixar a guarda, relaxar-me, mostrar-me de verdade como sou, porque a minha mulher pode descobrir os meus defeitos «insuportáveis» e decida que «vamos parar por aqui». Ante as dificuldades que com certeza surgirão, a tentação de abandonar a empresa  apresenta-se muito imediata, uma vez que nada impede esta deserção.

A simples convivência cria um clima psíquico que faz perigar o objectivo fundamental e entusiasmante do matrimónio: aumentar, intensificar e melhorar o amor e, com ele, a felicidade.

Amor ou «papéis»?

Tudo isso parece avalizar a afirmação de que «o importante» é querer-se. E é verdade!

O amor é efectivamente o importante. Esta ideia não nos deve dar medo. Entretanto, já expliquei que não pode haver amor de verdade sem doação mútua e exclusiva, sem se casar.

Os papéis, o reconhecimento social não são de modo algum o importante; mas com relação à confirmação externa da mútua entrega, tornam-se imprescindíveis.

Porquê?

Do ponto de vista social, porque o meu casamento tem repercussões civis claras, que aumentam mais ainda com a chegada dos filhos; a família compõe ou deveria compor-se a chave do ordenamento jurídico e o fundamento da saúde de uma sociedade; é indispensável, portanto, que haja certeza de que outra pessoa e eu decidimos mudar de estado e criar uma nova família.

Mas, sobretudo, a dimensão pública do matrimónio, a cerimónia religiosa e civil, a festa com familiares e amigos, as participações do acontecimento, anúncios nos meios de comunicação – melhor se puder ser na televisão – tudo deriva da enorme relevância que deve ter para os cônjuges, o que estão realizando. Se isto vai mudar radicalmente minha vida, fazê-la melhor, se vai me permitir algo que é uma autêntica e maravilhosa aventura, gostarei de que todos ou, ao menos, os autênticos amigos saibam, assim como apregoo com grande alarde as outras boas notícias.

Igual, não.

Muito mais, porque não há nada comparável a  casar-se: coloca-me numa situação inigualável para crescer interiormente, para ser uma pessoa melhor e tremendamente feliz (aquele que não acreditar....que faça a prova com seriedade).

Como não divulgar, então, a minha alegria?

Antecipar o futuro?

É verdade que, à vista do exposto, muitos se perguntam: como posso eu me comprometer a algo para toda a vida, se não sei o que me espera? Como posso ter certeza de que escolhi bem meu par?

Trata-se de uma pergunta típica dos dois últimos séculos, nos quais o desejo de segurança transbordou além do propriamente humano – às vezes com repercussões psíquicas inclusive graves – e, apesar das declarações contrárias, de modo inverso ao apego real pela liberdade, que sempre leva consigo algo de risco.

A única resposta possível, que dou sempre que me fazem publicamente esta pergunta, é: «de modo algum». «não há nenhum modo de saber», «o futuro é... o futuro»; indefinível por natureza, com a permissão dos “adivinhadores de plantão”, ainda que já sejam tantos, e o do turno mais utópico; eles  assediam-nos por todos os lados e a todo o momento.

Ao que acrescento, antes que o auditório desapareça, que para isso aí está o namoro, um período muito bom, que oferece a oportunidade de conhecimento mútuo e de começar a entrever como será a vida em comum.

Depois, se sou como devo, já sei suficientemente o que acontecerá quando me casar: sei, na realidade, que vou colocar todo o esforço para amar a outra pessoa e procurar que ela seja muito feliz. E se tiver sido um propósito sério, se tivermos sido prudentes e nos conhecemos o bastante, isso será compartilhado pelo futuro cônjuge: o amor chama o amor. Podemos, portanto, ter certeza de que vamos tentar por todos os meios. E então, é muito difícil, quase impossível, que o matrimónio fracasse.

Observar e reflectir

Certamente, esta decisão radical de entrega não basta para dar um passo de tanta transcendência. É preciso considerar também alguns traços do futuro cônjuge.

Quais?

Em primeiro lugar, por pura honestidade, devo avisar que a viabilidade de um matrimónio nunca pode ser conhecida tendo-se relações íntimas antes ou em lugar das bodas; como em seguida veremos, por mais que se choque contra o costume e as pretensões gerais, a situação que aí se cria é tão artificial, tão profundamente diferente do que um matrimónio sustentará, que não existe modo pior de avaliar se devo ou não casar com aquela pessoa.

Os traços que deveriam ser levados em conta são sempre outros. Por exemplo, se «me vejo» vivendo durante o resto dos meus dias com aquela pessoa, inclusive quando estiver sem se arranjar, ronque ou lhe cresçam os «pneusinhos» na barriga; também e antes, como age em seu trabalho e com seus colegas, como trata a sua família, os seus amigos; se sabe controlar os seus impulsos, incluindo os sexuais; porque, do contrário, ninguém me assegura que será capaz de fazê-lo quando estivermos casados e se apaixone por outro ou por outra; se gostaria que meus filhos se parecessem com ele ou com ela (que horror!)... porque de facto quer eu queira ou não, vão  parecer-se; se sabe estar mais atento ao meu bem (e de seu bem real, por mais que lhe custe) que de seus simples e quase inacabáveis anseios...

Em resumo:

a) Não fazer o menor caso do que promete.

b) Escutar - com todo romantismo que deseje, mas como quem ouve chover – o que me diz.

c) Prestar muita atenção ao que parece que é.

d) Mas principalmente ao que efectivamente faz e como se comporta.

e) E conceder um peso absoluto à sua maneira de agir... justamente quando não está comigo, uma vez que quando nos vemos, os dois encontramos-nos  dispostos naturalmente – sem a menor malícia – a agradar, uma vez que se trata do momento mais esperado do dia, no qual ambos podemos e queremos dar o melhor de nós mesmos.

Pelo contrário, se na sua casa, com os seus amigos, com os seus colegas de trabalho, comporta-se como um ou uma egoísta, ou como um ou uma déspota, se não leva em conta os desejos e o bem real dos que a ou o rodeiam, quem pode  assegurar-me que não vai acabar assim ... também na cama?

Relações antimatrimoniais


E aqui se deve considerar uma das questões mais decisivas e sobre a qual impera maior confusão. A necessidade de se conhecer, de saber se um e outra combinam, não aconselha viver juntos um tempo, com tudo que isto implica?

Trata-se de um assunto muito estudado e sobre o qual se vai lançando uma luz cada vez mais clara.

Um bom resumo do status quaestionis seria o seguinte: está estatisticamente comprovado que a convivência antes do matrimónio nunca produz efeitos benéficos: nunca!

Por exemplo:

a) os divórcios são muito mais frequentes – parece que o dobro – entre os que conviveram antes de contrair matrimónio;

b) as atitudes dos jovens que começam a ter trato íntimo pioraram notavelmente e a olhos vistos, desde este momento; tornam-se mais possessivos, mais ciumentos e controladores, mais desconfiados e resmungões, inclusive mais desagradáveis.

Mas por quê?

A causa, ainda que profunda, não é difícil de intuir. O corpo humano é, no sentido mais profundo da palavra, pessoal; e talvez muito especialmente em suas dimensões sexuais. Em consequência, a sexualidade deve falar um único idioma: o da entrega plena e definitiva.

Mas, nas circunstâncias que estamos a considerar, esta total disponibilidade  torna-se contraditória pelo coração e pela cabeça que, com maior ou menor consciência, a rejeitam, ao evitar um compromisso com a vida.

Surge assim uma ruptura interior em cada um dos namorados, manifestada psiquicamente por um obsessivo e angustioso fã de segurança, cortejado de receios, temores, rancores e suspeitas, que acabam por envenenar a vida em comum.

Por outro lado, como consequência do anterior, um e outra começam a sentir-se mal... e procuram de novo «estar juntos» como meio para evitá-lo; o mal estar  acalma-se momentaneamente, enquanto duram as relações, para logo crescer com mais força, «estar outra vez mais juntos», aumentar o aborrecimento persistente, numa espécie de espiral fatídica que culmina, quase sempre, com a separação...que é pior se não é definitiva!

Daí que, ao contrário do uso habitual, a este tipo de relações eu prefira chamar «anti ou contra-matrimoniais».

Para se conhecerem de verdade

Por outro lado, também é ingénua a pretensão de decidir a viabilidade de um matrimónio pela «capacidade sexual» de seus componentes: como se toda uma vida em comum dependesse ou se pudesse sustentar em uns actos que, em condições normais, somam uns poucos minutos por semana!

Mas é que a melhor maneira de conhecer o nosso futuro cônjuge neste âmbito, consiste, como antes sugeri, em observá-lo nos outros aspectos de sua vida, e talvez, principalmente, nos que se relacionam directamente connosco: reflectir sobre o modo como se comporta no seu lar, trabalho ou estudo, com seus amigos ou conhecidos... e com os «inimigos», pois em algum momento de nossa vida matrimonial seremos considerados como tais, etc.

Pois se nessas circunstâncias é generoso, afável, paciente, serviçal, terno, desprendido... pode estar certo, sem ter medo de se enganar, que certamente esta atitude será a mesma na vida quotidiana e nas relações íntimas.

Enquanto que a «comprovação directa» e inclusive a forma de nos tratarmos, por responder a uma situação claramente «excepcional» – o namoro um tanto «avançado» –, não só não proporciona dados confiáveis sobre o seu futuro, mas que em muitos casos até os mascara.

Por isso, diante de uma opinião muito difundida, caberia afirmar que «viver (e deitar-se) juntos» é a melhor maneira de não saber em absoluto como vai agir a outra pessoa durante o casamento.

Repito que não se trata de mera ficção nem uma forma de «invenção piedosa» para desaconselhar esta convivência. Como acabo de apontar, fica bastante fácil dar-se conta de que a situação que se cria em tais circunstâncias é absolutamente artificial... e muito diferente do que será a vida em comum, dia a dia – não apenas «noite a noite» –, quando ambos estiverem casados.

Provar as pessoas?

Mas pode-se ir mais fundo: não é sério nem honrado «tratar» as pessoas, como se se tratassem de cavalos, de carros ou de computadores. As pessoas são algo tão grandioso que, na sua presença, só cabe a veneração e o amor; por elas arrisca-se a vida, «joga-se cara ou coroa» – como dizia Marañón –, «o futuro do próprio coração», a vida inteira.

Além do que, a desconfiança que implica o colocar à prova não só gera um permanente estado de tensão difícil de suportar, mas  opõe-se frontalmente ao amor incondicional – incondicionado e incondicionável – que está na base de qualquer bom casamento: e se não há base ou ponto de apoio, o casamento... cai.

E aí cabe acrescentar outro motivo, ainda mais determinante: não se pode realizar este «experimento», é materialmente impossível, ainda que pareça o contrário, porque o casamento muda muito profundamente os noivos; não apenas do ponto de vista psicológico, ao qual já me referi, mas no próprio ser: modifica-os profundamente, transforma-os em esposos, permite-lhes amar de verdade; antes não era possível este amor!

Mas este é um tema de tanta transcendência que prometo voltar a ele muito em breve.